quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Sobre a dependência química

Cinco Reflexões sobre drogas

                               Jorge Bichuetti








1° A droga é um amplificador das percepções. Cria uma experiência vital artificial, cujo perigo reside no fato de:
- Gerar uma repetição e de repetição em repetição uma dependência, passando a funcionar como um buraco negro, foco único que consome e degrada todas energias da vida;
- Propiciar uma pseudotranscendência. Desmotivando o sujeito que prisioneiros destas vivências, já não procura experiências de transcendências cuja marca é a de verdadeiramente enriquecer a qualidade de vida.

2° O abuso de drogas, se é crime, é um crime sociocultural. Criminalizar o uso de drogas é negar a sua condição de fato social, sendo o usuário o elo de uma cadeia complexa, elo este que é um analisador das contradições sociais que empobreceram a existência humana.

3° Nem conivência, nem punição. Reabilitar o usuário de drogas exige dos processos terapêuticos uma capacidade de agenciar um projeto de vida mais sedutor do que aquele oferecido pelo mundo do vício,

4° Existe, freqüentemente, no usuário de drogas um jeito de funcionar do psiquismo marcado pela cultura denominado de “tudo posso”. A falta da falta. Uma incapacidade de aceitar limites, de adiar o prazer.
Não se incorpora a função paterna num dado modo de funcionar por decreto, ditatorialmente.
O usuário há de descobrir na vida coletiva uma nova ética e nova estética, aonde seja ele, livre e responsável por si; um ser de encontros, um guerreiro da vida.

5° Droga versos vida nunca funciona quando a vida é uma droga.
Sobriedade é compromisso histórico que exige mudanças na família, nas relações sociais, no mundo.
Num mundo de fato legal, o homem viaja nas estrelas, nas campinas ou ainda, simplesmente, no mel de um beijo apaixonado.

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Sobre drogas e drogadição
                            Jorge Bichuetti

A drogadição tornou-se um problema epidêmico. Já não existe apenas longe, é uma dor que perambula pelos nossos lares. Um parente, um vizinho... um ente querido... Está na escola, clubes, na rua... Em todo canto...
No passado ,era uma arma de contestação. Rebeldia jovem. Agora, é risco de vida...
Alienados, gostamos de simplificar o problema. Droga é o mal, o diabólico. Condenamos e com nossa rigidez fomentamos a curiosidade. Criminalizamos e a jogamos no terreno da marginalidade.
A droga é uma substância psicoativa que amplifica as percepções, seduzindo um psiquismo possuidor de uma valência superior para o universo das sensações. No século de Freud, o psiquismo era essencialmente um psiquismo de representações.
A droga, igualmente, anula o desprazer, numa cultura que tornou o homem impotente na lida com suas frustrações.
Somos criados pela falta e, agora, educados para não suportar a própria falta. Somos criados como cópias e, assim, não conhecemos a potência criativa e inovadora do nosso inconsciente.
Somos replicantes...
Esquecemos o apelo bíblico: “Sois deuses”.
O mundo cresceu. O mercado dominou a vida. Institucionalizamos a história.
Sim, geramos um mundo violento e excludente. Um mundo onde o homem, o humano, reduziu-se às trocas do processo de enriquecimento. Um mundo globalizado. Sem limites. Sem limites externos e internos. Vale tudo... Tudo pode...
Acumulamos riquezas e naufragamos no oceano de técnicas e tecnologias, lucros e vitorias. Somos... náufragos de uma existência sem sentido. A vida sem sentido e o mundo entesourado de vencedores e vencedores empobreceram a família, a escola, o lazer, a fé... A lei perverteu a Lei.
Deste modo, somos... pouco, quando queríamos simplesmente ser.
A droga encontra, assim, suas vítimas. Da experiência à situação de dependente, é um passo. Ou melhor, um trago...
Vencer o império da droga, exige-nos pensar o próprio funcionamento do mundo.
Drogas matam. Mas o que cura?
Não podemos paralisar nossa ação, sem algo fazer. Porém, é cura aprisionar aqueles que se fizeram dependentes justamente por não suportarem a prisão? É cura diminuir a vida de quem se fez servo das drogas em troca de alguns segundos de plenitude?
A reabilitação do usuário de droga parece necessitar de algo mais.
Não se abandona um vício sem que se descubra em si e no mundo uma nova vida possível.
Novos sonhos, novos valores... E um novo cotidiano.
Nem desprazer e morte, nem prazer imediato e ausência de problemas. Uma vida feita de luta e compreensão, criatividade e ternura. Liberdade e compromisso.
Um projeto de vida. Um novo jeito de viver e se relacionar.
Sobriedade, então, emergirá como recurso interno de quem aprendeu a se investigar e a investigar o mundo, recriando a vida.
Nem vítima, nem algoz. Nem abandonado, nem hiperprotegido. Apenas, homem, co-responsável em aliança com pessoas e com uma sociedade que se assume na finitude de uma existência a potência de unir-se às transformações da vida, pela vida. E que soma forças para que a felicidade não seja um personagem apenas das viagens fantásticas, e, também, para que as dores e os obstáculos possam serem vividos como experiências e não fracassos.
Viver é perigoso, mas cura...

