segunda-feira, 31 de maio de 2010

POESIA - AMIGO E MESTRE

                                                GREGORIO F. BAREMBLITT

                                                                               JORGE BICHUETTI
Uma estrada trilhada ente o riso e o sonho...
Outrora, navegava imerso à Plataforma
de base. Hoje, só o devir o conforma:
- um sábio trapaceando o olhar tristonho.

Uma utopia ativa entranha em sua forma;
numa luta visceral ruge, assim, suponho,
pois o escutando um leopardo componho
acoplado ao curió que encantado transforma...

Transforma o agir, fazer... o terror instituído
das práticas, saber-múmia já carcomido
que nubla o céu, secando a terra e a própria vida.

Deleuzeando compõe um belo horizonte
e do caos atualiza um trajeto esquizoonte;
assim, segue invenção: devir vida aguerrida.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
                                                                       

MESTRES DO CAMINHO: UMA ENTREVISTA COM BAREMBLITT



    Entrevista: Gregório Baremblitt
    Ecletismo, sim, banalidade, não!
    Trabalhando na linha do que denomina “ecletismo superior”, ele defende a densidade teórica como base para o conhecimento de novas técnicas e explica por que considera que o psicólogo tem que ser constantemente curioso, pesquisador, inventor e nômade
    O argentino Gregório Baremblitt tornou-se conhecido por sua participação no Movimento Institucionalista, orientado para apoiar os processos auto-analíticos e autogestivos dos coletivos sociais. Sua trajetória, porém, teve início em Buenos Aires, onde formou-se em 1961 em psiquiatria. Após o curso regular e a especialização, formou-se como docente autorizado, título que equivale, no Brasil, ao doutoramento. Freqüentou, também, a Escola de Psicologia Social de Pichon-Riviére. É, ainda, pós-graduado em sociologia. Freqüentou durante quatro anos a formação na Associação Psicanalítica da Argentina, tendo saído à época da criação do Grupo Plataforma, o primeiro, no mundo, a romper com uma Associação Psicanalítica filiada à Internacional por motivos políticos.
    Durante o período de atividades do Grupo Plataforma, foi diretor da Área de Docência e Pesquisa. Nessa mesma época participou, também como membro do Grupo Plataforma, da Coordenadoria de Trabalhadores de Saúde Mental, que reunia os sindicatos dos Psiquiatras, Assistentes Sociais e Psicólogos.
    Entre todas essas atividades, era ainda militante político e teve que abandonar seu país quando o golpe militar deu início ao período da ditadura argentina. Chegou ao Brasil em 1978, por não ter sido aceito em Caracas, na Venezuela, por motivos políticos.
    No Rio fundou, com um grupo de outros profissionais, o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições (Ibrapsi), que desenvolveu experiências mesclando os princípios da prática privada pura com os da prática comunitária, institucional. Durante os seis anos de atividades do Ibrapsi, participou da organização de seis congressos internacionais, da publicação de cinco livros e da formação das cinco turmas de profissionais psi que saíram da instituição.
    Em 1982 um grupo de profissionais fundou em Uberaba, a Fundação Gregório Baremblitt, uma organização de saúde mental. Baremblitt, então, fundou posteriormente em Belo Horizonte, o Instituto Félix Guattari, que funciona integrado à Fundação de Uberaba. Foi também professor da Santa Casa de São Paulo, da PUC do Rio de Janeiro, da Uerj, da Universidade Federal, da PUC de Belo Horizonte e da Universidade La Plata, em Buenos Aires. Publicou 17 livros sobre sua experiência com a análise institucional, da qual é um dos maiores expoentes no Brasil. Em sua clínica, em Belo Horizonte, ele recebeu o Jornal do CRP para esta entrevista.
    CRP - O senhor poderia fazer um paralelo entre a situação que as práticas psi enfrentaram nas ditaduras na Argentina e no Brasil?
    Baremblitt - Cheguei ao Brasil em 1978, um período interessante. Estava no auge a luta de diversos grupos, como o que lutava pela anistia. No Ibrapsi, chegamos a trabalhar com o alto comissariado das Nações Unidas, em colaboração com a anistia.
    A Argentina é uma encruzilhada cultural, sempre teve uma enorme influência européia, mas também teve influência americana. E tinha a primeira Associação Psicanalítica da América Latina. De outro lado, tinha uma forte vocação marxista. Mais tarde surgiram outras tendências de esquerda, como a peronista, os montoneros, o trotskismo, a esquerda maoísta etc.
    É um país, portanto, de longa tradição psicanalítica, onde surgiram muitos profissionais nessa área. Mas o começo mesmo foi com Pichon-Riviére. Depois Bleger, Mari Langer e, a partir daí, já começam umas duas ou três gerações da mesma linha, mais ou menos freudo-marxistas. Reich foi uma grande influência para nós, assim como Althusser. Houve também uma geração muito ativa, em que estavam Pavlovski, Miguel Matrar, do México, Luiz Horstem, Rafael Paz, Kuesselmamn. Na Argentina sempre houve muito interesse por grupos e pela abordagem psicanalítica do grupo, ou psicodramática do grupo. Da mesma forma, havia um setor, que também era grupalista, mas não tinha compromisso político.
    Já no Brasil, o matiz político desencadeou-se a partir de algumas figuras, de psicanalistas combativos e comprometidos com partidos políticos. Desde a época em que cheguei, eu sabia que há muito tempo havia um forte movimento grupalista, em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em São Paulo etc. Mas me parece que tinha menos dimensão, menos matiz político.
    A expulsão de Hélio Pelegrino e Eduardo Mascarenhas da Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro foi devido à militância que eles já tinham anteriormente. Esse foi um marco importante aqui, fundamentalmente em torno do conflito de Amilcar Lobo e Leão Cabernite. Houve muitas reviravoltas em torno desses casos. Eles foram expulsos, depois aceitos novamente.
    CRP - O episódio Amilcar Lobo acirrou as discussões sobre a orientação política da prática psi. Há uma tradição da psicologia como instrumento de seleção e exclusão. Mas existe um movimento, político, que tenta colocar a psicologia como instrumento de promoção da vida, da não exclusão. Surgem movimentos importantes na saúde mental, como o da Luta Antimanicomial. Como é que o senhor vê a evolução, no Brasil, dessa questão?
    Baremblitt - Gostaria de poder ser preciso no desenvolvimento dessa etapa da psicologia politizada antes de eu chegar ao Brasil, mas não sou capaz de fazê-lo. Sei que houve muitas tentativas. Houve gente da psicologia ligada às ligas agrárias etc., houve manifestações de psicologia política no campo cultural, na frente escolar, universitária etc. Quando cheguei aqui havia pessoas com longa militância nesse sentido. Algumas delas muito duras, extremas, outras mais suaves, mais democráticas, mas com inquietação política.
    No momento da minha chegada, há uma questão delicada frente à qual eu me sinto um pouco ambivalente. Acredito que o Ibrapsi foi um ponto forte dessa repolitização. Mas, como fui um dos protagonistas disso, tenho pruridos para falar a respeito. Mas, modéstia à parte, o Ibrapsi organizou em 1978 um congresso em que conseguiu trazer aqui as 14 figuras mais importantes do mundo, representantes da politização no campo da saúde mental. Vieram, entre outros, Guattari, Basaglia, Casttel, Gofmam, Tomas Szass e muitos outros. Esse congresso foi um momento muito importante. Embora o Ibrapsi não possa se atribuir tudo o que aconteceu depois, o fato é que a partir desse momento todos esses profissionais voltaram ao Brasil reiteradamente.
    Então, eu diria que aí se iniciou um movimento de características um pouco diferentes das que já existiam. Foi um momento politizado, mas com inspirações múltiplas e diversas. Já não era apenas democrático, liberal ou freudo-marxista, embora tivesse todo um espectro dessas posições. O institucionalismo propriamente dito tinha entrado no Brasil por meio de Lapassade, nos anos 70.
    A luta antimanicomial, me parece, começou com a vinda de Basaglia ao Brasil. Eu acho que esse foi um momento muito transcendental. E a partir daí começou uma série de movimentos. Diferentes vertentes do institucionalismo, todos eles grupalistas e organizacionalistas e institucionalistas e movimentistas. Começou a análise institucional propriamente dita, porque em 1982 fizemos outro congresso em que convidamos os que haviam faltado ao primeiro, que eram Lourau, Mendell, Pavlovski etc. Então, com esses dois congressos completamos o panorama.
    Nessa época também começou a se fortalecer o grupo Tortura Nunca Mais, o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, a partir de São Paulo. E começaram a surgir figuras pró-prias aqui, com orientação combativa. Surgiu uma série de sociedades de grupo; por exemplo, as Clínicas Sociais de Catarina Kempler trabalhavam em grupo muito solidamente. Surgiram as sociedades de grupos do Rio de Janeiro.
    CRP - Como o senhor avalia o desenvolvimento da luta antimanicomial ao longo do tempo e a etapa em que o movimento se encontra hoje?
    Baremblitt - O que nós chamaríamos de Movimento Antimanicomial tem as seguintes inspirações: a psiquiatria democrática italiana, a psiquiatria comunitária inglesa, a antipsiquiatria, a psiquiatria libertária americana e, se podemos dizer, o institucionalismo, num sentido amplo, particularmente Foucault, Deleuze e Guattari.
    Esse negócio vai fazer 50 anos. Na minha opinião a proposta já deveria estar plenamente realizada em todos os países. Acontece que houve refluxos, que têm a ver com os interesses econômicos e políticos das corporações que participam nesse campo, mas também com o contexto macropolítico. Houve refluxo nos EUA. O mesmo aconteceu na Itália. A psiquiatria comunitária inglesa é fraca. A francesa também é fraca. Na Espanha está meio tecnologizada. Tem bons princípios, mas é mais tradicional. Na Suíça é como um templo de Brauer. E na Argentina houve uma forte regressão. É importante destacar também que apareceram outras tendências que têm seu lado progressista, mas que são bastante reacionárias em outro sentido.
    E depois apareceu o que eu chamo de terceira ou quarta onda em psicologia, que é essa quantidade de propostas. Desde que surgiu a psicologia experimental, para separar-se da filosofia, a filha do século passado, veio aquela grande revolução, como disse Politzer, de quatro tendências: o comportamentalismo, a reflexologia, a teoria da gestalt e a psicanálise. A partir disso começou um florescimento e proliferação. Até que chegamos a essa etapa em que o poliverso psi tem 500 extremos e isso vai se multiplicando ao infinito.
