domingo, 31 de janeiro de 2010

Lições de Baremblitt : meter o o corpo

METER O CORPO NO ESQUIZODRAMA

                                                 jorge bichueti






Casa do Folclore, Encontro de Esquizodrama, Uberaba. Era um fim de tarde com o sonoro canto da natureza e com o céu já num rosa-lilás-vermelho que chamava à quietude e à meditação.

Ocorria o último esquizodrama, final de encontro: conversas, abraços, alegria...

Chegando para plenária final, e vendo um intenso esquizodrama, vivo e alegre, potente e encantado, Gregorio afirmou, com voz firme e clara:

- En esquizodrama, hay que meter el cuerpo...

De fato, o esquizodrama - drama do devir – é um trabalho de experimentações na intensidade onde é fundamental ter-se nele o corpo – de todos, coordenadores e participantes, ter-se metido o corpo

Spinoza puro – o que pode um corpo...

A dramatização que é intensidade visceral de Deleuze- Foucault.

Então, pensamos é...

Tentando aprofundar meu entendimento, já que sempre pressinto nos comentários do professor Gregorio férteis linhas de produção.

Multipliquei o escutado, com singelas anotações que fiz nos dicionários...

Meter, do latin mittêre – voltar, enviar...

Nosso corpo vive ausente, somos demasidos racionais, se necessitamos de sua potência, urge presentificá-lo, fazê-lo voltar a cena, enviá-lo ao encontro, para que não seja este encontro-trabalho mero bla-bla-bla ou representação cinematográfica.

Para a Real Academia, meter é prender, introduzir, incluir em algo, ocasionar, isto é, poder criativo, colocar / por, gastar, dedicar, provocar...

E  meter-se é, então, refletir: refletir, elaborar, pensar com o corpo...

Na Argentina, metejón é enamoramento e grande atração... poder de sedução...

O corpo pode e no esquizodrama pode produzir-se novo, se presente, todo mergulhado no trabalho com paixão, e é por tudo isso, que podemos dizer que o importante no esquizodrama é a pele, as vísceras , o corpo presentificado na intensidade das paixões alegres e libertado do seu estropiamento cotidiano, para se meter na coisa como posição de desejo e vontade de potência.

Ali, um corpo pode ocasionar devires e, também, devir-se corpo novo.

E, assim, não é de extranhar-se que sempre nos surpreendamos com o que pode um esquizodrama...

Angústia e cultura

ANGÚSTIA E CULTURA

                            
Jorge Bichuetti








Vivemos angustiados... A civilização que centrou-se na idolatria de um mundo, o mundo de vendedores e vencedores como ideal de felicidade, não parece capaz de livrar-nos da angústia inerente a vida de relações, relações do homem com o seu destino, com outros homens e com a própria natureza.

Freud no texto “Mal-estar de uma civilização” diagnostica a angústia do homem e a percebe nos meandros da produção cultural. Vê o homem impotente diante da infelicidade. Angustiado... E assim, tendendo a um retorno narcísico como meio de se obter a serenidade da fusão oceânica experienciada antes da sua construção enquanto um ser de identidade.

Ele deu valor heurístico, generalizando, o que é apenas um modo de ser, estar e sentir peculiar a uma civilização: a nossa sociedade de registro e controle.

O outro, deste modo, assusta-nos pois no registro e controle das identificações o homem vive a angústia de ser alguém que se manifesta na necessidade de se manter o mesmo, o ser da identidade construído a partir da evitação do novo, do inusitado, do devir e da afirmação do modo de funcionar édipico.

Modo este, segundo Freud, produtor de simbioses. Vide a sua definição do enamorar-se: no amor, ele percebe uma simbiose fisiológica. E no cotidiano, uma perene angústia pelo desejo-perigo da simbiose na relação com outro, simbiose esta que por sua vez também se origina, por derivação, da angustiante impotência humana diante dos limites da vida.

Lendo a vida, Freud percebe assim a produção da cultura germinando-se da angústia. Observa: o homem amortizando suas dores, ao reproduzir destrutivamente (p. ex., na drogadição) e positivamente (p. ex., numa obra de arte) os seus complexos, a sua angústia...

Deleuze - Guattari acrescentam à obra de Freud contribuições relevantes. Demonstram o inconsciente produzindo, bifurcando-se criativamente quando se permite não-capturado pelo registro da identidade rígida e nuclear, quando este emerge, então, na sua natureza desejante de propulsor dos devires, dos agenciamentos das potências de vida.

