segunda-feira, 6 de junho de 2011

SOCIEDADE DE AMIGOS:

                      O ÍNDIO QUEIMADO
                                        Paulo Cecílio

NO LUGAR DO ACONCHEGO
DAS PLUMAS DE MEUS FAISÕES,
COBREM-ME BANDAGENS BRANCAS, 
NUM LEITO DESCONHECIDO, 
DESTA TRIBO ESTRANHA...





NO ASILO 
                                                                              Paulo Cecílio

HÁ HOMENS EXILADOS

INTRA-MUROS DE TRES METROS,
EM QUE DESFILAM FIOS TENSOS,
ONDE SE QUEIMAM OS PÁSSAROS...

ESTES HOMENS, 

PLANTARAM MILHO VERDE.
NESTE CHÃO DURO BATIDO,
COLHERAM PAMONHAS QUENTES,
SEMEARAM ACÁCIAS AMARELAS.

ESTES HOMENS,

FIZERAM AMOR NO SERENO,
ACOLHERAM IMIGRANTES,
DIVIDIRAM  SOPA QUENTE ORANDO
SOBRE MESAS DE JATOBÁ.

ESTES HOMENS,

AGORA MENDiGOS ESQUÁLIDOS
LEVARAM NO COLO OS ALGOZES
QUE HOJE LHES ROUBAM O NOME,
E ESQUECEM SUA MEMÓRIAS...

2 comentários:

Concha Rousia disse...

Amo este poema porque me dói, até gostaria de tê-lo escrito eu, sim, me sinto nele, é terrível, terrível, como uma digestão que nos devora... eu sou indígena da minha Terra... vou deixar aqui para o amigo Paulo Cecílio, com um abraço de ternura para todas e todos, meu poema:

Fui (

Houve um tempo em que fui índia
e corri descalça pelo campo
sem saber que o campo era meu
mas era
sem eu saber e sem saber o campo
-
e era livre sem saber que era
-
eu era...
sem saber que existia não ser
sem ter que achar palavra para o ser
eu era...
-
e agora ando à procura
sabedora de que eu fui
retorno à minha memória
e tudo muda de lugar como pó ao vento
inclusive aquilo que era eterno
ficou velado pelo tempo presente
sem futuro
sem pés nus
sem relva orvalhada a me inundar o espírito
...
nesse tempo que fui índia
fui água
fui rio
e fui lagoa...
sem saber que era
e agora volto a esses lugares inexistentes
e despovoam-se minhas memórias
e fui águia e amei a montanha
e ela que eu habitasse seu céu
e fui lobo a encher de som a noite
e fui lua que ama a terra
sem saber que a ama
e fui pessoa sem saber que era
-
e agora sou nada
e nem posso reter o que fui
tudo tornado areia no deserto da minha memória
sei que hei de voltar a mim
um dia
que hei de reclamar meu ser
um dia
mesmo ser eu sem saber que sou eu
mesmo ser tu sem saber que sou tu
mesmo ser pó sem saber que sou pó

Concha Rousia poeta da Galiza
Publicado no Recanto das Letras em 22/05/2008

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Concha, tua presença alegra e sua visceralidade nos ensina a viver com intensidade... U'a bela tribo; abraços com carinho, jorge