    O que acontece nessa evolução? Acredito que a tendência, mesmo que não exclusiva, é uma despolitização e o que Casttel chama de transformação da psicologia, ou da psicoterapia, ou da psicopatologia, em sistemas de potencial humano, de cultivo da convivencialidade. Não se nega que isso tem muitos aspectos interessantes. Sobretudo técnicos. Porque eu acho que teoricamente são cada vez mais fracos. Mas tecnicamente têm sido muito inventivos. Mas são despolitizados ou são politizados no sentido de uma democracia e de um humanismo vago. Sem falar em algumas práticas chamadas alternativas, que são perigosíssimas. Porque são mágicas, místicas, bastante alienadas. A enorme maioria dessas tendências da terceira onda são grupalistas, mas num sentido inespecífico.
    CRP - O que motivou a ruptura do Grupo Plataforma com a Associação de Psicanálise da Argentina?
    Baremblitt - A ruptura foi o efeito da dissidência em muitos níveis diferentes. É importante destacar que esse foi o primeiro grupo, no mundo, que se separou de uma Associação Psicanalítica oficial, filiada à Internacional, devido a motivos políticos. Não estou me referindo a questões de política institucional, e sim de macropolítica. Era uma decisão muito transcendental, porque a Associação Psicanalítica da Argentina era a segunda do mundo. Quem entrava lá não saía nunca mais. Naquela época iniciava-se na Argentina a repressão pesada. A atitude do Plataforma perante essa repressão foi completamente diferente da atitude da instituição psicanalítica.
    Mas também havia uma diferença teórica. O Grupo Plataforma era predominantemente freudo-marxista e a Associação Psicanalítica era freudo-kleiniana. Havia também diferenças técnicas e quanto à vocação da aplicação da psicanálise a âmbitos sociais. A Associação Psicanalítica não era favorável a isso. Havia, ainda, diferenças quanto à política institucional de forma mais restrita, forma da pedagogia, custos da formação e maneira de seleção, maneira de promoção e conteúdos da formação, enfim havia uma grande discordância.
    O Grupo Plataforma funcionou muito tempo dentro da Associação Psicanalítica até que, em 1971, porque se agudizava um pouco o panorama político, saímos de lá. Depois disso, continuamos nossas atividades por mais um ano, quando o grupo se dissolveu, entre outras coisas, porque boa parte dos participantes já estava se exilando e outra parte foi morta.
    CRP - O senhor discorre, em vários dos seus trabalhos, sobre os grupos como estratégia de intervenção. Hoje, há várias tentativas de colocar os grupos como recurso técnico voltado para a maximização do atendimento, já que permitem atender a um maior número de pessoas de cada vez. Como o senhor avalia essa tendência?
    Baremblitt - Vamos avaliar um aspecto, porque todo esse panorama é muito complicado. De um lado, há uma ortodoxia psicanalítica de diversas origens, como o lacanismo, o kleinianismo etc., que são fanaticamente individualistas, contrários ao grupo e que afirmam que o grupo é um lugar de produzir enfermos, uma montagem do imaginário.
    E há um enorme número de tendências que são grupalistas, mas que fazem um uso muito discutível do grupo. Alguns fazem um uso irreprovável, com uma boa teorização. Mas outras fazem uso de forma pragmática e inspirada mais pelo poder multiplicador econômico do mecanismo, com fins mercadológicos. Mas não sabem nada de grupo e o fazem mal. E aí no meio há algumas organizações de orientação grupalista teoricamente primária, mas que, socialmente, são muito respeitáveis, como por exemplo os Alcoólicos Anônimos. É complicado. O grupo, por si, como dispositivo técnico não define nada. A não ser por oposição a esses que deliram com o individualismo.
    CRP - Mas, para o senhor, como deveria ser o grupo?
    Baremblitt - A minha trajetória pes- soal vai, desde o início, de uma concepção psicanalítica de grupo e passa por uma concepção psicossociológica do grupo, que fui mudando à medida que ia me formando. Primeiro eu era pichoniano, depois blegeriano, depois era meio althusseriano e acabei plenamente no institucionalismo, particularmente em Deleuze e Guattari.
    Entendo o grupo como um dispositivo produtivo-desejante e revolucionário dentro da linha de Deleuze e Guattari. Essa é a minha atual atitude. E cada vez mais eu penso o grupo como um dos recursos de intervenção institucional não desvinculada dos espaços sociais onde atuam. Sou cada vez menos a favor do grupo de consultório, embora não tenha nada contra. Mas me parece melhor trabalhá-los em seu estado natural.
    CRP - Há pouco tempo houve o episódio de um índio pataxó queimado vivo enquanto dormia em um ponto de ônibus em Brasília. Quando situações como essa acontecem a imprensa sempre busca explicações na psicologia. Como o senhor vê a expansão das práticas psi como instrumento de intervenção na realidade brasileira?
    Baremblitt - Eu tentaria dar um enfoque que não fosse habitual. Há pouco tempo uma menina da classe média argentina foi raptada. A imprensa armou um escândalo, o país inteiro mobilizou-se devido a esse rapto. Não podemos rejeitar essa reação popular, porque ela é eticamente correta. Mas o que significa uma reação dessas em um país em que se calcula que houve 5.000 crianças raptadas durante o regime militar? E durante muito tempo, na repressão, eram minorias que protestavam.
    Realmente a memória de países como a Argentina é paupérrima. O que significa o escândalo pelo rapto de uma menina de classe média, e como é que esse país não está parado, tratando de recapitular e reparar os danos anteriormente causados? Eu invoco isso, com uma estrutura, com uma lógica que se pode aplicar para o caso do índio.
    O Brasil é um país que eu amo, senão não estaria aqui. Mas é campeão mundial de muitas coisas terríveis. É quase o campeão mundial de distribuição injusta de renda, de distribuição injusta da terra, de acidentes de trânsito. Portanto, armar um escândalo em torno dessa expressão bárbara, de meninos da pequena burguesia de Brasília, só se justifica como um disparador para um amplo debate e reformulação da atuação interna. Agora, se isso vai ser utilizado para vender jornais.... é absurdo.
    CRP - Ou seja, o senhor acredita que, embora a condenação do grupo seja necessária, o caso não pode se encerrar aí.
    Baremblitt - Há o problema das interpretações psicológicas, cujo paradigma talvez seja de alguns psicanalistas. Começam a falar em pulsão de vida, pulsão de morte e não sei o que e com isso não chegamos a esclarecimento nenhum. Porque dizem que todo mundo é assim. E que em determinadas circunstâncias todo mundo pode cair nisso. Isso não aclara nada no que diz respeito a quais são as condições históricas, políticas, sociais e econômicas que são capazes de deflagrar fatos assim. Fatos que têm um peso terrível, porque um ser humano é um ser humano. Não interessa particularmente se é índio ou não.
    Mas, ao mesmo tempo, se isso é anedotizado e transformado em especulações acerca de uma suposta natureza humana, eterna, universal e invariável, não serve para nada. A não ser que seja utilizado como um analisador que permite compreender a situação complexa que é transdisciplinar, nacional e mundial. Que é a do capitalismo mundial integrado. Eu vou participar agora do Fórum Paralelo das Américas. Vamos tratar de entender o assassinato desse índio dentro de uma situação das Américas em que os índios são um dos tantos explorados, dominados, eliminados, mistificados. Mas 50% a 60% da população está na mesma situação. Então, ocupar-se disso? Claro, mas para quê?
    CRP - Na realidade, a partir do momento em que adentramos o modelo neoliberal, quanto mais se prioriza o mercado, a vida humana passa a ser banal. Mas aí é que fica a questão sobre o que a psicologia tem a dizer sobre isso.
    Baremblitt - A primeira coisa que a psicologia tem que fazer para que possa ser útil é falar da necessidade de uma “fala em coro” com outros estudiosos. Sozinha ela não pode dizer nada. E o que diz sozinha é ruim, porque é utilizado para hipertrofiar suas possibilidades e ignorar as outras e propor soluções assistenciais ou terapêuticas. Simplificar.
    CRP - O senhor está levantando uma questão que vem sendo muito discutida hoje, que é a da multidisciplinariedade, interdisciplinariedade ou transdisciplinariedade. Muitos dizem que com isso a psicologia vem perdendo seu objeto de estudo. O que o senhor pensa a respeito?
    Baremblitt - Há toda uma tendência mundial que pode ser interpretada de diversas maneiras e que fala de um novo paradigma. Cada um recebe a sua maneira. O holismo recebe a sua maneira, a esquizoanálise recebe a sua maneira e assim por diante. Mas a questão é que os objetos circunscritos, específicos e tradicionais, não podem mais ser objetos de conhecimento. A questão é que a relação sujeito-objeto está questionada e relativizada. Isso é um fato histórico irreversível. Então a psicologia ou a psicanálise estão perdendo seu objeto? Que elaborem o luto. Porque era um objeto imaginário. Foi um momento de uma metodologia analítica especificista que deu o que tinha para dar.
    Mas agora tem que ficar claro que a realidade vem toda junta e não por objetos e que essa leitura epistemológica de que cada disciplina tem seu objeto é indissoluvelmente separada do profissionalismo, no sentido de corporativismo. Cada um tem seu negócio, cada um tem seu terreno. Isso não funciona mais. Até porque todas as conquistas tecnológicas do nosso século, desde as viagens interplanetárias até a informática, a telemática, a robótica, tudo isso é feito em conjunto. Nenhum especialista consegue fazer isso por conta própria.
    CRP - Em alguns de seus textos teóricos, o senhor fala na construção de seu referencial e defende o ecletismo. Como ser eclético sem ser superficial, frágil teoricamente ou simplista?
