Leonardo Boff
Nenhuma sociedade no passado ou no presente vive sem uma ética. Como seres sociais, precisamos elaborar certos consensos, coibir certas ações e criar projetos coletivos que dão sentido e rumo à história. Hoje, devido ao fato da globalização, constata-se o encontro de muitos projetos éticos nem todos compatíveis entre si. Face à nova era da humanidade, agora mundializada, sente-se a urgência de um patamar ético mínimo que possa ganhar o consentimento de todos e assim viabilizar a convivência dos povos. Vejamos, suscitamente, como na história se formularam as éticas.
Uma permanente fonte de ética são as religiões. Estas animam valores, ditam comportamentos e dão significado à vida de grande parte da humanidade que, a despeito do processo de secularização, se rege pela cosmovisão religiosa. Como as religiões são muitas e diferentes, variam também as normas éticas. Dificilmente se pode fundar um consenso ético, baseado somente no fator religioso. Qual religião tomar como referência? A ética fundada na religião possui, entretanto, um valor inestimável por referi-la a um último fundamento que é o Absoluto.
A segunda fonte é a razão. Foi mérito dos filósofos gregos terem construído uma arquitetônica ética fundada em algo universal, exatamente na razão, presente em todos os seres humanos. As normas que regem a vida pessoal chamaram de ética e as que presidem a vida social chamaram de politica. Por isso, para eles, politica é sempre ética. Não existe, como entre nós, politica sem ética.
Esta ética racional é irrenunciável mas não recobre toda a vida humana, pois existem outras dimensões que estão aquém da razão como a vida afetiva ou além como a estética e a experiência espiritual.
A terceira fonte é o desejo. Somos seres, por essência, desejantes. O desejo possui uma estrutura infinita. Não conhece limites e é indefinido por ser naturalmente difuso. Cabe ao ser humano dar-lhe forma. Na maneira de realizar, limitar e direcionar o desejo, surgem normas e valores. A ética do desejo se casa perfeitamente com a cultura moderna que surgiu do desejo de conquistar o mundo. Ela ganhou uma forma particular no capitalismo no seu afã de realizar todos os desejos. E o faz excitando de forma exacerbada todos os desejos. Pertence à felicidade, a realização de desejos mas, atualmente, sem freios e controles, pode pôr em risco a espécie e devastar o planeta. Precisamos incorporá-la em algo mais fundamental.
A quarta fonte é o cuidado, fundado na razão sensível e na sua expressão racional, a responsabilidade. O cuidado está ligado essencialmente à vida, pois esta, sem o cuidado, não persiste. Dai haver uma tradição filosófica que nos vem da antiguidade (a fábula-mito 220 de Higino) que define o ser humano como essencialmente um ser de cuidado. A ética do cuidado protege, potencia, preserva, cura e previne. Por sua natureza não é agressiva e quando intervem na realidade o faz tomando em consideração as consequências benéficas ou maléficas da intervenção. Vale dizer, se responsabiliza por todas as ações humanas. Cuidado e responsabilidade andam sempre juntos.
Essaa ética é hoje imperativa. O planeta, a natureza, a humanidade, os povos, o mundo da vida (Lebenswelt) estão demandando cuidado e responsabilidade. Se não transformarmos estas atitudes em valores normativos dificilmente evitaremos catástrofes em todos os níveis. Os problemas do aquecimento global e o complexo das varias crises, só serão equacionados no espírito de uma ética do cuidado e da responsabilidade coletiva. É a ética da nova era.
A ética do cuidado não invalida as demais éticas mas as obriga a servir à causa maior que é a salvaguarda da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável.
A MÃO NO ARADO
Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! Como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
Vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
Até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
E haver árvores ao fim da rua
É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela
morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
E não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com
que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente
4 comentários:
Ética está mais para como se respeita e aceita a decisão do outro com íntegra e possibilidade; sem agressões e torturas psicológicas.
As religiões deixaram a ética de lado e praticam mais a moralidade. São extremamente moralistas e tratam com desrespeito o diferente.
No cuidado encontraremos formas de libertar a nós mesmos, deixando livre os caminhos que o outro que tanto queremos perto siga sem amarras moralistas.
Quem aqui nesse mundo não gosta de um abraço ou de um carinho na nuca e nos cabelos? Não conheço mamífero assim... Que não goste do amor.
Michel, as éticas se reduziram ao mundo das repressões, conformando uma subjetividade capitalista- submissa e servil...
Necessitamos das novas éticas: libertárias... que falem de amor e compaixão, dos bons encontros e das paixões alegres, de cidadania e solidariedade, de vida e liberdade...
Assim, vamos mudando...
Abraços, Jorge
Sin, meu caro amigo e Mestre.
Mas para isso precisaremos de uma força além desse enquadramento que nos impeça de cumprimentar uma pessoa próxima; fornecer-lhe memórias de paixões alegres e libertadoras!
Forte abraço!
Sim, Michel, necessitamos de um dispositivo, uma máquina de guerra de fazer viver e de atiçar o fogo da alegria e os ventos da alteridade...
Um+um é sempre um entre e muitos es... uma multidão... E esta multidão se apoia numa nova ética e numa nova estética, vai se produzindo uma sociedade de amigos, um rizoma de afirmação da vida.
abraços, Jorge
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