domingo, 7 de novembro de 2010

MESTRES DO CAMINHO: DELEUZE E O ALCOOL / DANIEL LINS

Álcool: divino/diabólico?
                                DANIEL LINS

 
 Dentre os comentários sobre a obra de Deleuze, o tema que trata de sua relação com o álcool é raramente abordado. Talvez seja o caráter “não-filosófico” desta questão que levou o álcool em Deleuze a ser considerado como um simples detalhe biográfico. No entanto, tal questão ocupou tanto em sua vida quanto em sua reflexão um lugar não desprezível. Deve-se observar que não existe uma experiência unitária do álcool, mas experiências do álcool.
Diante da comoção social provocada pela implantação da Lei Seca no Brasil, emerge a parte mal-dita tornando o não dito em memória passiva, marcada pelo luto e loucura provocados pelos incidentes, pelo não retorno da juventude sacrificada. Lágrimas, orfandade, trauma social. Mas, o álcool dito diabólico não perde seu carisma, sua alma, sua cartografia criadora, sua origem mitológica, religiosa, divina?
Dioniso é o deus do vinho e da festa. O álcool participa ativamente das celebrações sociais e religiosas greco-romanas, africanas. Noé, diz a Bíblia, fez uso da bebida a ponto de se embriagar, "tendo à mostra as suas vergonhas".
O álcool é o amor e a perda do amor, o dinheiro e a perda do dinheiro, a vida e a perda da vida. Palavra líquida, o álcool é o rio das próprias ilusões. Nada, porém, mais forte para manter o homem vivo que a crença na estética líquida: ninguém sobrevive ao real sem uma dose de poesia. Há no álcool, afora o discurso moral, um erotismo errante, uma força da fragilidade, um corpo que se acorda e... dorme.

Gilles Deleuze:

- Bebi muito. Parei, bebi muito... Seria preciso perguntar a outras pessoas que beberam, perguntar aos alcoólatras. Zomba-se muito dos drogados, ou dos alcoólatras, porque eles sempre dizem: "Eu controlo, paro de beber quando quiser". Zombam deles, porque não se entende o que querem dizer. Quando se bebe, se quer chegar ao último copo. Beber é, literalmente, fazer tudo para chegar ao último copo. É isso que interessa.
Em outros termos, um alcoólatra é alguém que está sempre parando de beber, ou seja, está sempre no último copo. O que isto quer dizer? O primeiro copo repete o último, é o último que conta.

Insisto: o que quer dizer o último copo?

- Não é o primeiro, o segundo, o terceiro que o interessa, é muito mais, um alcoólatra é malandro, esperto. O último copo quer dizer o seguinte: ele avalia o que pode agüentar, sem desabar... Ele não suporta beber mais naquele dia. É o último que lhe permitirá recomeçar no dia seguinte, porque, se ele for até o último que excede seu poder, se ele vai além do último em seu poder para chegar ao último que excede seu poder, ele desmorona, e está acabado, vai para o hospital, ou tem de mudar hábito, de agenciamento.

- Quando ele diz: o último copo, não é o último, é o penúltimo, ele procura o penúltimo. Não o último, pois o último o poria fora de seu arranjo, e o penúltimo é o último antes do recomeço no dia seguinte. O alcoólatra é aquele que diz e não pára de dizer: vamos... é o que se ouve nos bares, é tão divertida a companhia de alcoólatras, a gente não se cansa de escutá-los, nos bares quem diz: é o último, e o último varia para cada um. E o último é o penúltimo. Não, ele não diz: amanhã eu paro; diz: paro hoje para recomeçar amanhã.
        
Como parar de beber?

- Tudo bem beber, se drogar, pode-se fazer tudo o que se quer, desde que isso não o impeça de trabalhar, criar, se for um excitante é normal oferecer algo de seu corpo em sacrifício.

Álcool e juventude:

- Que bebam, se droguem, o que quiserem, não somos policiais, nem pais, não sou eu quem deve impedi-los ou ... mas fazer tudo para que não virem trapos. No momento em que há risco, eu não suporto. Suporto bem alguém que se droga, mas alguém que se droga de tal modo que, não sei, de modo selvagem, de modo que digo para mim: pronto, ele vai se ferrar, não suporto. Não suporto um jovem que se ferra, não é suportável.

Um velho que se ferra, que se suicida, ele teve sua vida, mas um jovem que se ferra por besteira, por imprudência, porque bebeu demais... É verdade que o papel das pessoas é de tentar salvar os garotos, o quanto se pode. E salvá-los não significa fazer com que sigam o caminho certo, mas impedi-los de virar trapo (Gilles Deleuze: O Abecedário).