    Baremblitt - Deleuze, em seu livro sobre Hume, “Empirismo e Subjetividade”, diz que o que esse autor fazia não era empirismo. Era empirismo superior. Minha proposta é uma paráfrase de Deleuze. O que proponho é um ecletismo superior. Se estudarmos bem a história da escola eclética em filosofia vemos que sua orientação era sumamente rigorosa. Porque ela se obrigava a conhecer uma grande quantidade de correntes filosóficas e tendências. Se autorizava a pegar de cada uma delas o que considerava como melhor, depois de analisar cuidadosamente o sistema do qual esse elemento fazia parte, e se permitia incorporá-lo a uma teoria que não era uma colcha de retalhos. Mas era uma nova invenção feita a partir desses elementos altamente selecionados, tomados de cada orientação. Era uma corrente dificílima de assumir, porque significava um compromisso teórico e uma abertura incondicional, mas crítica.
    Esse ecletismo superior é o que postulo, tanto para as teorias quanto para os procedimentos, as técnicas. Isso não quer dizer que eu não tenha uma na qual eu me sinta mais instalado. Mas eu me proponho a continuar estudando até o último dia da minha vida todas as teorias para ver o que posso tirar de cada uma delas com esse critério.
    Existem 500 psicologias, as invenções técnicas são interessantíssimas, geralmente com bases teóricas fraquíssimas. Mas o paradoxo é que os movimentos ou correntes com bases teóricas fraquíssimas têm uma inventividade técnica assombrosa. Então, por que não tomar emprestados os elementos técnicos, lidos a partir dos referenciais de uma teoria bem consolidada, para ter uma parafernália, um arsenal que permita atuar em qualquer situação? Não se trata de propor a idéia do psicólogo pé descalço. Embora não seja má idéia.
    Na minha opinião, o psicólogo tem que ser polivalente e servir para qualquer momento, qualquer situação, em grupo, em casal, em multidão, em organização, com uma plataforma teórica que tenha valores indiscutíveis contra a exploração, contra a dominação, contra a mistificação.
    CRP - E que rompa com a especialização?
    Baremblitt - Que rompa com a especificidade e com a profissionalidade sobretudo dentro de moldes exclusivistas. Se dividíssemos o número de psis em termos numéricos, o resultado seria não sei quantas divisões de exército. Sempre vivi sonhando e atuando no sentido de transformar o universo psi em um campo de militância, porque seu potencial transformador é imenso. Só que, como vocês bem sabem, as coisas estão sendo ensinadas de tal maneira que, em geral, têm um destino reprodutivo ou antiprodutivo.
    Os jovens psis não encontram trabalho nenhum pelas condições injustas de trabalho, mas também porque não se lhes ensina a produzir seu campo de trabalho. A inventar seu trabalho onde não há demanda habitual de seu serviço. Resultado: ou não trabalham, como acontece com uma enorme quantidade de profissionais, ou abrem um consultório e não trabalham também, ou trabalham pouco, ou fazem um trabalho com um vínculo empregatício que lhes força a obedecer incondicionalmente as condições patronais. Não se agrupam sindicalmente, como deviam, para defender seus direitos. E, no pior dos casos, se alienam em doutrinas ou práticas aristocratizantes, individualistas, reacionárias. Inclusive vemos, não com a freqüência que deveria, alguns fazendo uma política tipo Robin Hood, em que têm o consultório e trabalham em outras coisas em outros lados.
    Muito respeitável, têm que viver de algo. Há psicólogos ou psiquiatras que têm consultórios abertos, mas trabalham uma hora durante dia. Então, esse é um potencial imenso para ser explorado socialmente. Mas para isso tem que mudar o critério de formação, o critério de agrupação, o critério de prestação de serviço.
    Isso foi o que tentamos fazer no Centro de Docência e Investigação do trabalhador de saúde mental, no Grupo Plataforma, no Ibrapsi, foi o que tentamos fazer aqui no Instituto e é o que muitos outros tentam fazer: formar um trabalhador de saúde mental capaz de atuar de forma transdisciplinar e capaz de fazer uma leitura complexa, política, social, histórica e psíquica de sua prática. Isso significa uma mudança radical do sistema de formação que está em vigência e que está feito para formar especialistas e profissionais no sentido restrito da palavra profissional. Isso, inclusive, vai contra a tendência histórica que é o desaparecimento do profissional liberal em todo o mundo. E essa transformação passa pela sala de aula.
    Formar um agente para fazer o que em que panorama histórico? Para aceitá-lo, para adaptá-lo ou para revolucioná-lo, transformá-lo, criticá-lo? E isso precisa de um movimento ativo. Ninguém produz efeito só por exercitar uma prática psicológica. Não acredito que porque a gente faz consciente e inconsciente já cumpre um papel histórico. Tem que ver como define consciente, como define inconsciente e para quê.
    CRP - O senhor se referiu à multiplicidade de técnicas e à fragilidade teórica de algumas delas. Os psicólogos estão numa situação paradoxal. De um lado há uma ampliação dos campos e setores de ação do psicólogo e, de outro, há uma condição de trabalho e um nível de remuneração massacrantes. Nessa conjuntura, essas técnicas exercem uma atração muito grande. Um bom exemplo, além das práticas que seguem preceitos místicos ou mágicos, é a neurolingüística, que acena com a possibilidade de resultados rápidos, o que é muito atraente nesse contexto. O senhor poderia comentar essa realidade?
    Baremblitt - Em um dos livros básicos da esquizoanálise, “O Anti-Édipo”, há um relato de um cerimonial terapêutico, de uma tribo primitiva, os nhembu. Esse dispositivo trata de um sujeito que tinha um problema que nós chamaríamos de neurótico, ou psicótico, como um dente incisivo de uma avó que o estava prejudicando. Como é o cerimonial montado para “curá-lo”? Toda a comunidade se reúne, dialoga, participa, opina e critica, dirigida pelo cacique e pelo bruxo. Tem música, tem festa, tem drogas (da maneira ritual que é consumida por eles), tem competições esportivas. E o afetado acaba curado.
    De certo ponto de vista, veríamos isso como uma regressão em relação à racionalidade científica da modernidade. De outro ponto de vista é interessante ver que esse dispositivo primitivo transforma esse enfermo claramente num emergente comunitário e que tem uma dimensão biológica de seu problema, tem uma dimensão artística, tem uma dimensão cultural, tem uma dimensão mística, mágica. Mas se trata de tudo ao mesmo tempo, com a lógica que eles têm.
    Então, eu acho que essa proliferação atual de propostas não pode ser desqualificada de entrada. Temos que ver o que se pode tomar de cada uma delas para construir um dispositivo que recupere esse senso de totalidade provisória que tinha a cerimônia primitiva, de multi e transdeterminação e de polimorfismo técnico. Esse é o lado positivo dessa proliferação que fundamenta minha proposta de conhecer cada proposta.
    O problema é que cada uma dessas tendências, que tem sua leitura teórica em geral, específica e sua parafernália técnica, interpreta o mundo inteiro a partir de seu prisma. E exclui as outras. Então comete grossos erros, entre eles o reducionismo.
    Quanto à neurolingüística é, basicamente, uma concepção biologista do funcionamento humano. A partir dessa base, eles fazem alguns acréscimos filosóficos, semióticos e dizem que resolve tudo. Não deve ser assim. Mas também não deve carecer de valores e temos que conhecê-los. Quando alguém diz que a neurolingüística, em seus cerimoniais coletivos, é capaz de curar uma fobia severa em cinco minutos, eu só posso ter a esse respeito um benévolo ceticismo. Ceticismo sim, porque eu sei como se constitui uma fobia e o que custa curá-la. Mas ao mesmo tempo benévolo porque quero ver como é que faz. Não basta dizer, como diz Lévi Strauss, que isso é eficácia simbólica, uma neurose substitutiva. Eu quero ver o que eles fazem, o que pensam. E algo parecido acontece, por exemplo, com a linha de Maturana. É biologista, reducionista e extrapola a linha filosófica e ética etc., questões cujo ponto de partida é biológico. Eu teria mil críticas a fazer, mas tem que entender bem para separar o joio do trigo.
    Ou seja, temos que ser constantemente estudiosos, curiosos, pesquisadores, inventores e nômades. Porque, quando sentamos na cadeira e ficamos parados, já não avançamos mais.
    CRP - A pesquisa nesse campo exige densidade teórica. Mas o mundo vem sofrendo um empobrecimento teórico muito grande e, muitas vezes, quando se vai buscar a densidade por trás dessas práticas não se acha. O próprio Conselho abriu essa discussão, mas não conseguiu interlocutores.
    Baremblitt - Estou de acordo com essa crítica porque, quem quer legalidade e legitimação, autorização, tem que colaborar na tarefa de tornar esse saber inteligível, criticável. Caso contrário, temos que suspeitar. Também há casos em que a orientação é no sentido de que se trabalha no campo do indizível, do inefável e que não dá para trocar a respeito. Não importa, pelo menos que se preste para dialogar.
    CRP - A posição do CRP-06 em relação a essa questão é que qualquer cidadão pode praticar a técnica que lhe convém, desde que não parta do princípio que toda prática voltada para ajudar o ser humano é psicológica. Mas a questão é por que tais práticas, hoje, precisam se justificar pela via da ciência?
    Baremblitt - Esse é o grave problema do aspecto ético-jurídico e profissional. É muito delicado esse assunto. De um lado, não se pode abrir a prática autorizada e legalizada para todo mundo que acha que tem algo para fazer. Mas, por outro lado, se observarmos a evolução desse campo, tudo o que em algum momento foi alternativo, marginal, acabou sendo oficializado. Então a questão é de bom senso. É de criar um espaço onde isso possa ser socializado, trocado. Porque eu acho que uma das coisas que a ciência e a modernidade trouxeram e da qual não podemos prescindir é a socialização do conhecimento.
    CRP - Como o senhor pensa na atuação dos conselhos profissionais?
Baremblitt - Considero que são absolutamente necessários e que cumprem uma função ética, científica e profissional fundamental. Por outro lado, tenho uma convicção extraída de muitas idéias, das quais mencionarei apenas uma, que é a de Reich. Ele dizia que a única greve que se justifica é a geral. Eu acho que o mesmo critério de ecletismo superior que proponho aplicar às teorias e às técnicas tem que ser aplicado aos organismos de classe, profissionais etc. Eles têm que trabalhar conjuntamente e com um objetivo muito amplo, relacionado aos problemas essenciais que vive a sociedade em que atuam. Nenhum critério de especificidade e de profissionalidade justifica a alienação dos problemas da cidadania, dos problemas da vida humana. A atuação tem que ser sempre por grandes alianças. 

