DO TEATRO DO OPRIMIDO ÀS LUTAS INSURGENTES
Vivemos tempos cinzentos... Para muitos, o sonho acabou...
Outros, persistem guerreiros, ousando sonhar com um mundo de solidariedade e ternura, liberdade e justiça social.
Hoje, iremos conversar com Fábio Martins: um guerreiro audaz... Um homem de utopias, e de caminhada: vôos de criatividade e batalhas insurgentes pelo novo, pela vida...
Advogado, militante político, é Doutor Honoris Causa pela Univerdade Popular Madres de Plaza de Mayo, e coordenador de grupos de Teatro do Oprimido.
Escutemo-lo...
1 Fábio, o conheci em Las Madres e sempre o reencontro ali. Qual é , para você, as lições que elas passam e que marcou a sua caminhada?
1- A realidade política da Argentina guarda uma singularidade própria se confrontada com o Brasil, principalmente ao considerarmos os períodos autoritários dos anos 70-80, em tempos de trevas as Madres de la Plaza de Mayo mostraram que a morte e a violência não podem matar TUDO e que o amor pode se manifestar das formas mais surpreendentes sendo capaz de enfrentar o ódio, o medo e a opressão sempre.
As Madres como referência política são o exemplo que revela a potência do amor levado ao extremo. Fazendo emergir a esperança em meio ao desespero, esperança tão rara em tempos como os atuais, excessivamente confusos, como no passado ditatorial. As Madres são um dos movimentos sociais mais importantes que a America Latina já produziu, é a contra-face amorosa do terror, mostrando ser capaz de lutar pela vida em qualquer circunstancia até nas inimagináveis
2. O Teatro do Oprimido.é um instrumento muito potente, embora não seja ele canonizado pela academia. Onde mora a riqueza do To? o que ele desnuda e bifurca que muitos preferem não ver?
2- O Teatro do Oprimido nos últimos anos vem passando por um processo de ampliação que acabou inclusive levando a uma aproximação da academia, o que não é ruim em si, vai depender do uso que se faz do Teatro como dispositivo. Em sua força bruta o Teatro do Oprimido pode ser considerado como parte de um grande movimento sócio-político que o Brasil e a América Latina passava nos anos 60-70 e que foi combatido pelas hegemonias do poder. No período de abertura democrática o TO foi se consolidando como alternativa frente ao posto no campo da arte popular contestatória, para o TO já não bastava falar de participação, era fundamental exercitá-la mesmo que microscopicamente.
A potência viva do TO esta na disposição de procurar resgatar a condição humana de sujeito ativo, aquela dimensão produtiva-potente-criadora-inventiva que todos os humanos carregam, aquilo que Paulo Freire chamou da "capacidade de ser mais".
3. Qual a sintonia fina entre To e esquizoanálise, que pra mim, sempre se revelaram confluentes de um mesmo sonho?
3- Considero fundamental entender o TO como parte de um movimento maior que abarca vários campos de ação e conhecimento, quando articulado por exemplo com a Pedagogia Freireana o TO toma outra dimensão mais abrangente, é neste sentido que ele pode ser, inclusive, comparado ao movimento esquizoanalítico. Dentro dos movimentos contestatórios o TO emerge junto a outras manifestações, como arte insurgente. No campo "Psi" a Esquizoanálise emerge como manifestação insurgente também... são partes do mesmo sonho... Ambas articuladas por muitos lados com saberes "eurocêntricos" revisitados desde a perspectiva crítica das vítimas e dos oprimidos Latinoamericanos. Neste sentido é muito interessante anotar que as ultimas pesquisas que Augusto Boal realizava era denominada de "A invasão dos Cérebros" (seria o cérebro deleuzeano?) versão iniciada com o Arco-Íris do Desejo a vertente do Teatro do Oprimido que dialoga com a Psicanálise. Para quem não conhece e deseja, o Teatro do Oprimido é mágico, assim como para quem não conhece a Esquizoanálise ela pode se revelar mágica, mas, desde uma convergência comparativa eu seria capaz de dizer que diante da Esquizoanálise o Teatro do Oprimido é um pouco ortodoxo, principalmente em termos metodológicos; a Multiplicação Dramática é um indício dessa afirmação, podendo talvez ser visto como um "entre"... Todavia se é no método que o TO avança e se garante, ali também. estarão suas maiores debilidades... o tema é complexo. O maior impasse é ver um e outro como produto acabado ou como domínio de especialistas.