Uma obra de arte, assim, é mais, muito mais, do que uma mera reprodução dos registros inconscientes. É criação... Que guarda o estatuto de ser, para além da sublimação. Um produto que desgarra-se da angústia exatamente por reinventar a vida, abandonando os complexos, maquinando linhas de fuga e ilhotas de alteridade que não se remetem ao passado, mas ao devir... À busca de uma estética e de uma ética que descortinem o amanhã no coração dos acontecimentos, da vida plenificada no humano. No humano onde a indagação filosófica sobre a vida é clareada pela travessia, e não pela repetição, pelo redemoinho segundo Monsenhor Juvenal Arduini: “O homem é capaz de partir e chegar. Mas o que o define mesmo é a estrada. Mais do que ser de chegada e de partida, o homem é um ser de estrada. É o eterno caminhante. É um peregrino obstinado. É um estradeiro infatigável”.

CURSO DE SAÚDE MENTAL PARA O PSF / ATENÇÃO BÁSICA

 curso de saúde mental

Professores:
jorge bichueti
maria de fátima de oliveira
celso peito macedo

Carga Horária: 40 hs

Público-alvo: agentes comunitários, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, psicólogos, terapêutas ocupacionais, assistentes sociais, fisiterapêutas e outros...




 O curso visa capacitar o cuidado de portadores de sofrimento mental na atenção básica e psf, nos hospitais, enfim, na rede do SUS.
 Com linguagem e conteúdo adequado a realidade de um aprendizado dinâmico, que viabilze a tomada de ações.

Conteúdo:
*Acolhimento: vínculo, encargo e co-responsabilização.
*Cuidado
*Reforma psiquiátrica e desinstitucionalização
*Crise
*Sofrimento Mental: psicose, neuroses e perversões
* Dependência Química
*Reabilitação Psicossocial
*Intervenções terapêuticas: medicação, psicoterapia e acompanhamento terapêutico
*Grupos e oficinas terapêuticas
*Família
*Trabalho em equipe
                                                                    

TRABALHO COM EQUIPES

TREINAMENTO E SUPERVISÃO: TRABALHANDO EQUIPES


                       TRABALHO COM EQUIPES

jorge bichuetti
maria de fátima oliveira
lia mocho
camila bahia
patrícia àvila
cida cruvinel
samara dairel ribeiro





A intervenção numa equipe visa :

- identificar nós, bloqueios, conflitos e produzir caminhos de superação;

- trabalhar a angústia e o desgaste no trabalho, transformando o modo de trabalhar;

- transversalizar as relações interpessoais, gerando harmonia, serenidade e alegria;

- propiciar a superação da competição e da inveja, possibilitando vínculos de cooperação e solidariedade;

- potencializar a capacidade de criar e produzir, numa perspectiva dionísica;

- e , finalmente, gestar um plano de ações e convivência, de clareza nas comunicações e de ética nas relações...



O método de trabalho é vivencial, o que permite mudar atitudes, somado com conhecimentos que são adquiridos no processo.

Usa-se: a análise institucional, e laboratórios esquizodramáticos.



É uma caminhanda...

Pedagogicamente, podemos visualizá-lo nas seguintes fase:

1. Diagmóstico-situacional dos problemas

2. Trabalho de superação dos problemas

3. Da Angústia à alegria, do desgate à potência criativa.

4. Comunicação

5. Relações interpessoais: caminhos para a cooperação e a solidariedade.

6. O diálogo: os não-ditos, os segredos e lendas da equipe. Comunicação suave e direta.

7. Potencialização de capacidades e do funcionamento como equipe.

8. Plano de ação: há um futuro no meio da pedra...



A duração da intervençao depende do contrato, sendo fatores condicionantes o tamanho da equipe e a complexidade de suas viências do momento.



Público-alvo: empresas, escolas, creches, asilos, equipamentos de saúde e serviço social, órgãos ou departamentos governamentais.

Qualquer coletivo que se vincule pelo trabalho.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Diário de Bordo: direitos humanos

DIÁRIO DE BORDO: DIREITOS HUMANOS , POTÊNCIA DE VIDA - LIBERDADE E JUSTIÇA SOCIAL

                                      jorge bichuetti






Chove. Entretanto, não é o cinzento do céu com suas nuvens que me oprime o peito.

Chove e não se ouve nada além neste incompreensível silêncio.