LIÇÕES DE BAREMBLITT: APONTAMENTOS DE UMA CONFERÊNCIA MAGISTRAL


Sábado. Uberaba.... Um vento frio e o céu azul, com seu acolhedror dos invernos uberabenses..
Começava o Curso de Especialização em Análise Institucional e Esquizoanálise. Da turma que se autonomeou ENTRE.
Professor Gregorio Baremblitt, com a voz entre o vento e azul, corpo firme de guerreiro destemido, que esquece as próprias dores, na alegria de algo ensinar, provocar, afetar... Ministrou uma aula inesquecível....
Aqui alguns apontamentos que consegui fazer entre o encanto e o vôo que suas palavras me disparavam, minuto a minuto.
Hei-los:
* " A obra de Deleuze-Guattari, segundo minha leitura e cada nela é livre para fazêlo sua própria leitura, é um novo paradigma. Esta teoria, muito peculiar, é a teoria de um sistema assistemático."
* " Um sistema amuitíssimo peculiar: um saber e um fazer... Uma rede difusa, um rizoma que é um caso de multiplicidade."
* " A multiplicidade é um conjunto de singularidades."
* " Natureza deste sistema , dos seus enementos, é n naturezas. Onde o comum é não ter nada em comum."
* " Podemos cahamar esta obra de esquizoanálise, ecopraxis, ecosofia, pragmática universal."
*" A esquizoanálise é uma filosofia, também, uma ciência, também, uma arte, também uma política, também
uma obra literária... e outros tambéns..."
* " Principalmente, não é fascista... Recordo aqui, Foucalt, que aformou que a esquizoanálise é um método para não ser fascista."
* " Esquizoanálise - é uma teoria de tudo que é excluído, marginal, intersticial, descentrado, anômalo, singular, de los alrededores, do indizível, imponderável...."
* ... uma proposta de análise: teoria, técnicas e métodos. Onde a realidade que resiste, é imanente a realteridade - que não tem forma, apenas intensidades, velocidades, lentidão e graus de potência."
* " A realteridade é diferença, transformação, não-permanência e variação contínua."
Muito mais foi dito... Nos afetamos, fomos afetados e saímos com o coração pulsando na pele...
Já era hora do sol se por, porém permanecemos iluminados e ilumninantes.
Porisso, a Baremblitt, nossa gratidão.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

POESIAS: DEVIR TERNURA

                                                                 LUA
                                                                        jorge bichuetti

Quantas vezes sonhei
com alguém ou com algo
que me amasse, assim,
feito carinho de anjo...
Com uma paixão
incondicional...

