Seres de luz
Leonardo Boff
A luz constitui um dos maiores mistérios do universo. Somente
entendendo-a ao mesmo tempo como partícula material e como onda
energética podemos ter uma compreensão mais ou menos adequada dela. Hoje
sabemos que todos os seres vivos emitem luz, biofotons, a partir das
células da DNA. Por isso todos irradiam certa aura.
Não é sem razão que a luz e o sol se tornaram símbolos poderosos de tudo
o que é positivo e vital. Especialmente o sol irradiante é visto como o
grande arquétipo do herói e do lutador que vence as trevas com os
monstros que nelas eventualmente se escondem. Sua aparição a cada manhã
não é uma repetição, mas toda vez uma novidade, pois é sempre diferente.
É um teatro cósmico que começa
da cappo, como se Deus
dissesse ao sol a cada manhã:“Vamos, tente mais uma vez! Renove teu
nascimento! Irradie tua luz em todas as direções e sobre todos”.
Na maioria dos povos havia o temor de que o sol talvez pudesse ser
tragado pelas trevas e não voltasse mais a nascer e a iluminar a Terra e
a cada um de nós. Criaram-se rituais e festas que celebravam a vitória
do Sol sobre as trevas. Assim, havia a festa romana do Sol Invictus,
do “Sol Invencível”. Posteriormente, deu origem ao Natal cristão, a
festa do nascimento do Deus encarnado , chamado de “o Sol da Justiça”.
As festas juninas com suas fogueiras têm por detrás a experiência do
sol, pois se inaugura o solstício de inverno.
Fazia-se e faz-se ainda hoje a impressionante experiência de que o Sol
com seus raios de luz, nasce como uma criança. Na medida em que sobe no
firmamento, vai crescendo como um adolescente até chegar à idade adulta
ao meio-dia. Pela tarde vai definhando até ficar velho e morrer atrás da
linha do horizonte. Mas, passada a noite, ele volta a nascer, limpo,
brilhante, sorridente como uma criança. Como não celebrá-lo
festivamente? Como não entendê-lo como sinal da Realidade originadora de
todas as coisas?
De fato, ele é uma imagem poderosa de Deus como o cantou São Francisco
em seu “Cântico ao Irmão Sol”. Nenhuma metáfora da divindade é mais
poderosa que a da luz e a do Sol. A própria experiência da luz fez
surgir a palavra Deus. Ela deriva de di em sânscrito que signfica brilhar e iluminar. De di
veio “dia” e “Deus”, como expressão de uma experiência de luz e de
iluminação. Como diz São João: ”Deus é luz” (1Jo 1,5). “Ele habita”, no
dizer de São Paulo “numa luz inacessível”(1Tim 6,16). Jesus se
auto-apresenta como luz: “Eu, a luz, vim ao mundo para que todo aquele
que crê não ande nas trevas”(Jo 12,46) O Verbo encarnado é “vida e luz
dos homens”, “luz verdadeira que ilumina todo o ser humano que vem a
este mundo”(Jo 1.4.9). Por isso é com razão apresentado como “a luz do
mundo”(Jo 9,5). Os que aderem a Cristo como luz devem viver “como filhos
da luz”(Ef 5,8). E “os frutos da luz é tudo o que é bom, justo e
verdadeiro”(Ef 5,9). Mais ainda. Cada seguidor deve ser também “luz do
mundo”(Mt 5,14).
Como reza tão bem a liturgia dos funerais:”Que as almas do fiéis
defuntos não tombem nas trevas, mas que o arcanjo São Miguel, as
introduza na luz santa. Faça brilhar sobre eles a luz perpétua”.
Nós todos somos seres de luz. Fomos formados originalmente no coração
das grandes estrelas vermelhas, há bilhões de anos. Carregamos luz
dentro de nós, no corpo, no coração e na mente. Especialmente a luz da
mente nos permite compreender os processos da natureza e penetrar no
íntimo das pessoas até no mistério luminoso de Deus.
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