4.Na sua opinião, qual é a razão da fertilidade, inegável do TO, no trabalho com os portadores de sofrimento mental?
4- A maior força do TO esta na plena confiança que deposita nos "espectadores" sujeitos privilegiados do processo. Confiar na capacidade do outro de fazer e agir é a base fundante do Teatro do Oprimido, este busca resgatar a vocação humana de ser e fazer mais...
Se tem algo que pode "fazer e ser mais" esses são os seres humanos - cada um e todos, uns com mais talento, outros com mais desenvoltura, facilidade ou beleza, mas todos são CAPAZES.
O Teatro do Oprimido neste sentido tem muita clareza e nenhuma dúvida - HÁ QUE SE CONFIAR NO HUMANO. Os portadores de sofrimento mental, sofrem mais pela falta de confiança em si mesmos do que por qualquer outra coisa. Ao olhar para a potencia viva que há em cada ser, o Teatro do Oprimido oportuniza a ação criadora, principal característica do humano como animal vivo, quando isso ocorre a magia da vida pode se revelar nos acontecimentos do instante (o intempestivo) - o espaço-tempo da invenção do novo absoluto. Criar é uma condição de vida... seja onde for e com quem quer que seja.
5.Como militante que caminha, sonhando e sonha, lutando, e vê o mundo sob a perspectiva dos sonhos de libertação, a mulher e sua realidade mudou com a lei Maria da Penha?
5- Uma lei por melhor que seja pode no máximo revelar uma intenção. Se lei servisse para resolver problemas complexos a Constituição de 1988 já teria resolvido muita coisa, mas...
A Lei Maria da Penha mostra a ponta de um movimento do campo social que por vezes se contenta com a proclamação de garantias, deixando de lado o que mais importa: o processo de luta e não o produto desse movimento. A lei ajudou com toda a certeza, mas, não basta, sabemos.
Os maiores avanços alcançados no âmbito da luta contra a "violência doméstica machista" passam pelo Direito, mas vão além... e estão muito aquém, se quisermos assim entender as coisas. Sempre penso que os brasileiro(as) têm um "inconsciente coletivo legalista", um tipo de predisposição em "querer" acreditar em forças superiores da ordem do Direito, numa confusão entre justiça, direito e lei, coisas que não se pode confundir; como se a melhoria das condições da mulher, por exemplo, pudesse vir apenas ou principalmente pela via legal, não é assim que as coisas funcionam. Se as mulheres vem se transformando como sujeito coletivo, isso se deve principalmente pela ação afirmativa de sua condição de ser humano que merece respeito e consideração.
6. Finalemente, amigo, o sonho persiste... O outro mundo necessário... é possível?
6- Possível e necessário tanto quanto respirar... o Mundo se faz fazendo, vivendo, amando, lutando, acreditando e principalmente continuando... Um Mundo Novo não se institui por decreto... não é fácil nem rápido, mas é possível. A esperança ativa é a condição dessa construção HÁ QUE SE ACREDITAR... Somos todos parte desse novo por vir, pois, "somos o que fazemos, mas somos principalmente aquilo que fazemos para mudar o que somos" diria Eduardo Galeano... Mudemos o Mundo para sermos mais.
Agradecemos ao Fábio a gentileza, a lealdade à ideais que nos fazem mais vivos. E, principalmente, seu coração de homem novo: à la Che...
Para ele, de coração, ofertamos este verso de Fernando Pessoa, acreditando que traduz o muito que ele nos legou com suas reflexões...
" Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras por própria. Manda no que fazes,
Nem de ti mesmo servo.
Niguém te dá quem és. Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
Cumpre alto. Sê teu filho."
AVISAMOS AO S AMIG@S DO BLOG QUE AINDA NESTE SEMESTRE FÁBIO MARTINS ESTARÁ CONOSCO COORDENANDO UM CURSO " OFICINAS DO TEATRO DO OPRIMIDO".
lX CONGRESO INTERNACIONAL DE SALUD MENTAL Y DERECHOS HUMANOS
CLÍNICAS: LÓGICAS COLECTIVAS, DEVENIRES, RESISTENCIAS
18 A 21 DE NOVEMBRO. BUENOS AIRES, ARGENTINA...
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