segunda-feira, 9 de maio de 2011

DIÁRIO DE BORDO: ESTA AVENTURA HUMANA

                                                         Jorge Bichuetti

Madrugada. E as estrelas no céu se parecem um formigueiro de brilho e encantado sideral. O orvalho na pele nos recorda o tempo de criança. No escuro, flores e árvores vivem seu devir floresta. Um silêncio profundo.
A lua sabendo que pode, sem explicações, retornar para o seu aconchego me acompanha cheia de indagação...
Não posso deixar de dizer que me estranha nos meus encantamentos e nas dúvidas... Para ela, uma flor é uma flor; uma estrela só uma estrela...
Com medo de uma internação compulsória, nota no seu olhar  uma dúvida: seria o meu pai um louco?
A acaricio, tranquilizando-a e me tranquilizando... Sou um homem...
Aí, a deixo dormindo e venho, rascunhar palavras para o vento as leve e me permita estar do seu lado...
E lhe pergunto, amigo: seremos loucos?
Afinal, a vida anda na corda bamba da loucura...
Nossa realidade social assusta. Quanta loucura!... Fome, miséria, discriminação, segregação, humilhação, exclusão... guerras, violências no cotidiano... Muita loucura!...
Contudo, nada somos definitivamente: capazes de se refazer , somos obra inacabada, projeto, um conjunto de tarefas...
Mas nem sempre vivemos fluindo nas correntezas do rio da auto-transformação. Repetimos e nos repetimos...
Então, não é de estranhar os olhinhos de espanto da minha pequena Lua...
Todavia, já dizia o velho passarinheiro Nietzsche, que o que é belo no homem é que somos um estar entre o animal e o além do homem.
Humanizar-se, assim, é transformar-se permanentemente rompendo as fronteiras da animalidade. Criar uma existência consciente  de busca do além... de um pouco mais: de ternura, solidariedade, carinho, compreensão e tolerância, alegria, compaixão, justa medida, cuidado e acolhimento, generosidade e bondade, conviviabilidade, amor... Podemos amar mais.. Amar mais o outro... Amar mais a nós mesmos... Amar mais a fauna e a flora... Amar mais a vida... Podemos tecer as linhas do nosso destino: indignarmos, rebelarmos, insurgirmos... Podemos...
Podemos dar sentido à nossa própria vida e dar sentido ao mundo...
Ir além -do-animal...
E continua Nietzsche, afirmando que ´o homem é um passar e um sucumbir...
Eis nossa humanidade.
Somos bichos, quase sempre na toca, na mesmice, longe do movimento: mas podemos passar. Podemos fluir, buscar novas experiências, novos horizontes, novas existências...
Temos medo de sucumbir.
A queda humaniza; não que faça aqui a apologia da derrota, denuncia-se a servidão que inibe a vida: somos filhotes da ditadura da vitória. E isso nos reprime na audácia de humanizarmos radicalmente.
Somente quem pode cair e levantar, prosseguindo, caminha...
Os ícones da vitória são estátuas de pedras. Vida humana é vida de paradoxos e nos paradoxos, a humanização da queda, do fracasso e da derrota...Feitos héroicos da vida que caminha...
Homem de travessias... Homem-Travessia... A vida é uma aventura entre o terror do risco e o apogeu do sonho...
Olhei, minha pequena, não lhe disse nada de Nietzsche, somente, cantei uma velha cantiga, dizendo: " eu perdi o meu medo , o meu da vida, vendo as pedras que morrem sozinhas no mesmo lugar."

6 comentários:

Tânia Marques disse...

Que belo texto! Seu Diário de Bordo está sempre a mexer comigo de alguma forma, inspirando-me a viver melhor, a entender que a nossa limitação é a limitação que o sistema nos impõe, podemos muito mais do que isso, podemos ser quem desejamos ser, roompendo as barreiras da subserviência, temos que produzir CSOs para sermos literalmente felizes. Temos que ultrajar territórios internos e externos. Temos que ser Jorges, Tânias, Martas, Conchas, Adilsons,etc. Beijos

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, me sinto assim: muitos perguntam como escrevo tanto; digo: como tantos me usam de escriba, já que tecemos um rizoma de vida e alegria, amizade eluta, poesia e utopia. Desterritorializar-se sem se perder no abismo: eis o grande tema.
Abraços com carinho, Jorge

CLARA disse...

Agora sim eu vivo perdendo o medo da chuva. Esta canção é linda e forte
Com carinho
clara

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

CLARA, A CHUVA NOS ALENTA SE A ENFRENTAMOS OLHANDO PARA FRENTE.
aBRAÇOS COM CARINHO, JORGE

Tânia Marques disse...

Raul Seixas, um revolucionário para sua época. Marcou sua presença no mundo deixando seus cantos proféticos para nós. Beijos

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, talvez tenha sido o primeiro revolucionário na minha vida. Com suas canções metamorfoseantes; abraços com carinho, Jorge