Nem o som de uma canção; nem o piado de um pássaro, só este silêncio enlouquecedor.

Maldito silêncio...

Nele, grita, uiva, troveja... o passado.

A história não deixa de assombrar se persiste, nebulosa.

O Programa Nacional de Direitos Humanos - 3 está em cena, mas o Brasil não percebeu que a hora é agora.

Hora de libertar-se de uma vez por todas do nosso espúrio passado.

Tortutas, desaparecidos, assassinatos: crimes cruéis de um fascismo que um dia calou os sonhos de um povo e de uma pátria. Nossa pátria – mãe tão gentil...

O PNDH – 3 vem com o papel de instituir a inclusão social, a cidadania plena, a liberdade e a justiça.

... Os que temem os direitos do homem, com estatuto de proteção à vida e a liberdade, já se levantaram.

O plano é polêmico, dizem.

De onde falam: falam do poder falocêntrico e opressivo que não deseja um basta, não deseja que se cure as chagas da nossa vida social e da nossa história.

Negam:

- a Comissão da Verdade que deverá examinar os crimes cometidos pela ditadura militar no período de 1964 – 1985. Não querem punidos os responsáveis pela tortura, pelos desaparecimento e pelos assassinatos. Querem o esquecimento, pois , assim, esquecido o mal, ele volta sem dificuldades na hora que julgarem, de novo, necessário matar o sonho, castrar a liberdade e destruir os cidadãos;

O silêncio pesa...

É possível esquecer...

Tortura, nunca mais...

O fascismo de ontem silenciava, destruindo, hoje, ele destrói a possibilidade de uma sociedade se afirmar pela vida, destruíndo a memória, a história, sua palavra e seu julgamento, assim, querem o siilêncio.

Pau-de-arara, choque elétrico... As balas do fuzil... Agiram, mortificaram a vida e seus sonhos.

... Quem são autores destes crimes?

Silêncio.

Que país é este? – pergunta a canção.

Cazuza pede ¨Brasil mostra sua cara, quero ver quem paga pra gente ser assim...¨

E nós?

O silêncio me machuca...

Sem Gonzaguinha na vitrola, sem Elis na corda-bamba, sem os cartuns de Henfil...

Ah! Como machuca este silêncio...

Deixemos a comodidade do berço explêndido, e digamos algo...

Este silêncio, não!...

Que sejam julgados e condenados os culpados, sim; e que possamos retomar nossa história com a coragem de optar pelo radical respeito aos direitos humanos, pelo direito à diferença, pelo justiça e pela liberdade.

Portanto, quebremos o silêncio e falemos...

Comissão da Verdade, sim; pois, nós cantamoscom Dom Pedro Casaldáliga: eu creio na justiça e na esperança...

Obs. abordaremos na sequencia os outros pontos polêmicos do PNDH-3_

Mestres do Caminho: Cora Coralina

NÃO SEI...


                   Cora Coralina






Não sei... se a vida é curta...

Não sei...

Não sei...

se a vida é curta
ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar.

esquizodrama do cuidado

   Esquizodrama do Cuidado
Jorge Bichuetti
Maria de Fátima Oliveira






O acolhimento é estratégico na mudança do modo de cuidar.
    E, ele, para plenificar-se necessita da invenção de novas práticas de cuidado, isto é, da superação do modo asséptico, de baixa afetividade,, scripit pronto e ações corretivas do modelo tradicional.
    Estes esquizodramas visam, assim, propiciar a re-invenção do cuidado.
      
          Aquecimento.
    1. Alongamentos, exercícios bioenergéticos e danças tribais com hiperventilação.
    2. Sensibilização: escuta-se, então, a música ¨Gente Humilde¨.

          Movimento 1
     - Em grupos, discutem-se a dor do usuário;
     - criam-se e apresentam-se as cenas de dor;
     - intensificam-se problematizam-se as cenas.

         Movimento 2
      - Montam-se cenas do cuidado feito com o modo de funcionar dos serviços;
      - conversam-se.

          Movimento 3
       Versão A
       - os grupos irão agora inventar um cuidado acolhedor para cada dor encenada, como:
          * crianças, usando o brincar;
          * índios, através de rituais tribais;
          * artistas, mediando a ação pela arte ( uma obra de arte);
          * loucos, com a desrazão, a loucura linda de Pichón-Riviere, inventarão um cuidado à moda do louco.