Chegou, você, me lambendo
e eu nem notei o amor;
depois, te vi me seguindo
e percebi teu ardor...
Eras um animal...

Na solidão, me afagas
e me ponho , logo, a brincar...
No caminho, nunca sinto o peso
desta besta rotina bossal...

És a ternura... o luar...
Uma Lua no meu coração...
Assim, se ando na Terra,
o Céu adormece em mim...

AMIGO
jorge bichuetti

Quanto choro e desepero-me,
surges, manso e terno,
e me enxugas as lágrimas
com palavras de ternura
com teu silêncio cúmplice
com tua presença serena,
erguendo-me com tua mão...

Quanto me alegro e me encanto,
apareces num instante
e  sustentas o meu canto
com sorrisos e carinhos
com o perfume da alegria
com cores para os meus sonhos,
florindo, assim, meu coração...

Na alegria e na tristeza, és
companhia, compreensão;
uma mão e um alento
que me parece, à luz do tempo,
que és em minha vida errante
a própria presença e Deus...

















DIÁRIO DE BORDO: CAMINHO E SONHOS


                                             CAMINHANDO....
                                                           JORGE BICHUETTI

Vivemos num tempo de confusão e perplexidades... Não sabemos, não vemos... mas nos sentimos, muitas vezes, perdidos.
A vida que já foi estrada com destino e sinalizações, é hoje, uma encrucilhada...
Para onde vamos?
Podemos mergulhar no oceano de ilusões do capitalismo, e seguir solitários, individualistas, competitivos e consumistas.
Somos felizes, assim?
Não vemos a vida , nem enxergamos o outro...
Não sentimos nossos desejos, nem conectamo-nos com a nossa singularidade.
Somos escravos. Da rotina, da expectativa alheia, da mídia... De idéias e ideais que não correspondem aos sonhos e anseios do nosso próprio coração.
Cinzentos, robotizados, alienados nos tornamos vulneráveis.
Somos uma sociedade de deprimidos, panicados e dependentes químicos, afirma Birman.
É hora de mudar... Acordar, sonhar e amar.
É necessário tomar as rédeas da vida e dirigí-la a espaço de alegria e paz, serenidade e amor.
Nunca como hoje necessitamos da ética espinoziana: bons encontros e paixões alegres.
Vida nova: com a ternura e simplicidade do sorriso matinal que emerge novo dia com a sinfonia dos passarinhos e leveza do orvalho, com o horizonte clareando-se numa apoteose de cores que revelam a beleza do que pode uma vida...
O  que pode um corpo?
Nosso corpo servil, adestrado e codificado pelos limites do modo de vida hegemônico nos acomoda num experiência de impossibilidades e impotências.
... Mas um corpo pode: amar, sorrir, brincar, sonhar, cantar, dançar, celebrar...
Um corpo pode saber, se o escutamos nos seus alvitres de desejos e sonhos.
Um corpo pode... viver e fazer viver... partilhar, encontrar e se encontrar.
Um corpo pode... voar com as as asas de uma utopia.
Um corpo pode, inclusive, não-poder... E arbitrar , por si mesmo, seus limites.
Nosso corpo não é nosso, o cedemos ao ideal coletivo de acumulação, poder-dominação, desejos introjetados do outro, e vida repetiva em busca da aprovação de uma medíocre normalidade.
Ecoa, então, a pergunta de Michel Foucault: O que estamos fazendo de nós mesmos?
Verifiquemos como gastamos o tempo, nossas prioridades, o que ocupa nosso cotidiano...
Ousemos reinventar nossas vidas.
Dominemos nosso tempo e o transformemos em possibilidades de realização do riso contido, do encontro adiado, do sonho olvidado, da carícia esquecida...
O céu estrelado numa noite de luar, lá fora, e, nós aqui dentro presos ao vício do quietude atormentada do corpo largado no sofá, sem forças e sem vontade; o entardecer dourando oinfinito, lá fora, e nós aqui dentro das horas alongadas do trabalho que nuca acaba em busca de mais que não usufruímos...
Ousemos amar... solidarizarmos com o outro que do nosso lado clama e pede mudo um gesto, ato, um encontro de carinho, gentileza, ternura e compaixão.
Ousemos sonhar... e deixemos noso corpo navegar nas ondas da esperança e alegres degustemos a vida , nela encontrando a potência da nossa singularidade... Nós com a multidão num devir alegria de quem rompeu o cinzento e se encantou com os sonhos...
os sonhos necessitam de pontes para que possam florrir os caminhos

quinta-feira, 27 de maio de 2010

ESPACIO UTOPIA ACTIVA - A LOS URUGUAYOS

                                                       A LOS URUGUAYOS



Compañeros y hermanos de sueños y caminata,
no podría escribirles sin manifestar con inmensa gratitud, mi cariño y mi ternura.
“ Sos un pueblo hermoso, mi pueblo,
tenés el valor de los valientes guerreros que sacan las trabas de la oscuridad,
sembrando siempre nuevos amaneceres”.
Si hubiera nacido ahí, tendría un gran orgullo de mi nación, pero no los envidio; pues creo en la unión de los pueblos latinoamericanos que aúnados lograrán éxitos en sus luchas por liberación y novedosos devenires.
Septiembre – 10, 11 y 12, habrá de ser un valioso momento de vida nueva, mientras el Congreso Internacional de esquizoanalisis y Esquizodrama, que se realizará en Uberaba, no es nada más que un encuentro de producciones insurgentes y la posibilidad de compartir el amor, como espacio libre de alegría y amistad, complicidad y unión solidaria.
Lo hemos pensado como una máquina rizomática de devenires que pueda generar, en todos, el deseo de desear, los sueños imposibles y, de igual, el coraje de luchar...
¿ Qué peleas nos mueven?
La lágrima de los hermanos que sufren y lastimados nos convocan a una nueva acción, un nuevo cuidado, de vínculo, corresponsabilización y encargo.
Antes institucionalizábamos las lágrimas y las heridas de nuestros pueblos.
Eran obligados a un existir estropeado, con lágrimas ahogadas, sollozos contenidos y heridas olvidadas.
Nosotros, actores del cuidado, no veíamos en sus dolores el analizador vivo de la injusticia, de la explotación, de la dominación y de la mistificación.
Éramos científicos y profesionales de la coerción, de la normatización y del silencio.
Hablábamos, no escuchábamos...
Entonces, garantizábamos el silencio con nuestras teorías de falta, identidad, culpa, regresión, punición...
El proceso de curación se daba con la acomodación sumisa, con la represión de los emergentes que denunciaban el mundo y su violencia, la normalidad y la uniformización del modo de vivir, el imperio de la vida gris.
Ahora, ya no deseamos una práctica manicomial, de adaptación pasiva al sistema.
Tenemos nuevos sueños...
Fuimos poseídos por una nueva ética.
Creemos en el derecho a la diferencia.
Pusimos colores en el gris de nuestra rutina y de nuestras prácticas.
Hallamos en Deleuze-Guattarri y Baremblitt una nueva inspiración para inventivas intervenciones libertarias.
Ya no somos los policías de la normalidad.
Otras palabras, otros sueños...
Singularidad, multiplicidad, devenir...
Subjetivación, espacios lisos, pasiones alegres...
Transversalidad, buenos encuentros, utopías activas...
Rizoma, voluntad de potencia, deseo...
Otras preguntas, otras acciones...
¿ Lo qué puede un cuerpo?
Lineas de fuga, realteridad...
Grupo-sujeto, dispositivos de liberación...
¿ Lo qué estamos haciendo de nosotros?
Producción de vida, acogimiento...
Insurgencias. Sueños vivos...
Así, vamos...
¡ Dale!
La esquizoanalisis y el esquizodrama cambiaron nuestra mirada y nuestras intervenciones.
Aunque, pese mucho intentar lo nuevo cuando se ve lo viejo aún dominante.
Sin embargo, ya somos muchos.
“ Somos todos desiertos, poblados de tribus, faunas y floras”. Deleuze
“ Militar é actuar”. Guattari
Con este ánimo de quien descubrió que se hace necesario aunar el arte de la guerra y la guerra del arte, vida y pasión, trabajo y militancia, que les invitamos:
“ Vengás todos... El Congreso vos espera”
Acá, el pueblo latinoamericano estará compartiendo los pasos de sus caminatas y las caminatas de sus sueños.
“ Vengás”.
Todos tenemos ahora una única Tierra: el suelo de nuestros corazones.
Todos poseemos el mismo sueño: liberación y alegría, solidariedad e insurgencia
               Abrazos revolucionarios
                                    Jorge Bichuetti


