domingo, 28 de fevereiro de 2010

POESIAS: ENTRE O SOL E AS CINZAS DE UMA RECORDAÇÃO

FIM DE TARDE
JORGE BICHUETTI


O crepúsculo ajunta os sonhos, cores
do espírito sensível e um disfarce
dionisíaco remonta a mesa, ardores
emergindo no afã de alegrar-se...

Um copo de cerveja.... Ri-se, amores...
Em quedas na ilusão aí se ressarci
o segredo. Nascendo bastidores
do jeitinho inocente da catarse.

Fim de tarde. festança de rotina...
Esquecer... o estafante, a dor-trabalho
desconhecer a ruína, a própria sina...

Desbravar na existência, novo atalho;
fugir, sim, do temor que desatina,
mas, enfim, refrescar-me ébrio de orvalho.

DEVIR ANIMAL

                                                                               JORGE BICHUETTI



O rosnado do gato incendiou no telhado
a magia do luar. Efeito efervescente
do amor, este ressoar de um eco demente,
faz o homem lembrar de querer-se amado...

Guardas no coração, ó, um bichano aninhado
e solene ele arde e espera indolente;
soletra uma canção num discurso miado.
Não chora, nem contém-se, ali, cioso sente...

O homem racional nega-se apetitoso,
sendo a velhice do corpo de um pobre moço,
não permite ser pura sensualidade.

Quem me dera amar, num devir animal,
tecendo no roçar: encontro germinal;
e no abrasar-me ser pleno de liberdade.

SE VIVER...

                                                                           jorge bichuetti



Se viver fosse tão somente amargar
o indigesto fel de uma cinzenta rotina;
talvez, as ondas se ocultassem no mar
e a praia tornar-se-ia apenas triste ruína.

Existir plenamente exige ter a sina
de num devir pardal perambular,
buscando numa estrela irradiante viajar...
O chão primaveril, então, canta e alucina

a vida atualizada entre a Utopia Ativa
e a miragem de um deus guerreando, alado,
no porvir que o hoje já encantado anuncia...

Se viver é sonhar... Sonhe... Sonhe, acordado;
pois se o infinito mora envolto, em qualquer dia,
a dor jaz na alma d’um arco-íris naufragado.


ALUADO

                                                                                jorge bichuetti

          
                                                              Cachoeira. Água, ventania...
A vida corre contorcida, travestida de sonho.
Riacho. Verde campo florido...
A vida torce galopante pelo instante do êxtase.

Flores. Pardais no varal. Sentinela...

Amores-viscerais
No corpo, uma emoção:
como é bom ter a perversão
de engolir a terra,
pensando a lua saborear...


AMOR DE ÍNDIO
                 jorge bichuetti

Tens o corpo tecido e armado pelas matas.
Onde és ave, deus... Grão, árvore, serpente;
reinas irradiante e se o mal desatas,
desatas por amor, o amor teu, fogo ardente.

Tens fagulhas de sol incrustadas na alma,
incendiando paixão num olhar de ternura
e acalmando o fulgor desta louca loucura,
és da vida tão-só sonho, prazer e calma.

Amar-te, plenamente, e voar na doçura
do teu abraço. Só amar-te, docemente:
eis dos astros a voz, voz de um coração.

Amar-te, ternamente, e não temer a altura
do vôo sideral, céu estrelado, aguardente;
florescer do amor, do amor corpo-explosão...


RETALHOS DE RECORDAÇÕES

                                                                        jorge bichuetti

                                                          
Fotos. Bilhetes. Uma carta... Uma dúzia de canções.
Uma rosa seca no meio de uma vida.

... Mas se o telefone tocar e eu ouvir
tua voz, teu canto;
hei de ver ressurgir
a fagulha do encanto.

Nunca. Jamais te esqueci.
Nunca quis estar longe de ti.
A vida tramou, jogou falso, trapaceou...

Somente, assim, aceito não te ver;
já que reinas
na ilha onde exilado te espero.
Embora, apenas, reste-me
esta e aquela, ou ainda outra,
apenas algumas lembranças
pra me alegrar.

E, então, lembrando adormeço...





 
                                                    Sonhos
                                   Há um amanhã, adormecido
                                   que sonha-se realidade...
                                    Há um possível, escondido
                                    na gaiola, aprisionado...
                                    As cinzas do hoje ocultam
                                    as brasa do alvorecer...
                                    O manhã mora ali,
                                    mora na rua e nas nuvens
                                    mora no delíro de um mago
                                    mora no bailado do guerreiro
                                    mora ali, nas varandas do sonho
                                    entre o luar e o despertar...
                                    entre as estrelas... do mais amar..
                                               jorge bichuetti

4 comentários:

Anônimo disse...

Beleza, inspiração, paixão, ressonância, vida; sentimentos e experiências que vão aflorando ... meu coração navega "pra lá do arco-íris"(como na música de Kleiton e Kledir), nestas paragens, agradecido ao Jorge que nos potencializa, ousar ser, mesmo em tempos difíceis, no sonhar acordado, no "manhã adormecido...no mais amar". Estou querendo muito bem essa utopia ativa. Jorgesbeck

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Necessitamos experimentar outros modos de dizer e sentir. A racionalidade técnica-instrumental com seus números, dividendos e fins... nos fez cinzas.
Quem sabe a poesia e delírio nos possibilite pintar o corpo com as cores do arco-íris e bailar pelas ruas como uma estrela vadia e descobrir folhagens e carícias, paisagens e doçuras que tornem o mundo, um mundo novo: solidário e libre feito bicho-passarinho.jorge

jorgebeck disse...

Delírio e calma de constatar que nesse "mundo feito", por trazer desfeita, me parece, está tudo por re-fazer...e enveredado nessa meada sem fim, um fio-luz, nas suas alturas enérgicas, dos "pardais a perambular",nos devolve à doce sina desse porvir... sim, que desejo eu senão outros modos de dizer e sentir solidários e quebrantar toda essa racionalidade causticante.Jorgebeck

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

No caminho, encruzilhadas...
Na vida, novas provocações: ou fazemos o novo e o amanhecer ou sofremos as agruras desta noite fria, sem estrelas que acostumamos a chamar de nossa vida.
É hora de reinventar-se...
ousar amar, sonhar e muito amar. jorge