           Movimento 4
        - Conversar e extrair das experimentações linhas, traços, atos, atitudes, modos de agir e afetos para mudanças concretas no dia-a-dia do cuidado.

           Fechamento
         Valsa, samba, performace: uma elegia ao direito à saúde
          ou
         Uma estátua que represente um novo cuidado alegria-vida-suavidade.

                                                          ***

          Este esquizodrama já foi trabalhado de inúmeras maneiras, assinalaremos aqui outras duas versões para o movimento 3.

         Versão B
          Usando-se o surrealismo, ir à deriva, cada grupo sorteará tr~es elementos para compor a sua invenção de um novo cuidado.
          Por exemplo:
          Elemento 1 - Natureza: flores, pôr-do-sol, chuva, cachoeira, céu estrelado, revoada de pássaros etc...
          Elemento 2 - Cultura: poesias, canções, viola, fogão-de-lenha, serenata, dança etc...
          Elemento 3 - Conceitos, sentimentos,  ou estados de ânimo: alegria, linha de fuga, ternura, tranversalidade, carinho, compaixão, rede, solidariedade, multiplicidade etc...
          Cada grupo terá aleatoriamente três diretrizes ( concretas ou suas ressônancias / afetações ) e com elas invertar-se-á uma prática de cuidado.

          Versão C
           Baseia-se no conceito de cuidado de Leonardo Boff.
          Cada grupo trabalhara um elemento do conceito na reinvenção do cuidado: amor, compaixão, ternura vital, carícia essencial, justa medida, conviviabilidade e solidariedade.
         Obs. Pode-se ou não agregar outras diretrizes.

                                                             ***

          Não se pode deixar de dizer que os construímos fortemente afetados pela produção de Merhry e equipe, Sílvia Matumoto e Cinira Fortunato.
          Já o realizamos com trabalhadores e estudantes do PSF, do CAPS, da Universidade e em Congressos e sempre saímos com a emoção alegre de que o cuidado que hoje é exclusão e impotência, pode se transformar e devir, efetivamente, cuidado alegria-potência-suavidade, enfim, amor.


 

      

  ¨ QUALQUER AMOR JÁ É UM CADINHO DE SAÚDE,

            UM DESCANSO NA LOUCURA. ¨ GUIMARÃES ROSA

         ¨ ... E QUALQUER DESATENÇÃO, FAÇA NÃO...

           PODE SER A GOTA D'ÁGUA.¨ MARIA BETHANIA



                                    



           PRÓXMIMOS ESQUIZODRAMAS:

                      ESQUIZODRAMA DO AMOR

                      ESQUIZODRAMA DO TEMPO

                      ESQUIZODRAMA  DO CUIDADO-EQUIPE-TRANSVERSALIDADE









poemas para os que desejam na vida, viver

Multiplicidade


                   jorge bichuetti


Amo a diversidade:

água e fogo, terra e ar...

Um bicho feroz na mata,

um girassol na cidade...

Um índio, uma criança,

uma mulher faceira,

um guerreiro,

um feiticeiro...

O homem é u’a aventura,

uma multiplicidade.

O segredo não é ser um,

basta compor-se muitos

com os elos da suavidade.

                                  *****************************
 
Prazer

   jorge bichuetti



Na rua do pecado,

mora a lua e o violão

que se juntam

no orgasmo

melodiando a vida

com o toque de um refrão...



O sexo não é pecado,

é sublime união;

dois corpos, uma alma:

duas estrelas em-fusão...

sobre o amor

SOBRE O AMOR E O AMAR

                              Jorge Bichuetti


O consultório de um psiquiatra se vê, frequentemente, visitado por uma demanda que se universalizou, nos tempos modernos, e se tornou lágrima, desencanto, tédio e desespero: a crise das relações afetivas.

E como não podemos nos furtar à obrigação de enfrentar o desafio de refazer o objeto da psiquiatria subtraindo a visão arcaica que cuidava de doenças e agir, sabendo que é preciso definir como campo de atuação do profissional psi a existência-sofrimento e sua conexão com o social, esta questão-a dor amorosa-exige acolhimento.

“Qualquer amor já é um cadinho de saúde, um descanso na loucura”, fala-nos Guimarães Rosa. “Qualquer maneira de amor vale a pena”, grita o canto das Geraes.

Assim, podemos inferir que toda vivência de desamor é um caos, uma desordem interna, um sofrimento de uma intensidade tal onde a pessoa se percebe diante dos fantasmas da loucura e da morte.