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AINDA SOBRE DROGADIÇÃO

                                   Jorge Bichuetti






                                                 
Existem permeando a problemática da drogadição algumas ilusões que nos revela as limitações dos nossos próprios valores utilizados no manuseio da existência.
Cremos, desejamos e esperamos... o idealizado.
... Mais; impomos direta ou indiretamente o idealizado.
E deste modo vivemos sob uma ditadura.
A ditadura da felicidade, da virtude e da fortaleza interior vigora.
Somos educados para vencer e vencer é cumprir as determinações da vida ideal.
A dor é negada, o erro excomungado. Temos que ser... Ser fortes e insensíveis.
Cair é fracassar. E os derrotados são excluídos. Nascendo desta exclusão a marginalidade. O diferente torna-se assim “ser conflitual” (Arduini, F – Personalidade marginal. In: Estradeiro).
Estigmatizamos o erro, a dor. É o diabo.
“O diabo não existe. Se existe, existe homem humano. Travessia”. (Guimarães Rosa – In: Grande Sertões: Veredas).
Esquecemos na lida diária, a lição da via sacra. Onde o Cristo diviniza a queda, aceitando a cooperação do camponês Simeão que por ele carrega a cruz quando o peso desta o joga ao chão.
Se o Cirineu houvesse condenado a queda e se omitido de ser solidário, cúmplice diante da fraqueza do Mestre, não teríamos a Boa Nova da ressurreição que nos anuncia a vitória da esperança. A redenção humana.
Geralmente, diante de alguém no chão fertilizamos a irreversibilidade do fracasso, do erro, da dor.
Precisamos ouvir mais a voz profética do Monsenhor Juvenal, através de quem Deus, a Vida, o Porvir fala-nos; “o homem é ser capaz de refazer-se.” (Semente no cisco. In: Estradeiro).
Como, também, lucraríamos muito se o escutássemos acerca do erro.
“O erro faz parte da condição humana. A precariedade habita a própria estrutura do homem. A falha freqüenta os passos da pessoa.” (Arduini, F. – Vulnerabilidade Humana. In: Estradeiro.)
Diante do erro, segundo ele, temos três atitudes: auto-cumplicidade, auto-rejeição e auto-recuperação.
Estas reflexões nos são extremamente úteis quando pensamos a luta cruenta entre vida e drogas.
Fica-nos, então, como pergunta e provocação: Será se não conseguiríamos ser mais livres, mais autônomos, se rompêssemos nossa adesão à ditadura da felicidade?
Drogas não é fuga. É adesão ao status quo.
Não é ruptura. È o reafirmar da norma na contra-mão.
Ela é evitação. Evita-nos o contato com a fragilidade e com a grandeza do humano. Do humano em construção.

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VIDA SIM, DROGAS NÃO...

