A performace e os afetos
jorge bichuetti
Diz-se do terapeuta um ser comedido, asséptico, de emoções ocultadas... De terno cinza... Discreto, distante.
Esta visão revela um modo de trabalhar: o terapeuta - espelho, ser da transferência. Neutro e passivo. Um detetive discreto, um tradutor desalmado. Ele deve decifrar o conteúdo e codificar, interpretar explicando psicodinamicamente o que ocorre com o outro.
A clínica de psicóticos revolucionou a própria clínica como um todo.O mesmo se pode dizer da recuperação de Spinosa e Nietzche efetuada por Deleuze.
A clínica freudiana tem a potência de desvelar o inconsciente, e a limitação de ver a atuação do terapeuta impregnada do ideário positivista: a neutralidade, a explicação causal e a redução mecanicista.
O inconsciente de Freud vai se tornando um teatro, com script universal: é reprodutor e identificatório, e familialista- edípico. É nuclear... Bestial e perigoso.
O inconsciente, para Deleuze, é uma maquinária desejante e produtiva. Rizomático. Criativo e inventivo.
Quando este então se faz repetição, ritornelo cristalizado, ele não o é , está capturado, bloqueado, atravessado por registros incorporados, por limites estranhos à sua natureza de se mover produtivamente.
Tem- se, também, canonizado a idéia de que o inconsciente fala, escondendo-se e se revelando enigmaticamente, por metáforas, ao analista que se construiu enquanto um ser espelho- escuta, um detetive- tradutor.Guattari diz: ''a única maneira de ''percurtir'' o inconsciente, de fazê-lo sair de sua rotina, é dando ao desejo o meio de se exprimir no campo social.''
Assim , o processo terapêutico precisa de ser sempre, para além do setting clássico, um encontro, uma relação que se processa entre sujeitos, sujeitos reais de um campo social, vivo e real.
Percurtir o inconsciente é agenciar, enunciar mobilizando, provocando a possibilidade do desejo se exprimir e da rotina quebrada abrir espaço para o devir. O singular, a diferença.
O psicótico exigiu do terapeuta: abandonar o cinza, romper o silêncio e se situar na posição de quem se realiza, trabalhando como agente da vida.
O terapeuta se vê obrigado a vivenciar uma transmutação.
E a terapia obrigada a aprender com as ricas experiências da arte performática.
A performace é pobre quando se pretende investigador- detetive, porém eficiente e rica se trata de afetar e ser afetado. De se descobrir conjuntamente vontade de potência e posição de desejo.
Antes, via-se o homem e este investia predominante sua energia libidinal no teatro do inconsciente nuclear, moldado, que funciona como um teatro de representações simbólicas.
Agora, nota-se uma mudança: investe-se no campo das percepções, do sensível.
E o homem é um ser de experimentos, ser do devir...
A potência terapêutica de uma intervenção performática é complexa. Ela cria campo social vital e vitalizante, expõe espaço de criação e desnuda os personagens, ambos pessoas da lógica do demasiadamente humano.
Reagimos. Somos afetados...
... Mas não somos afetados apenas pelo que nos toca o racional.
O amanhecer, com seus raios de luz e a cantoria dos pássaros afeta- nos, dispara a sede do recomeço. É a força de uma performace da natureza.
A mesma natureza, melancoliza, na sua performace do entardecer: o escurecer, os sinos, o silêncio e distante uma Ave- Maria. É a hora da reflexão, do voltar para dentro, do repensar...
Numa praia: o sol, o nu, o burburinho provoca sensualidade... Num campo, o cheiro do mato, os bichos, a imensidão nos afeta e sem que percebamos nos notamos num devir-serenidade...
Não se trata de efeitos universais.Reagimos diferentemente. Pois existe nossos eus também presente no entre do encontro.
Fala-se aqui de efeitos diversos. E do uso deste conhecimento potencializando o agir terapêutico.
Betânia recitando Pessoa; Reginaldo Rossi ridicularizando a dor do corno; Lula discursando sobre misérias da classe operária.
O rebolado de Carmem Miranda; Secos e Molhados; Nei Matogrosso e das passistas...A voz de Jamelão e o murmúrio do solfejo de um piano não produzem o mesmo efeito, mesmo quando interpretam a mesma canção.
O grito de gol, só, nós e a TV, é diametralmente distinto da emoção de se comemorar a rede balançando junto da Fiel, com o Corinthians campeão.
Estes exemplos explicam um pouco do que se passa no se deparar com a arte performática.
Poder explorar estas observações e usá- las na terapia é potencializar, intensificar o processo, a riqueza do encontro.
E é igualmente conferir suavidade, ternura... Cumplicidade... O jocoso e o belo... É retirar a terapia do seu enquadre funerário, um misto de sala de espera de um CTI e uma missa de sétimo dia.
A terapia - encontro, encontro humano, mas com o humano se descobrindo criativo, experimento... Um andar pelas vielas do infinito.
Talvez, daí nos venha um sublime, delirante insight que o cosmos, com suas constelações, lua cheia e orquídeas, sabiás e cachoeiras seja apenas uma apoteótica performace de Deus.
2 comentários:
Pela performace na vida!!Somos terapeutas experimentados e experimentantes de nós mesmos, nesta busca pela natureza, simples, suave e sincera, pelo corpo adormecido pelos padrões incovenientes das moscas das praças públicas, como nos lembra bem Nietzsche; lembremos de nós, não de mim, pra quê lembrar-se de mim?...voltemos a ocupação dos espaços públicos. Nossa vida é pública, todos podem ler, experimentá-la, emprestamos nosso corpo à vida...blog: beleza, linguagem, opinião e gentileza. obrigado amigo!!!!!!
Experimentemos!... Ousemos inovar, ousemos mudar a vida e transformar o mundo.
A racionalidade lógica - técnica e intrumental - é finalidade, produtividade e normatização.
Existem palavras que libertam, ma spara isso temos que desinformá-las dos seus moldes.
Já arte e performace-vida-arte-encantamento atua diretamente no campo dos agenciamentos corporais das afetações.
Sedução? sede de ação...
Relações ativas de potencialização dos bons encontros e das paixões alegres,se algo faço , faço no entre das performaces de vida livre e criativa que encontro nos amigos abraços jorge
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