O amor vitaliza, dá chão, e multiplica flores e estrelas na estrada de nossas existência.

O amor organiza o nosso cotidiano, dá destino, e provoca no homem a capacidade de criar na finitude de uma existência a alegria e paciência de ser e estar na infinitude da vida que se transforma, enriquecendo-se na sonoridade sinfônica da história.

Se o amor é tão vital, por que o tememos tanto? Por que o fazemos gestar tantas dores? Afinal, por que tanto desamor?

Recordo, aqui, uma canção: “O medo de amar é o medo de ser... de ser livre”. (Beto Guedes)

Ah! Queremos liberdade, e a evitamos? Sim, por mais paradoxal nos pareça esta situação, ela é, e é de fato.

No amor, o homem depara com as dificuldades de gerir a sua socialização. Ser com outro, sem se perder; e ser com o outro, sem sufocar a possibilidade do outro ser por si mesmo.

Todavia, todos nós queremos, queremos “a sorte de um amor tranquilo/ com sabor de fruta mordida”. (Cazuza)

Que fazer, então, da dor amorosa? Do cíume, da possessividade, da dependência? Da dor de uma perda? Que fazer...

O homem precisa aprender a amar. Para tanto, necessitamos de romper com as limitações do nosso modo de funcionar. Romper com o amor-dependência (narcísico-simbiótico); amor-propriedade privada (dominação - exclusividade); amor-exclusão (único e fora do mundo e de seus acontecimentos).

Um novo modo de amar: para amar muito, muitos... amar na relação afetiva, mas também, amar a comunidade, a natureza e o cosmos.

Amar, viabilizando-se devir... ternura, cumplicidade, solidariedade recíproca. Confiança. Amor-aliança. Aliança com o outro e com a vida.

Assim, sobre o amor e o amar estaremos numa lida, já não mais no domínio do arquétipo-calvário, e, sim, amando num caminhar contaminados pela benção da paz. Isto é, cantando: “mora na filosofia, prá que juntar amor e dor”.

sobre o amor e o amar

SOBRE O AMOR E O AMAR
                         jorge bichuetti





Todo amor é caminho

de êxtase e desencanto;

uma flor e um espinho,

um entre o riso e o pranto.



A luz do nosso amor

é fogo e vagalume;

assim, há de se lenha por

pra não seguirmos sem lume.



Se vivo, só por amar,

vagabundeio entre sonhos;

minha alma segue no mar,

no cais, meus fatos tristonhos.

Lições de Baremblitt: amor e dependência

LIÇÕES DE BAREMBLITT

                             AMOR E DEPENDÊNCIA
                    Jorge bichuetti






                                                           
Você sabe o que ter um amor, meu senhor,

ter loucuras por uma mulher

e depois, encontrar esse amor , meu senhor,

nos braços de um tipo qualquer.¨

Vivemos a dor de amar sob o registro do édipo: amor possessivo, competitivo e triangular.

Um amor fadado ao esgotamento.

E carregamos a ilusão romântica do amor ideal, eterno e único: um cavalo branco, uma princesa, almas gêmeas, sapos e abóboras...

Assim, vivemos e sofremos.

Certa vez, sofrendo a perda de um grande amor., destes que ¨morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete, sem luar , sem violão.¨

Vivi um encontro terapêutico inesquecível.

Baremblitt ouvia-me, terno e acolhedor, cúmplice.

Eu falava da minha dor. Dor-dependente, de quem via a vida se esvaziar na partida sem adeus de quem já não estava.

Conversávamos, e eu me armava iludido. Falava mal... de mim. Da minha simbiose, da minha maneira dependente de querer.

Ele escutava, paciente.

Então, disse algo que me transformou e trago comigo como pérola, estrela e alvitre do porvir:

- Não se quebra tão fácil o modo simbíotico de amar e ser. Mas quem cultivam uma multiplicidade de dependências não é escravo de nenhuma. É livre...

///

Acordei. O pesadelo passou....

Numa frase, ele havia me mostrado a geografia do amor dependente.

Esvazíamos nossa vida, não fazemos mais novos investimentos...

Esquecemos nossos sonhos, nossos projetos e só vivemos o amor: amor-centro, vida-árvore nucleada....

Saí da sessão, e, logo, me pus recoradando: os amigos, a política, as canções, os livros, meu trabalho, a poesia, meus n amores. A Mangueira, Cartola e Rosa, Pessoa tão impessoal e O Rio grande, tão ninho...