                             jorge bichuetti








Hoje, os problemas ligados ao uso de drogas já não se situam longe, eles estão na nossa vida. É um amigo, um filho, um parente, um vizinho... Uma dor de todos.
Condenar o usuário apenas cria a ilusão de que estamos fazendo algo.
A droga reflete o mundo. Não é ela que gerou este mundo, este mundo dos dias atuais.
Fabricamos uma vida artificial. Negando a natureza do homem, gestamos um mundo onde a vida cristaliza-se na vitrine do ideal dos vendedores e vencedores.
Forjamos a necessidade de se ser, sempre, uma cópia do esperado pelo status quo, o normal... De se ser, então, alheio a própria subjetividade.
Neste sentido, afirma Frei Beto, com propriedade; “Ninguém agüenta ser “normal” o tempo todo”.
As drogas quando a vemos superficialmente são apenas o pecado, a perdição, o diabólico.
De fato, elas destroem, geram sofrimento e morte.
... Mas por quê, então, tantas pessoas as procuram? ...
Rotelli nos diz que elas são amplificadores da consciência.
Leo Matos que induzem estados alterados de consciência, para além da vigília, dos limites do nacional positivo.
Onde está o perigo?
Deleuze contribui elucidando fatos, inerentes à drogadição. Para ele, ela já não estaria vinculado tão somente à uma defesa diante da angústia do homem que em face a finitude biológica e as contradições da vida em sociedade tenderia a um retorno ao nirvana primevo, à paz da fusão oceânica experienciada quando da sua estada no útero materno, para não regredir ele evitaria esta angústia com defesas criativas ou autodestrutivas.
Deleuze reconhece na drogadição uma experiência vital que em função do efeito químico e da impossibilidade de se reordenar o vivido artificialmente, tenderia à repetição... Tornando o usuário um servo, um dependente, pois o uso passaria a funcionar como um buraco negro.
Drogas – buraco negro. De experiência inédita ela se torna um poço sem fundo, esgotando toda vida restante e fazendo a vida se restringir a uma dependência da próxima dose, do próximo trago, do próximo copo... até a overdose ou o socorro libertador.
Esta visão fica clara se a percebemos na lucidez de Leonardo Boff que definiu a experiência com drogas como uma pseudotranscendência.
Não cria qualidade diferencial nem autonomia, exige o estar preso a ela para sentir seus efeitos.
Não é uma verdadeira transcendência. Esta nos alimenta para seguir adiante. Livres. Novos. Enriquecidos.
Vida sim, drogas não...
Para enfrentar este dilema parece oportuno a leitura das reflexões do Monsenhor. Juvenal Arduini.
No livro “Estradeiro”, ele conclui, mostrando-nos o que é necessário para se pensar a cura e a própria libertação do homem: “Vejo e ouço os passos do homem caminhando a estrada do mundo. Enquanto o homem estiver caminhando, há sempre esperança. Pois, a grandeza do homem não está em partir ou chegar, mas em manter-se na estrada”.
E é este o pensamento de Frei Beto quando nos diz que “uma causa-social, política, estética, religiosa - é o melhor antídoto contra as drogas”.
Viver, viver como estradeiro. Caminhante... Eis a vida que cura, eis o mundo que afugenta a morte.

2 comentários:

Josiane Souza disse...

Dependentes da Ilusão

Nascido dos farelos de um pão
Embrulhado na manta da solidão
Cresce de pernas compridas, e anda
Pelos caminhos turvos do coração.

Seu mundo líquido, ecorre aguado
Encharcando pensamentos entulhados
Secar onde?
Se seu fogo sempre lhe é apagado.

Entortado na penumbra da esquina
Acende..traga..cheira...aplica
Ilusão, tem pra todo gosto!

Ilusão à pó...
Ilusão à pedra...
Ilusão à morte!

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Josiane, sua poesia vale por:
uma aula da psicodinâmica da dependência;
um retrato dela enquanto dor e desilusão;
e um convite a que inventemos um acolhimento potente, capaz de deter a morte e canalizar os desejos de vida imanentes, que ficaram, momentaneamente, inundados de desepero, agonia e desencantamento.
Algo deve ser feito:
uma vida numa encruzilhada pede bifurcações,novos caminhos... Um novo horizonte, um devir-alvorada.
jorge bichuetti