JORGE BICHUETTI
No sofrimento, necessitamos cuidado e aconchego... Na superação das dores e lágrimas da vida podemos inventar uma clínica, um modo de cuidar e de reinventar a vida: este é a experiência e a herança legada pelas Mães da Praça de Maio.
Já dizia Guattari que o inconsciente não escolhe onde nem a quem falar, e suas pulsações criativas geram o novo, linhas de singularização e diferença, de superação do mal...
Vítimas, choravam o desaparecimento de seus filhos... Vítimas do estado de Terror que impunha silencia e aceitação, resignação passiva e obediências aos abutres que lhes levavam seus filhos... 30000 desaparecidos...
Sobrevivem... e sobrevivem, inventando uma clínica que aqui exporemos sinteticamente em cinco linhas de ação:
Linha 1. De vítimas à resistentes: a vítima sofre, chora, reclama, mas não consegue fugir de uma paralisia que leva pouco a pouco a uma cronificação... Elas saíram à luta... Foram de porta em porta, exigindo seus filhos, os queriam e os buscavam... Percorrem igrejas, quartéis, juízes, gabinetes de governo... Na praça, concentraram seus esforços de denúncia e reclamação... Marchavam... Enfrentavam as forças do terror... Ameaçadas, sequestradas, e assassinadas... persistiram... No caminho, descobriram por si mesmas que uma uma vítima só se cura se lutando, se converte numa resistente.NENHUM PASSO ATRÁS...
Linha 2. Da dor individual à maternidade coletiva: inicialmente, eram mães em busca de seus filhos... Nesta busca, se encontraram.. e eram muitas mães e muitos filhos... Lutando juntas quebraram o individualismo e o narcicismo e passaram a funcionar coletivamente, assumindo que todos eram filhos de todos, a maternidade coletiva, a coletivização da dor e da esperança, as evitaram de serem capturadas pelos complexos que todos nós temos e que nos mantêm subjetividade edípica, individualista e narcísica, que nos enovelam nos adoecimentos paralisantes que trazemos nas raízes do nosso ego. Descobriram a potência de vida-saúde da solidariedade- MATERNIDADE COLETIVA.
Linha 3. Da resistência à afirmação de vida: Resistindo, se constituíram num força indomável... Se crescemos para a vida e o novo, logo, o sistema tenta nos capturar... Então, capturados, logo, recaímos e somos de novo fragilidade vulnerabilidade...O governo macabro tenta negociar a vida de seus filhos por uma reparação financeira e um perdão mútuo que era jogar no esquecimento suas histórias e as histórias de seus filhos... Elas avançam e inventam a clínica do virtual e do devir, exigindo aparição com vida. neste momento, se descobrem carregando a memória e os sonhos de seus filhos, e, assim, prosseguem numa prática política de solidariedade e luta, onde buscam em cada sofredor e em cada lutador, seus filhos redivivos e eternizados no ideal e no sonho de um mundo justo e fraterno, libertário e de direitos humanos. APARIÇÃO COM VIDA.
Linha 4. Da morte do ego à sociabilidade socialista: Caminhando, trabalhando, suportando suas feridas e dores, com o sorriso de quem acha sentido de vida nas ações de luta, resistência, solidariedade e partilha, já não segmentarizam na fragilidade egóica, descobre a magia do encontro e no outro, elas mesmas... E, assim, singularizam-se e radicalizam um projeto de vida, vivem conectando suas dores e sonhos com as dores e sonhos de sua gente... Agora, caminham com a multidão, visceralmente, devindo-se a luta e sonho dos outros. O OUTRO SOU EU...
Linha 5. Passo a passo, foram tornando-se nômades, caminhando pelas veredas da utopia ativa, já não sou um redemoinho verbal que se sustenta na reverberação de uma dor que nunca passa... São o sonho... Sonho prático: revolução se faz, fazendo... revolução se faz, partilhando... e revolução se faz, dando-se... a militância como via de cura e libertação... SONHOS COMPARTIDOS.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
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