Jorge Bichuetti
Alvoreceu... O vento chegou antes que o sol e acordou-me com o canto dos álamos. Vi no orvalho que alimentava as rosas e o verde sonhos azuis. O céu toda dado à espera do Sol... quando Ele, enfim, chegou... já me misturava com cores e letras das histórias que contam os livros.
Meu corpo orvalha-se com o caudaloso rio dos livros empilhados: lidos, relidos e outros não-lidos; todos, vozes... visões... alucinações... Tentativas de libertar; armadilhas de escravizar... Uns alentam; outros inquietam... Provocam... São as flores e os frutos das árvores humanas... Ninhos que minha alma de passarinho encontra para repouso e recomposição; asas que minha alma de andarilho descobre para voar e buscar novos sonhos...
Tudo pela arte de caminhar...
Caminhar não é tamborilar o chão com os nossos pés...
Caminhar é desbravar o desconhecido território do novo, do por-vir, dos sonhos...
A vida fenece quando se desconecta da arte de sonhar e sonhar-se...
O passado é a vida mumificada no cemitério das lembranças; o futuro, a miragem silenciosa que pulsa entre o desejo de ressurreição do ontem e os anseios gestativos do novo.
Ser o mesmo não é autenticidade; é reificação de um si mesmo que moribundo teima e permanece claudicante...
Inovar-se; reinventar-se... é andar entre fontes e pontes sem medo da vida nova que emerge na aurora.
O novo angustia... Aterroriza... Dá medo e insegurança...
Mas, como viver sem a esperança que é sempre uma incubadora do novo, incrustada nas entranhas do agora...
A espera é força que inspira luta e resistência; seduz... encanta... E encantados damos novos passos...
Novos passos - passagem, transição... Um salto pela alegria e pela paz...
O desassossego é a força motriz do caminhar inovando a vida nas encruzilhadas do novo.
Que buscamos?...
Ir além do humano definido por mãos pés acorrentados no ontem...
O humano é inacabamento... Permanente reinvenção.
Não desvitalizemos nossas esperanças... não engavetemos nossos sonhos...
Viver é recomeçar... Contudo, o recomeço é instante de redefinições: desnudos, podemos nos aventurar por novos caminhos, novas experiências...
A vida é uma estrela bailarina...
Bailemos... Cantemos... Brinquemos...
Não titubeemos: nossa vida anda carente de cor, cheiro e movimento... Um novo canto...
Ninguém é livre, se não rompe com a escuridão que nos cega a existência...
Ninguém é livre, se não desata as correntes que nos mantêm na mesmice de uma vida nos trilhos da ordem instituída.
Rebelemo-nos... Podemos ser diferentes... Podemos dar voo à diversidade...
O ser humano se constrói entre o sonho e a razão; entre a arte e o mercado...
A razão prático-instrumental nos retirou do mundo de magia e encantos... Roubou-nos o paraíso da criatividade... Anulou nosso própria singularidade...
Assim, tornamo-nos homens cinzentos e tristes... Violentos e excludentes... tudo pela ordem...
Aprisionaram, para tanto, a esperança... Sedaram nossa coragem e nossa ousadia...
Porém, já não suportamos viver por viver... viver para morrer...
Precisamos urgentemente de "tomar o céu de assalto"... Buscar um pouco de ternura no perfume das flores; um quanto de solidariedade na beleza do céu estrelado... algo de compaixão no silêncio das folhas secas que readubam incessantemente o chão...
Voemos, então, com as asas de águia da esperança ativa...