Jorge Bichuetti
A loucura é um terreno desconhecido. Areia movediça? Canto de quintal? Porão de preciosidades esquecidas? Ou uma terra de ninguém?...
Não possuímos o enlouquecer. Não conseguimos domesticar a loucura alheia, nem tornar deglutível a nossa própria loucura.
Todavia, vivemos num mundo enlouquecido.
Convivemos com uma fartura de dor que desqualifica a própria ordem dominante.
Relembramos Engels: os dominantes não guardam a possibilidade de viver longe das contradições que os alimentam na posição de usurpadores. Eles exploram e criam a miséria e depois sucumbem aflitos, vítimas da própria violência que criam...
Existem doentes e doenças... Mas existe vida e vida social.
O torturador e a tortura; o faminto e o acumulador... Vida... Vida contraditória.
Amor e carência afetiva; crise social e omissão... Uns enlouquecem.
Enlouque-se louco por não conseguir ser... estar... sonhar... realizar-se... e amar.
Mas ninguém enlouquece sozinho.
Enlouquecemos no mundo. Num mundo.
A psiquiatria tradicional centrou-se na doença, tal qual a medicina que deixou de ver o processo biológico como “modos de andar a vida” (Canguilhen).
Pichón-Riviere, perspicaz e revolucionário, já havia detectado na loucura um analisador da vida: o dito louco é um porta-voz, o elo forte, o depositário da loucura grupal que quando visto precisa ser negado e se torna o bode expiatório.
Deleuze-Guattari dissecou a loucura e nela percebeu o dilema entre o mundo das cópias, inerente à sociedade de controle, e o ser da diferença.
Ainda agora, neste instante, podemos observar a normalidade e suas idiossincrasias: guerra e desamor; enlouquecimento e mendicância.
O neoliberalismo normatizou o abandono social. E o Brasil comemora quinhentos anos de opressão com a razão tupiniquim enclausurada numa foto dos arquivos públicos.
O FMI cobra... E a dívida externa recoloca no painel político a realidade dantesca de um povo heróico à deriva de uma lógica colonialista.
A corrupção e a violência institucional falam do cotidiano...
Os loucos? Eles se lamentam: somos um barco sem leme.
“Navegar é preciso”. “Viver é perigoso”...
Diante destes dilemas, ousemos escutar a Rosa, Rosa de Luxemburgo, na sua loucura transformadora e com ela delirar (ou quem sabe profetizar); dizendo: - Socialismo ou Barbárie.
2 comentários:
Bebo sozinha ao luar
Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou a única a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à lua:
com ela e a minha sombra, já somos três pessoas.
Mas a lua não bebe, e a minha sombra imita o que faço.
A sombra e a lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a lua vacila.
Quando danço, a minha sombra se agita em redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
Depois, cada um vai para a sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
nossos encontros são na Via Láctea...
(Li Po poeta chinês)
O poeta chinês Li Po é considerado um dos dois maiores da história literária chinesa. Era muito conhecido por ser um bebedor inveterado e sabe-se que escreveu muitos de seus grandes poemas enquanto estava bêbado. E "bebaço" estava à noite em que caiu de seu barco se afogou no rio Yangt-ze ao tentar abraçar o reflexo da lua na água.
Clara, obrigado, por tão sensível e crua realidade, um bêbado e sua igreja, ele e sua solidão... abraços jorge
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