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

CONGRESSO DE ESQUIZOANÁLISE EM UBERABA

I° CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESQUIZOANÁLISE E ESQUIZODRAMA
IIº ENCONTRO LATINOAMERICANO DE ESQUIZOANÁLISE
IIº ENCONTRO DE ESQUIZODRAMA
               " POR UMA NOVA TERRA, POR UM POVO POR-VIR   "
UBERABA, 10, 11 E 12 DE SETEMBRO DE 2010
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* CRISE, SUBJETIVAÇÃO E DEVIR
* PRÁTICAS CLÍNICAS E SOCIAIS :DESINSTITUCINALIZAÇÃO, SINGULARIDADE E DEVIR
* ACOLHIMENTO E CUIDADO:  O DEVIR TERNURA NA POTÊNCIA DO NOVO
* REFORMA PSIQUIÁTRICA: DO CAOS À REALTERIDADE INSURGENTE DO OUTRO MUNDO POSSÍVEL

*ESQUIZODRAMA: A REATUALIZAÇÃO DA REALTERIDADE

*EDUCAÇÃO, TRABALHO E INVESTIGAÇAO:
 O ÉTICO E O ESTÉTICO,   TRANSVERSALIDADE E PRODUÇÃO DE VIDA
* GRUPOS, REDES E MOVIMENTOS SOCIAIS: A POTÊNCIA RIZOMÁTICA DE SE REINVENTAR A VIDA

" MILITAR É AGIR" FÉLIX GUATTARI

" SOMOS TODOS DESERTOS, POVOADOS DE TRIBOS, FAUNAS E FLORAS" GILLES DELEUZE

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ORGANIZADORES:
FUNDAÇÃO GREGORIO F BAREMBLITT DE MINAS GERAIS. - BH
FUNDAÇÃO GREGORIO F BAREMBLITT - UBERABA
UNIVERSIDAD POPULAR DE LAS MADRES DE PLAZA DE MAYO - BUENOS AIRES
APOIO: UNIUBE - PREFEITURA MUNICIPAL DE UBERABA - CASA DO FOLCLORE - CRP-MG
                                            ******************
PRESENÇAS CONFIRMADAS:
GREGORIO BAREMBLITT (BRASIL), GREGORIO KAZI ( ARGENTINA), ADRIANA MOLAS E MARIANA FOLLE ( URUGUAY), MARAGARETE AMORIN ( BRASIL), JORGE HELGUERRA( ARGEENTINA), PATRICIA AYER E CARMEN ALMADA ( BRASIL), ALFREDO MARTIN( ARGENTINA-BRASIL), ANA ISABEL CRESPO( PORTUGAL), ALFONSO LANS( URUGUAY),
JORGE BICHUETTI E FTIMA DE OLIVEIRA ( BRASIL)
JÁ ESTÃO EM PROCESSO DE CONFIRMAÇÃO NÚCLEO DA USP - RIBEIRÃO PRETO, CHAPECÓ, LONDRINA E ASSIS, MARINGÁ, TOCANTINS, RIO DE JANEIRO, MARTA ZAPA,
FRANCA, UBERLÂNDIA, FRUTAL E ARAXÁ.
 PREPARE!... VENHA!... VAMOS JUNTOS DESBRAVAR CAMINHOS, E INVENTAR PONTES....
... UM CONGRESSO-MÁQUINA.... UM PONTE PARA QUE NOSSA SONHOS POSSAM FLORIR O CHÃO...

MESTRES DO CAMINHO: ENTREVISTA COM FÉLIX GUATTARI - AS SUBJETIVAÇÕES SUBVERSIVAS

1.Podemos começar pelo mais atual: como você está vendo esse conflito no Oriente Médio?

- O tempo das opiniões definitivas acabou. Esses acontecimentos me inspiram sentimentos e pensamentos contraditórios. Evidentemente, devemos condenar o gangsterismo internacional de Saddam Hussein, que constitui uma violação flagrante dos direitos dos povos de dispor deles mesmos. Ao mesmo tempo, existe essa política inquietante dos Estados Unidos. É como se desde a queda do Muro de Berlim houvesse uma única superpotência, que se permite tudo: os EUA. Não é certamente assim que se resolverão os problemas econômicos do Terceiro Mundo. A crise iraquiana, que é o prolongamento da guerra Irã-Iraque, inscreve-se no que tem sido, nos últimos decênios, a política capitalista no Oriente Médio. Pode ser que com essa guerra nós entremos num período muito difícil das relações internacionais. Antes, os conflitos locais eram sempre sobrecodificados pelo conflito Leste-Oeste. Os conflitos do Vietnã, do Afeganistão, encontravam sempre seu limite, porque num certo momento atingiam um ponto a partir do qual poderia se desencadear uma guerra mundial. Atualmente este perigo é quase inexistente, de modo que uma guerra local praticamente é ilimitada. Iraque, Israel, podem empregar armas químicas ou atômicas, sem que nenhum constrangimento estrutural nas relações internacionais os interdite.

2.Qual é o outro lado dessa guerra que você chamou de conflito de subjetividade entre um modo capitalista e um modo árabe?
- Os países do Sul, denominação que prefiro a "Terceiro Mundo", estão sendo laminados pela subjetividade capitalista mass mediática. Todas as antigas estruturas sociais e subjetivas estão sendo destruídas, e estão sendo injetadas representações mentais, afetos e ideais de status importados dos países desenvolvidos. Há diferentes níveis de resistência a esses processos de laminação. Nos países do Oriente Médio, isso tornou a inquietante forma de um integrismo que não se pode considerar somente como a retomada de um arcaísmo muçulmano, mas também como uma reinvenção total desses elementos religiosos. Essa reinvenção pode ser comparada com a que Hitler fez de temas como povo, raça, sangue, mitos germânicos. Esses arcaísmos são, na realidade, formas de fascismo moderno, com tudo o que isso implica em termos de ameaça de desestabilização para a Europa - basta ver os efeitos subjetivos que já se fazem sentir, como, por exemplo, o fortalecimento de ideologias racistas, que, especialmente na França, tomaram um peso político considerável.

3.Dos anos 60 para cá, ao mesmo tempo que houve uma emergência do subjetivo na cena político-social, facilitada pelos mass media, aconteceu também um achatamento das pequenas diferenças individuais e grupais, uma invasão e uma simplificação das próprias subjetividades pelas esferas política, econômica etc. Quando você fala da laminação que a lógica de mercado impõe às diferenças, o que é que fica reprimido, capturado pelo mercado, ou por políticas fascistas, ao invés de libertado, como se anuncia?
- O problema se coloca aparentemente em termos de difusão sobre um mercado subjetivo agora planetário - de imagens, representações, enunciados etc. Toda a questão é saber como essas imagens e representações são consumidas - se tomadas somente numa relação de sugestão, que implica por parte dos consumidores uma espécie de passividade, ou se reapropriadas individual e coletivamente. Mas há um desafio aí, micropolítico, político, primordial, porque essa reapropriação não se dá necessariamente no sentido progressista. A força dos movimentos racista-reacionários, como a Frente Nacional, na França, ou o Pamiat, na Rússia, é que eles catalisam uma autonomia subjetiva, ao sair da consumação passiva da media. Há uma potência libidinal nesses movimentos reacionários. Nesse sentido, é que não dá para considerá-los movimentos totalitários, simplesmente. Essa característica é que lhes dá capacidade de ganhar terreno sobre os movimentos operários tradicionais. Então, de duas, uma: ou os movimentos progressistas, os movimentos de liberação contemporâneos perderão terreno - incapazes de apreender os novos dados da subjetivação coletiva -, ou adquirirão meios de fazer com que essa subjetivação se dê de maneira verdadeiramente progressista, desenvolvendo referências de liberação, criando novos espaços de liberdade, propondo novos horizontes à subjetivação, fora dos marcos tradicionais e conservadores, e, em particular, reinventando os modos de se fazer política, porque essa temática não é só ideológica e não seria suficiente que o PT, por exemplo, levantasse a bandeira da revolução molecular. É preciso que o PT comece a fazer a sua própria revolução molecular, a sua própria análise institucional - especialmente num terreno que me parece evidente, que é o do papel das mulheres na organização -, o que representa descentrar as preocupações políticas tradicionais.

