terça-feira, 10 de maio de 2011

SOCIEDADE DE AMIGOS: A VOZ DO RIO...

                      Rio de pessoas
                                   Víctor Melo - TO

É triste quando o rio seca, o leito não corre, as margens definham. Da fonte ainda brota água, nunca inútil, mas, por vezes, escondida no lençol, tímida, insistente. Continua a molhar em algum canto escuro, mas a terra fica seca, a grama morre, os bichos padecem. Do sol não se esperam os pontos espelhados, ele apenas escalda o oásis que sempre se está no longe. E a fonte fervilha caótica, não encontra a boca da terra pra lhe beijar suave e delicadamente. Não encontra sua vazão que nos é tão importante como o ar, esse mesmo que da água também se alimenta. Talvez esse destino pra fora, não seja, necessariamente, o da água. A ela, que não vive da importância que tem cá fora, talvez não importe por onde corra, por onde brinque.
Mas quando o rio é de pessoas, nós, que somos feitos de palavras e de pele, sempre espero que o veio chegue, mesmo que de vez em quando, à caneta, às mãos ou às bocas, que não fique muito tempo sem alcançar as folhas, as notas, as falas, os sexos pois, pode ser que um dia se perca num caminho desconhecido, inalcançavel, desembocante no centro da terra, na larva, na chama. Aí não haverá quem o chame, não escutará quem o grite, pois as palavras, essas mesmas que hoje o compõem, não serão mais de sua composição. Assim não me chamaria Victor, nem José, José, nem Maria, Maria. Isso falando apenas do menos importante, nossos nomes, os nomes de forma geral. Vivemos da importância deles, mas, importante mesmo é quando as letras se evadem no silêncio, no toque simples, no carinho singelo que também é palavra, intraduzível, entendível contudo; denso e caudaloso como o Tocantins, o Negro, o Nilo que têm rumo certo e perene, ao sol e à lua.
Que nos transbordemos todos, seja pelas palavras faladas, seja pelos toques em silêncio, seja pela cumplicidade gemida. Que a fonte de nossas águas, não se transvie a um canto inacessível, um canto que não reconheça a linguagem do abraço, do sexo e do aperto de mão, da arte. Que o rio de cada um, esse que temos em nossos músculos, em nossos estômagos, traduzível na palavra, no gesto, na música, encontre não somente suas margens, mas também seus afluentes, suas árvores, suas pedras, seus caminhos, expostos ao sol, próximos dos olhares amigos, dos olhares amados, das vozes vizinhas, dos gestos encarnados.
Que fales tu, que fale eu, que sorria ele, que abraceis vós, que cantem eles e que gozemos nós.

4 comentários:

Sumaia Debroi disse...

"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem."

Bertolt Brecht

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Sumaia, nosso brecht sempre fantástico: o texto do Victor é muito bom. Amei. Aliás, sempre me surprendo com vida e os encontros.
Amiga, sábado será multo bom.
Abraços com ternura, Jorge

Victor Melo disse...

Fantástica a frase de Bertolt Brecht. Valeu Sumaia. Valeu Jorge...viver.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Victor, seu texto é belíssimo e foi uma alegria tê-lo conosco; no caminho das utopias e lutas, seguiremos a vida. Abraços com carinho; Jorge