 Diante da dor - alegria, que a temática corajosamente enfrentado pelo filósofo Daniel Lins, gostaríamos de deixar nesta postagem um aconchego, para o autor, para nós, para todos...
é o velho Borges e sua encantadora poesia:
 Poema a los Amigos
Jorge Luis Borges

No puedo darte soluciones
para todos los problemas de la vida,
ni tengo respuesta
para tus dudas o temores,
pero puedo escucharte
y compartirlo contigo.
No puedo cambiar
tu pasado ni tu futuro.
Pero cuando me necesites
estaré junto a ti.
No puedo evitar que tropieces.
Solamente puedo ofrecerte mi mano
para que te sujetes y no caigas.
Tus alegrías.
tus triunfos y tus éxitos
no son míos.
pero disfruto sinceramente
cuando te veo feliz.
No juzgo las decisiones
que tomes en la vida.
me limito a apoyarte
a estimularte
y a ayudarte si me lo pides.
No puedo trazarte límites
dentro de los cuales debes actuar,
Pero sí te ofrezco ese espacio
necesario para crecer.
No puedo evitar tu sufrimiento
cuando alguna pena
te parta el corazón,
Pero puedo llorar contigo
y recoger los pedazos
para armarlo de nuevo.
No puedo decirte quien eres
ni quien deberías ser.
Solamente puedo
amarte como eres
y ser tu amigo.
En estos días pensé
en mis amigos y amigas,
No estabas arriba,
ni abajo ni en medio.
No encabezabas
ni concluías la lista.
No eras el número uno
ni el número final.
Dormir feliz.
Emanar vibraciones de amor.
Saber que estamos aquí de paso.
Mejorar las relaciones.
Aprovechar las oportunidades.
Escuchar al corazón.
Acreditar la vida.
Y tampoco tengo
la pretensión de ser
el primero
el segundo
o el tercero
de tu lista.
Basta que me quieras como amigo.
Gracias por serlo.

Poema aos amigos
Jorge Luis Borges

Não posso dar-te soluções
Para todos os problemas da vida,
Nem tenho resposta
Para as tuas dúvidas ou temores,
Mas posso ouvir-te
E compartilhar contigo.
Não posso mudar
O teu passado nem o teu futuro.
Mas quando necessitares de mim
Estarei junto a ti.
As tuas alegrias
Os teus triunfos e os teus êxitos
Não são os meus,
Mas desfruto sinceramente
Quando te vejo feliz.
Não julgo as decisões
Que tomas na vida,
Limito-me a apoiar-te,
A estimular-te
E a ajudar-te sem que me peças.
Não posso traçar-te limites
Dentro dos quais deves atuar,
Mas sim, oferecer-te o espaço
Necessário para cresceres.
Não posso evitar o teu sofrimento
Quando alguma mágoa
Te parte o coração,
Mas posso chorar contigo
E recolher os pedaços
Para armá-los novamente.
Não posso decidir quem foste
Nem quem deverás ser,
Somente posso
Amar-te como és
E ser teu amigo.
Todos os dias, penso
Nos meus amigos e amigas,
Não estás acima,
Nem abaixo nem no meio,
Não encabeças
Nem concluís a lista.
Não és o número um
Nem o número final.
Dormir feliz.
Emanar vibrações de amor.
Saber que estamos aqui de passagem.
Melhorar as relações.
Aproveitar as oportunidades.
Escutar o coração.
Acreditar na vida.
E tão pouco tenho
A pretensão de ser
O primeiro
O segundo
Ou o terceiro
Da tua lista.
Basta que me queiras como amigo
Obrigado por seres.

2 comentários:

Maria Alice disse...

Dr Jorge, me encanta saber que o ser humano pode atingir um alto grau de grandeza e uma criatividade inesgotável. Pura consequência do caminho que ele escolheu. Versos de uma beleza infinita

“Amigo...posso ouvir-te, e compartilhar contigo...estarei junto a ti.
...desfruto sinceramente quando te vejo feliz.
Limito-me a apoiar-te, a estimular-te e a ajudar-te sem que me peças.
...oferecer-te o espaço necessário para cresceres.
Mas posso chorar contigo e recolher os pedaços para armá-los novamente.
Somente posso amar-te como és e ser teu amigo.
Basta que me queiras como amigo, obrigado por seres”.

Sem palavras...
Muito carinho. Maria Alice

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Querida Maria Alice, quando me enviaste, ainda não sabia como postar-la... Aí, aconteceu... A postagem sobre alcool e penso que eles e suas famílias necessitam muito de amizade borgeana.
abraços jorge