4.O Brasil está marcado pelo estigma do novo. O lema do governo Quércia é Novo Tempo; o do governo Collor, Brasil Novo. Estas representações pressupõem a velhice e o fracasso do socialismo. Este excesso do uso do novo tenta apropriar-se do efeito Leste Europeu com uma intencionalidade neoliberal...
- Não conheço bem a realidade brasileira, mas me parece que o capitalismo foi capaz de integrar subjetivamente o planeta, sem conseguir fazê-lo do ponto de vista econômico. Quais são os únicos "sucessos" do capitalismo no Terceiro Mundo? As medalhas ganhas ao custo de uma exploração impressionante: Hong Kong, Formosa, Coréia do Sul, Cingapura etc. Mesmo onde havia possibilidades imensas, como no Oriente Médio, pode-se dizer que o balanço, levando em conta a vida de milhões de indivíduos, é totalmente negativo. Em relação aos países do Leste Europeu, é possível que com muita dificuldade a Alemanha Oriental se integre ao sistema. Pode ainda ocorrer a integração de parte da Tchecoslováquia ou da Hungria, uma integração parcial de certas áreas geopolíticas, mas na grande maioria dos casos os países do Leste e as Repúblicas Soviéticas correm o risco de cair num processo de terceiro-mundização. Então, o triunfo do capitalismo liberal, confesso que não o vejo muito bem, pois se for para transformar a periferia de Moscou em alguma coisa como o Bronx ou o Harlem, acho que a vitória é relativa.

5.Fale da idéia de liberdade e sua relação com o "fim do socialismo".
- Pessoalmente, não vejo inconveniente algum em que se termine com uma falsa representação do socialismo burocrático, um socialismo de Gulags - e mesmo de um socialismo tutelado, como esse de Cuba. Não é algo que nos force a tomar uma posição depressiva; é algo que libera o campo do possível: vai ser preciso reinventar alguma coisa que se chame socialismo ou tenha qualquer outro nome, não importa. Para isso, é preciso que os objetivos de luta sejam muito menos dogmáticos. Deve haver uma orientação para uma concepção pluralista de mercado e Estado, o que acarretará o fim de um certo dualismo mecanicista entre a função pública e a privada. Acho que existe toda uma invenção institucional que implica a autonomização das entidades sociais e culturais, não através do mito da autogestão absoluta, mas de articulações com diferentes mercados. Por exemplo, os empreendimentos educacionais ou psiquiátricos deveriam escapar dessa espécie de dilema diabólico, entre a tutela burocrática do Estado, que é quase esterilizante (pelo menos na França), e a captura pela área privada. Há todo um terceiro setor instituído, de economia social, experimentação coletiva, que as novas formações políticas deveriam sustentar - o que significaria, da parte delas, renunciar à associação com tendências corporativistas que existem no movimento operário e entre os funcionários. Um outro problema é o da redefinição das relações entre o trabalho e a atividade social. A informatização e a robotização da produção tendem a eliminar muitos postos de trabalho tradicionais. Com isso, criam-se novas perspectivas, como a de se incorporar o trabalho doméstico ao regime salarial. O último ponto é que as organizações políticas, elas mesmas devem se redefinir, redefinir o tipo de articulação que têm com seu campo pragmático. É por essa via que talvez haja a recomposição de um "socialismo". Mas essa via requer um enriquecimento, uma maior complexidade em relação aos organismos militantes tradicionais, existentes sob o centralismo democrático.

6.Está se falando de uma organização crescente no campo social, se é que compreendo o que você diz. Eu pergunto: o que será da dimensão do prazer, do divertimento? Será que isso pode ser organizado? Como é possível manter dimensões da vida que não sejam diretamente regidas por lógicas de estado ou mercado? Eu acho que a maior violência que uma lógica capitalista nos impõe, sem que percebamos, é este achatamento do tempo, que causa um desconforto, um descontentamento existencial que talvez possa explodir nessas demonstrações fascistas que você apontou. As pessoas não agüentam mais viver neste mundo tedioso, opressivo, e não conseguem localizar o descontentamento.
- Bom, se a finalidade das lutas sociais e das lutas de subjetivação sair de uma lógica estrita de correlação de forças para a apropriação de bens e a tomada do controle das formações de poder; se, em lugar disso, for dada outra finalidade à atividade social e à individual, de ressingularização da existência, mais no sentido do dissenso que do consenso, deve-se adotar uma lógica segundo a qual as coisas não são brancas ou pretas, sim ou não, mas compostas. Uma lógica que evoca o que Freud chama de processos primários. É esta a dimensão ético-política sobre a qual eu insisto tanto. Um exemplo que diverte é a reflexão que Merleau-Ponty fez em uma de suas aulas. Ele visitou uma escola de método Freinet, e uma criança lhe perguntou: "No ano que vem nós seremos obrigados a ser livres?". Não se pode obrigar os pedagogos e os professores a utilizar métodos revolucionários, não se pode obrigar os trabalhadores de saúde mental a se "converter" à psicoterapia institucional. É preciso existir um fator de autodeterminação. Não se pode regulamentar - seja o Collor, seja o PT, dá na mesma, não teria sentido.

7.Mas o que eu queria perguntar é se a via política é adequada para mudar comportamentos da via privada. Se isso não seria uma redução do privado ao público.
- Talvez haja uma micropolítica do privado e objetivos moleculares que trabalham o público. Há, provavelmente, um cruzamento, uma transversalidade entre o que você chama de a via do público, e a do privado, que faz com que, por exemplo, o problema da emancipação da condição feminina se coloque ao mesmo tempo numa micropolítica privada e também nas relações no plano público, restabelecendo sistemas de parentesco, redefinindo a distribuição de responsabilidades em todos os aspectos da vida social e individual.

8.Ainda se fala em "luta ideológica" em relação a essas coisas. É um processo lento, não?
- Muito lento quando se concebe a ideologia como uma modelização cognitiva procedente de um modo discursivo, pedagógico etc. No entanto, algumas vezes existem mutações ideológicas muito brutais, muito rápidas, como nos anos 60, ou como a que ocorre no Oriente Médio.

9.Você veio várias vezes ao Brasil e tem contato com o PT há dez anos. Que impressão você leva desta última viagem, e , mais especificamente, o que você achou do Hospital Anchieta, em Santos, um investimento concreto de uma administração petista na área psiquiátrica?
- No início eu me perguntava se o PT, sob influência desses componentes sectários, "grupusculares", dogmáticos, não se transformaria numa formação política tradicional. Eu me lembro, por exemplo, dos debates com a Katerina Koltai, com o Liszt Vieira, no começo dos anos 80, sobre drogas, onde todas essas dimensões da revolução molecular não podiam ter lugar dentro do PT. Com a expansão extraordinária do partido, tenho a impressão de que a situação evoluiu muito, e que estamos numa posição transitória: ou haverá uma situação em que, de um lado, existirão os militantes de campo e, de outro, os militantes de aparelho - e a meu ver, se isto acontecer, o PT terá o destino de uma organização tradicional e talvez perderá sua influência -; ou, ao contrário, o PT continuará a ser um laboratório social em grande escala e inventará um novo tipo de militância, um novo tipo de liderança. Neste caso, ele pode ter plenas condições de tomar o poder no Brasil, de ter uma importância considerável em toda a América Latina e mesmo no mundo inteiro... Porque não existem muitos laboratórios sociais hoje em dia tão ricos e progressistas quanto o PT. Quanto à segunda pergunta, com esse apoio da Prefeitura de Santos, que me parece precioso, vocês estão tendo uma experiência extraordinária no campo do que se poderia chamar de revolução psiquiátrica.

