Jorge Bichuetti
Uma multidão de pardais espantaram meu sonho e levaram para, junto da roseira com seus cachos perfumados e, eu, embriagado com a suavidade do alvorecer, me vi, logo cedo, sondando a minha relação com a humanidade.
A pequena Lua, dengosa e terna, porém, demasiada dada à sua preguiça matinal, acariciou-me e voltou ao mundo dos sonhos.
De uma outra maneira, nunca, também, abandono o mundo dos sonhos...
sonho com um modo de existir onde possa experenciar minhas relações com o outro e com a vida, sob o signo da suavidade.
Nietzsche disse no Ecce Homo: "Não sou um homem, sou uma dinamite."
Disruptivo, intempestivo... Lega-nos uma obra que nos humaniza, sem, contudo, ou, justamente para isso,desfrutar da companhia dos outros na sua caminhada... O velho passarinheiro era extremamente solitário.
Para mim, uma grande generosidade...
No trabalho de desvendar o mundo e a humanidade, devém-se dinamite... Explode as hipocrisias e os mitos, as ilusões e os podres poderes... Daí, emerge o super-homem e vontade de potência... Dos véus que ele rasga, ao preço de uma profunda e amarga solidão.
Seria o outro, como pensou Sartre, o nosso inferno?
Há mergulho na própria intimidade, no si mesmo, sem o outro?
O outro compõe nossa vida. Se a ele nos vinculamos pela servidão é o nosso inferno... Se o subordinamos à nossa dominação, é nosso inferno virtual, pois, o próprio Nietzsche admitia que os acorrentados acumulam forças para a sua própria e necessária libertação.
Quando refletimos e lemos com mais atenção os próprios individualistas eram coletivistas...
Nietzsche se afirmava um bufão... O bufão só se realiza no coletivo.
Freud, no Psicologia das massas e análise do ego, chega à assertiva de que tudo é social.
Negam, ambos, cada um à sua maneira e movido por distintas motivações, a submersão do indivíduo no socius que o marca e é marcado por ele.
Como, então estar com o outro sem se perder? ..sem perder a si próprio...
Necessitamos transversalizar nossas relações.
A transversalidade é o grau máximo de convivência coletiva, onde o coletivo não oprime nem suprime a singularidade dos seus membros... Uma democracia radical nas relações com espaço de expressão e de diversidade. Con-vivência e partilha sem centralidade ou hierarquia; ou ainda, uniformização.
( O sonho com flores e pardais sem excluir minha paixão pela Lua e pelo luar.)
Começamos a vislumbrar um espaço de suavidade na vida e pela vida.
o outro não pode, para que não inviabilizemos esta liberdade na con-vivência e partilha ser mitificado.
Ele é o outro... Não é o principio, nem o meio, muito menos o fim da nossa caminhada...
Se o mitificamos, necessariamente,iremos oprimí-lo ou ser por ele oprimido.
todos podemos se afirmativos, ativos e não reativos. O que significa dizer que com o outro teremos momentos de convergência ou de divergência... Sem santificar uma e diabolizar a outra, vendo-as como processos de luta e de parceria, se sobrecodificações que anulem as potências de jogar o jogo da vida.
Podemos ver o outro com amor, compaixão, ternura, generosidade, justiça, serenidade e carinho...
Podemos construir vínculos de acolhimento e cuidado, de solidariedade direitos humanos...
Podemos con-viver e partilhar numa dinâmica de cidadania plena.
A cultura de culpa e ressentimento é que reforça uma moral repressiva, e inibe a invenção de uma ética libertária para todos.
Endeusamos nossos amigos, mesmo quando ferem e violentam a sustentação da própria vida.
Diabolizamos nossos inimigos, mesmo quando são baluartes amigos da liberdade da vida.
Este individualismo é nefasto e pernicioso...
Como é nefasto e pernicioso, fazer o mesmo em nome do encontro com outro.
Aqui, penso enriquecedor, deixar as palavras finais destas anotações, com Clarisse Lispector ,no "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres":
- Não era à toa que ela entendia os que buscavam caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais falar em caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado da prece ela sentia. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salva e pensaria: eis o meu ponto de chegada.
Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar no mundo."
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
Jorge querido, bom dia. Há de se considerar que há momentos que o corpo não suporta o burburinho. O CsO precisa de silêncio nesses momentos. O silêncio e a solidão não são atos individualistas necessariamente. Há multidões que nos habitam nesse processo. E a gente lida com a gente e com o outro o tempo todo na solidão e no silêncio.
Beijo
Vai aí uma bonita música:
M
O Silêncio
Arnaldo Antunes
Composição: Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes
antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor
Marta, como compreendo-a... às vezes, temos que nos afastar e buscar alguma quietude para ouvir as vozes do silêncio... Calar as multidõesq ue nos povoam e que povoam os entres dos nossos encontros... O CsO é um plano da vida que um burburinho, ecoa como um vozerio ensurdecedor...
Lhe adoro e lhe admiro, e a respeito na suas lutas e sonhos. Carinhosamente, Jorge.
Ps. fiz uma poeia para você....
saiu segunda, mas, ddeixe p'ra vê-la quando estiver já com conexões sonoras mais soltas, porque o sentimento é puro, mas a poesia não ficou tão bela como eu gostaria.
Ei Jorge. E vc pensa que eu não lí o poema que fez pra mim? Adoro seus poemas, mas não gostei desse. Parece que tem um forma nele. E afora isso, tenho uma bronca que me chame de guerreira tão e qual quando me chamam de fraca. Desculpe-me. Sinceridade. Fundamental nesse caso. Mas não me importo nenhum pouco com isso, pois realmente deliro com sua poesia. Isso é o que importa. Vc deveria publicar em livros. Ás vezes quero achar um poema que li tempos atrás no seu blog e não acho!!!!
beijo Jorge, tô hiper sonada
Marta, nunca neguei isto na minha vida, tanto que resgatei o Nietzsche do Humano demasiado humano... Minhas fraquezas me comõem tanto como minha ousadia e coragem... Adoro O Poema em linha reta do Pessoa..
Quando chamo você de guerreira nomeia a lutadora com sua caminhada de valentia e medos, ousadia e queas: é doce e humano.Abraços, Joorge
Eu sei Jorge de tudo isso. Guerreiros são nobres. Mas eu não gosto pra mim. Me sinto colocada numa moldura. Queria que vc me visse mais inteira. Mas queria, não quero mais. Tanto faz, deixa rolar, não esquenta. O amor não é menor por isso. Nem a amizade. E muito menos a sua poesia que eu gosto tanto.
beijo
Marta
MARTA , JURO QUE ENTENDO-A. NÃO A NOMEAREI, ASSIM... LUTEMOS JUNTOS.... HUMANOS REBELDES E INDIGNADOS; NA POTÊNCIA DOS SONHOS E UTOPIAS, NÔMADES.. bEIJOS DE IMENSO CARINHO, JORGE
Postar um comentário