terça-feira, 9 de novembro de 2010

DIÁRIO DE BORDO: VIAGENS E O PESO DAS MALAS

                                                                                   JORGE BICHUETTI

Sol claro... Dia acolhedor... Os pássaros me despertaram e a lua me envolveu com seu carinho incondicional...
Este calor amoroso da minha casa me leva a sentir como são contraditórias para mim toda e qualquer viagem...
Todavia, sei... viajamdo, desbravamos horizontes e nos tornamos mais... Mais férteis, mais flexíveis, mais nômades... O impacto de uma outra paisagem e de uma outra cultura nos desterritotializam da mesmice, da rotina e nos permitem a ousadia de experimentações que evitamos sob as pressões do instituído e do status quo.
Viajar é se dar ao novo...
Porém, me pesa as malas...
As malas não levam meus livros e discos, companheiros fiéis das horas tristes e solitárias e dos instantes alegres e plenos....
As malas não comportam os meus amores e os deixando, fica um pouco de mim...
A Lua, por exemplo, minha inseparável parceira, só conhece o coração das malas na chegada; quando as desmontam entre beijos de saudade...
Ah! contudo, é que se viajar vale por sair de si mesmo e se conhecer outros, nas experimentações de um novo território, novas paisagens, novos costumes, novos cheiros e sabores, novoas miradas e novos amores, se viajar é poder devir-se novidade, eu tenho um grande problema...
Minha mala quen nunca cabe nada, nunca deixou de me carregar nas suas entranhas  e, assim, quando me vejo ali estou...
Eu e minhas repetições... eu e minhas manias... eu e os meus medos...
Me carregando,não me livro dos meus pensamentos e fantasmas...
Preciso aprender a viajar, esquecendo num canto da casa o meu ego...
Assim, estarei aberto e disponível ao verdadeiramente novo... Senão, uma viagem torna-se tão-somente uma coleção de fotografias
Abandonar o próprio ego para se aventurar num novo espaço é o verdaeiro nomadismo.
Com ele no comando, agimos e reagimos, repetindo o que somos, sem experimentar o novo.
 Marcel Proust diz, com razão : "A verdadeira viagem do descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, mas em ver com novos olhos."
Meu desejo? Viajar com miragem de Jimi Hendrix: "Me dá licença que vou beijar o céu."
 Viajarei e guardarei comigo esta preciosa lição de José Saramago:
- "A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."


9 comentários:

Marta Rezende disse...

Boa viagem Jorge. Não me importaria com as malas para ir a Buenos Aires. Lá tem tudo, Terra do seu xará, terra também do Che, terra do Cortazar. My Buenos Aires querido.
Feliz aniversário, Jorge!!!! Muita festa. Muito tango. Muito vinho. Muita carne. Muita poesia. Para você e seus amigos.
beijo
Marta

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

obrigado, querida... Mas espero manter lá o blog funcionando, já que ele passou a fazer parte de um corpo sem órgãos e com vida e alegria. abraços jorge

Marta Rezende disse...

Sim Jorge, mantenha o Utopia de Buenos Aires. Máquina de guerra. Não nos abandone jamais. Esperamos cobertura dos temas bacanas que vai falar e ouvir nos eventos. Conte nos tudo que puder. Divirta-se.
beijo
M

Para um viajante, nunca é demais mandar um poema tão bonito como esse do Kavafis, tão delicado nessa tradução do grego pelo haroldo de campos.

ÍTACA
Konstantinos Kaváfis
(Trad. Haroldo de Campos)

Quando , de volta , viajares para Ítaca
roga que tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Cíclopes,
ao colério Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrará em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e seleta
a emoção que tocar teu alento e teu corpo.
Nem Lestrigões nem Cíclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não os tiveres imbuído em teu espírito,
se teu espírito não os sucitar diante de si.

Roga que sua rota seja longa,
que, mútiplas se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez num porto ignoto!
Faze escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas;
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.

Detém-te nas cidades do Egito -nas muitas cidades-
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar sua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa duradoura,
que aportes velho, finalmente à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.

Samara Dairel Ribeiro disse...

Jorgito, levemos algo leve e doce. Apenas uma muda de roupa, o amor e a certeza do (re)encontro com os amigos, os velhos e os novos. Assim, haverá espaço de sobra para voltarmos (re)carregados daquilo que levamos. Afastar-se de quem se ama é necessário, é vital, voltar também. Lá estaremos como extensão de território já conhecido, corpos-festa-continente-solidariedade. Vamos...
bjs com carinho e até lá, samara.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

marta, conectarei e passarei as coisas boas:buscando dar intensidade nos elos rizomáticos que as madres mant~em com a vida. beijos jorge

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Samara, iremos leves... prontos para voar e descobrir os céus de Buenos Aires, com seus sonhos e encantos abraços jorge

Maria Alice disse...

Sempre trabalhei com meus alunos temas voltados para a "Simplicidade Voluntária".
Simplicidade: acreditei e pratiquei... Simplicidade: acredito e pratico... ela é linda. Pouco nesta vida me deixa feliz.
O peso das nossas malas é o peso da nossa segurança.
Mesmo atrasada, não poderia deixar de postar este rico texto nos comentários do DIÁRIO DE BORDO: VIAGENS E O PESO DAS MALAS.

O PESO QUE A GENTE LEVA...

Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto carregando o colchão para ser despachado?
As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade de ouvir aquela música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a primeira vez?
Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então, inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu pra nada.
É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor do mundo que nos pertence.
E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar: “Bom é partir. Bom mesmo é poder voltar!” Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu território. É conseqüência natural que faz o coração querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.
É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.
Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto de nossas lamúrias... Hospitais, asilos, internatos...
Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de alguma maneira pode nos humanizar.
Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro. Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve.

Abraços. Maria Alice

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Maria Alice, levarei o seu texto e o seu coração na minha mala; me ajudarão a viver melhor.
Não conseguirei ainda deixar minhas manias: ese é o peso que me aborrece...
Esvreva mais... que a máquina fica íntima sua.
A Lua é a dona da casa, é ela que atende os chamados - minha pequena princesa.
Espero manter o blog em ação en Buenos Aires.
Abraços jorge

Maria Alice disse...

Dr. Jorge, o autor do texto O PESO QUE A GENTE LEVA... é Pe. Fábio de Melo.
Desculpa-me, pela minha falha.
Abraços. Maria Alice