10.O que sobrou da Revolução Molecular? Parece que a grande recusa que os jovens prometeram fazer, nos anos 70, em relação à sociedade de consumo, não se concretizou.
- Eu acho que você interpretou essa temática num sentido unicamente progressista. Se você evocar os fenômenos da contracultura nos anos 60, verá bem a conjunção entre isso que eu chamo dos fenômenos da revolução molecular, isto é, das subjetivações emergentes, e das temáticas utópicas e progressistas. Mas são duas coisas independentes. A revolução molecular, eu repito, e parece que nunca repito o suficiente, se exprime também através de fenômenos conservadores, de reterritorialização, como o racismo crescente, a violência, a droga etc. Enfim, esses também são componentes da revolução molecular.

11. Mas por que então você usa o termo "revolução"?
- Porque são transformações sui generis, que implicam uma nova percepção do mundo, uma nova percepção da violência, uma nova relação com o corpo, uma nova relação com o tempo, que participam de uma revolução/produção: se você quiser, poderíamos dizer produção molecular. Se o termo "revolução" atrapalha, pode-se substitui-lo facilmente por produção subjetiva, ou por produções emergentes. Pois bem, essas problemáticas de produção da subjetividade ou revolução molecular foram sistematicamente afastadas e sufocadas pelos pensamentos capitalista e socialista - pelos pensamentos dominados, pela transcendência dos poderes de Estado.
Mas hoje isto explode de todos os lados, nos países do Leste Europeu, China, Oriente Médio, através de modalidades muito diferentes, com um avanço demográfico incrível, que faz com que centenas de milhões de jovens no planeta não encontrem seu lugar na sociedade dominante; isto explode com os problemas de racismo, com os problemas da condição feminina que continuam a se colocar. Então, eu não digo que isto vá caminhar num sentido progressista, mas que os movimentos progressistas devem se recentrar, para reformular sua ação sobre este tipo de problemática, pois, do contrário, eles farão a política dentro dos belos bairros do Rio e São Paulo, falarão na televisão, mas isso não terá a mínima relação com as realidades sociais, políticas e afetivas de um país como o Brasil.

12.Dentro do PT há algumas concepções, até dominantes, que entendem a micropolítica como oposição à macropolítica, e chamam o pensamento de Guattari, Deleuze e de Foucault de concepções minimalistas do poder...
- Por que eu me interessaria por um partido político como o PT? Eu sempre disse, sempre, sempre, que é primordial construir grandes máquinas de guerra social, máquinas capazes de ações centralizadas, de intervir sobre as relações de força etc. - porque sem isto a revolução molecular permanece somente molecular, escapa por todos os lados e não pode influir sobre as grandes relações sociais. O que provocou a explosão do conservadorismo em todos os países desenvolvidos nos anos 80 foi precisamente o fracasso da revolução molecular dos anos 60. A onda reacionária dos anos 80 foi fruto do fracasso da revolução molecular. Fracassou porque não se construiu novas máquinas sociais e a velha CGT, o velho PC, a velha social-democracia continuaram a capitalizar os movimentos sociais. Mas havia lugar para a invenção de um PT na França! Eu tentei intervir neste sentido, mas não tive sucesso.

13.Talvez seja o caso de perguntar qual a sua noção de progressismo.
- É isso, é a própria noção de progressismo que é preciso colocar em questão, este mito da dialética hegeliana, da dialética marxista. de pensar que quanto mais a história avança, mais as máquinas técnicas e científicas se desenvolvem, e que teremos um horizonte resplandecente diante de nós. Nós temos também um horizonte de fascismo planetário, um horizonte de explosão demográfica, de degradação total do planeta no plano ecológico, e esta é também a "finalidade da história". Tudo é possível neste plano, e daí o caráter completamente angustiante, dramático, da situação, mas também o seu caráter exaltante, porque as práticas sociais, a criatividade, a inventividade. em quaisquer domínios, colocam ao nosso alcance o futuro da humanidade, e também da biosfera, a sobrevivência do planeta etc.

14. As "lutas intestinas" no PT têm muito a ver com este "efeito Hegel" entre os militantes de esquerda, ou, por outro lado, com a concepção religiosa da militância. Qual a distinção entre uma prática democrática da igualdade e uma democracia da diferença?
- A questão das lutas intestinas se liga à problemática da alteridade. Não se trata de aceitar o outro em sua diferença e sim de desejar o outro em sua diferença, como escreve Emmanuel Levinas. As lutas intestinas são lutas capitalistas, de afirmação narcísica: "não quero saber o que o outro pensa, quero deter o saber absoluto, o que me confere poder". São neuroses da esquerda.

15.E o aspecto religioso dos conflitos?
- Um dos grandes sucessos do PT, a meu ver, foi o de ter sido capaz de capitalizar o que há de melhor na subjetividade religiosa - o aspecto da devoção, da abertura ao outro etc. - nas práticas sociais dos militantes católicos. Mas se trata de entender essa pertinência às ideologias religiosas como algo fora da esfera ideológica. Essas noções existenciais como ser mulher, ser artista, viver alguma relação de transcendência, não pedem julgamento da ordem de certo ou errado, quem tem razão etc. Pelo contrário, são vivências que implicam um reconhecimento do outro em suas diferenças existenciais. Isto é possível graças à abertura de espírito, à rica sensibilidade de um personagem como Lula, que possibilitou a coexistência de militantes marxistas dogmáticos com militantes católicos. Isto, porém, tem um aspecto negativo: há uma religiosidade militante que pode ser sentida como intrusiva pela população, como se fosse coisa de novos padres. Para mim, isto é um problema de ecologia mental das organizações. O investimento militante totalizante empobrece as outras dimensões da vida. Viver fanaticamente a militância, não dormir etc.. empobrece a riqueza da vida - a existência não se resume à militância. Este tipo de modelação subjetiva também tem um sentido capitalista, um sentido religioso, reducionista. Para isso acho que o melhor remédio é o humor, misturado à ternura. Outro aspecto da aceitação das diferenças dentro do PT é o jogo que existe entre os rostos dos líderes. Veja estes dois, o Lula e o Suplicy, (e não é por acaso que os tomo como exemplo): são tão diferentes, e, no entanto, tanto em um como em outro se percebe imediatamente (no sentido da apreensão não-discursiva) uma enorme riqueza, uma enorme ambigüidade em suas posições existenciais. Não são formais, fabricados. Neles há uma inquietação, uma ternura... Deles emerge uma problemática pessoal, individual, de aspectos contraditórios. A imagem dos dois subverte a idéia de liderança típica da media - o tipo bon chic/bon genre -, e acho que foi isso que permitiu a expansão fulgurante do PT entre a opinião pública.

16.Nas eleições presidenciais, o PT enfrentou uma verdadeira guerra de mídia, principalmente no segundo turno. Para enfrentá-la, apropriou-se de certos clichés - "Rede Povo", por exemplo -, decompôs algumas unidades semióticas e utilizou outras consagradas. Qual a sua hipótese acerca desta práxis?
- O sucesso do Lula em 89 foi por ele ter mostrado que poderia ser como os outros, no sentido da capacidade de performance em relação à subjetividade dominante própria dos líderes. Evidentemente, a calúnia deve ter contribuído para a derrota, mas acho que ele perdeu precisamente porque não trabalhou suficientemente a sua singularidade; se ele tivesse marcado mais a diferença existencial específica,, talvez tivesse vacinado a opinião pública contra as calúnias. Mas ele fez demais o jogo das identificações subjetivas, e talvez por isso não tenha sido capaz de legitimar a tempo suas diferenças. Aí entra a necessidade de um grande trabalho de subversão da subjetividade mass mediática. Isto se pode fazer pela invenção de novas relações mediáticas, pela evolução das técnicas, pela reapropriação dos meios (como, por exemplo, o caso do vídeo TV Tantan, feito pelos pacientes do Hospital Anchieta), e também pela subversão da media existente, desfazendo as armadilhas mass mediáticas nos debates e nas emissões dos diversos partidos.

17.Para terminar: a maioria dos partidos políticos, incluindo o PT, propiciam a esperança. Spinoza disse que a esperança e o medo são paixões tristes-reativas, que uma não se entende sem a outra. O que você acha da esperança?
- É uma droga como o álcool, o cigarro... E sempre dá para fazer uma pirueta com a esperança.

ENTREVISTADORES: * Antônio Lancetti é analista institucional e um dos coordenadores do Programa de Saúde Mental da Prefeitura de Santos. Maria Rita Kehl é membro do Conselho de Redação de Teoria & Debate.