quarta-feira, 12 de setembro de 2012

DIÁRIO DE BORDO: AS ENCRUZILHADAS DA EXISTÊNCIA

                              Jorge Bichuetti

No alvorecer, ouvindo os pássaros vadios e sentindo as carícias anônimas do orvalho, por um momento, esqueci dos aborrecimentos e frustrações cotidianas, para tão-somente perceber-me filho da imensidão.
O mundo é um emaranhado de caminhos e horizontes... Entre nós e a imensidão, existe o mundo, muitos mundos... Mundos que se realizam e forjam os limites da vida... E outros mundos que não vemos, não escutamos, nem cheiramos; porém, existem como virtualidades que só não são paridas porque as excluímos do cotidiano, do real-concreto...
Muitos acreditam que estes mundos moram no território das utopias, das poesias, das magias, dos sonhos...
E, assim, os classificam como mundos ilusórios, fantasmagóricos...
Esquecem que a restrição da vida ao racionalismo foi uma operação histórica... Processou-se um desencantamento do mundo e uma hegemonização do modo pragmático e imediatista, matemático e concretista de ver, sentir e desejar no mundo...
Neste processo, houve a reificação do individualismo, do consumismo, do ser humano como um ser do e para o mercado...
Era engendrada uma subjetividade funcional ao processo de acumulação capitalista... Uma servidão do do produtivo-fabril em detrimento do lúdico, do mágico, e do artístico...
Tornamo-nos peças de uma máquina; tornamo-nos força de trabalho - mercadoria; e mecanizamos nossas existências para que o nosso corpo pudesse ser otimizado na sua capacidade máxima de produzir outras mercadorias...
Assim, vivemos como parafusos da engrenagem maior - o capitalismo mundial integrado...
Desconectados dos nossos próprios desejos e sonhos, das nossas tradições ancestrais, do outro como encontro e das atividades que marginalizadas, por não estarem sincronizadas com a lógica da produtividade alienada, passaram a ser atividades desvalorizadas... perdemos, então, nossa capacidade de brincar, de borboletear, de vadiar, de poetizar, de viajar na magia dos sonhos... e até mesmo de amar e se dar com intensidade... 
Só os loucos podem...
Até a paixão e a fé se viram objetos de processos racionalizantes que as isolaram do seu funcionamento singular - a radicalidade ética-afetiva-emocional... Podem, se razoáveis... e lê-se razoáveis como adequadas ao mundo instituído, ao status quo...
Francisco de Assis - só de madeira e barro...
Amores intensos e tresloucados - só no cinema...
No entanto, hoje, vivemos uma nova encruzilhada...
A racionalidade prático-instrumental criou um mundo banal, violento, consumista, narcísico, de tédio, angústia e solidão...
Afirma Birmam que a contemporaneidade é marcada por um modo de andar a vida - somos todos deprimidos, panicados e toxicodependentes...
Encapsulados e robotizados, consumimos...
Globalizados... permanecemos perenemente antenados, porém, sós... Há mecanismos vigilantes de evitação do encontro... 
Encontrar-se com o outro é perigoso, pois no encontro afetamos e somos afetados... descobrimos o que pode a alegria... Há uma verdadeira irrupção de ternura e compaixão, solidariedade e respeito includente...
Nesta encruzilhada, por mais que deleguemos aos poderosos o domínio da história, somos chamados a optar...
Que destino almejamos?... O que queremos da nossa existência?...
Daí a preocupação do sistema de desclassificar a potência da arte e da utopia... Do brincar e do sonhar...
Elas precisam ser evitadas, para que não deixemos aflorar na nossa pele a nossa própria humanidade... São forças insurgentes, são maquinações que mobilizam a rebeldia e a criatividade... o desejo de alvorecer com a convicção de nada é dado para sempre... uma vez que a vida é uma fecunda incubadora do novo, do inesperado, da diferença e do devir...
Reflitamos: por que temer o direito de ser feliz?... por que não desnudar na nossa fragilidade o humano que no pântano se cobre de lírios e sobre o abismo voa no esplendor do horizonte azul?...
Ousemos viver... enluarados de aurora...


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