A vida é feita de incontáveis linhas, rizomatizá-las, com a intensidade desejante de uma paixão viril, a todas, é inventar uma máquina de guerra que nos torna homens de redes, fluindo livres do mar, longe do anzol da simbiose.

Por uma rede se passa, se flui, reinventa-se... Com, nos entres e no es...

¨Escapei com vida¨...

E já não ¨sou fera ferida no corpo, na alma e no coração.¨

Declamo com Quimtana: Aos que atravacam o meu caminho, a minha certeza... eles passarão , eu...passarinho...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

diário de bordo: saúde, potência de vida

Sobre a potência de um corpo e de uma equipe
jorge bichuetti




A saúde e sua expressão de clínica ampliada é potência?
 A clínica passiva, ortopédica, de normatização é sempre captura, reprodução e antiprodução.
¨´lá um corpo extendido no cão, em vez de uma prece, uma praga de alguém.
    e um silêncio servindo de amém¨.
  Assim, nesta perspectiva, Baremblitt conceituou Klínica: com K, de movimento, devir...
 A clínica ampliada na potência da transversalidade de uma equipe tende a se dar como Klínica.
 O que pode um corpo?
 Pode produzir vida, alegria, ternura e suavidade.
 Onde mora a potência?
 Para a esquizoanálise, nos es e nos entres que alisando a vida possibilita a emergência do novo, do diferente, do devir.
 A clínica ampliada é um processo de cuidado que gera alisamento, perda das segmentaridades típicas dos especialistas e  das relações verticais e com centro.
 Neste sentido, parece claro que uma clínica ampliada, se potente, o é por funcionar rizomaticamente.
 Ela, então, se verá com dois problemas valiosos.
 Primeiro, a necesidade de superar-se enquanto somatória de atos individuais de especialistas, para se construir no entre das singularidades dos seus atores e de suas ações, com, igualmente, se sentirá levada a gerar zonas de transversalidade.
Segundo, nosso conceito de saúde precisa modificar-se.
Na clínica tradicional, ele é dado por uma visão de que doença é negatividade, defeito, falência...
Consequentemente, o doente torna-se nulidade.
Deleuze, viu na doença um alisamento do Corpo Cheio e, assim, a defnia como potência.
... Uma nova potência. Negada por um mundo que vive a ditadura da vitória, da força bruta, da juventude  e da felicidade ( Foucault ).
A potência que existe na doença é a da suavidade. Abre-se a possibilidade de se devir suavidade.
... Uma quebra do narcisismo das equipes e na sua rostridade.
... Uma quebra no nosso ideal de busca do elixir da vida eterna.
Novas buscas, novas interlocuções: a clínica agora é fonte de potência de vida que se abre ao devir.
Deste modo, voltamos a Canguilhen: saúde e doença são modos de andar a vida.
Nossas ações: intervenções de produção de alegria e ternura, solidariedade e suavidade.
Neste mesmo sentido, Rotelli ousou trocar o conceito de cura pelo de emancipação.
 ¨Viver e não ter a vergonha de ser feliz¨.
 ¨Viver não necessário. Necessário é criar¨.
Para todos, o direito de ¨um amor com sabor de fruta mordida¨
* Este é um diálogo com a amiga Cris de Chapecó. Provisório e descartável. Entre livros, poesias e canções... Tudo é fugaz, se não permeamos nossos atos e palavras com um ousado e insurgente desejo de libertação.
Por uma Klínica que sonhe com a NOVA TERRA, e com um POVO POR-VIR...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010


O ANJO

  jorge bichuetti


Clareia o horizonte
e, no céu,
distante e perto,
persiste uma estrela.

Ela brilha, dissimulada.
Duplamente, esconde:
um mistério, uma magia.
Traz o azul do dia
e o prateado do luar.

Nela, mora um anjo...

                                                                Ela é todo meu sonho:
busco um anjo
na estrela da manhã...

lições de baremblitt

                               CURA, ALTA, EMANCIPAÇÃO E MILITÂNCIA
                                                                                                   JORGE BICHUETTI



Fim de tarde. O crepúsculo forja uma quietude serena.
 Nem sempre...
 Durante um ano, mês a mês, tinhamos supeervisão de equipe.
 A equipe do CAPS se reunia e se via, com a co-visão de Barem,blitt.
 Ele é sempre um supervisor precioso.
 Atento, criativo. Se dá por inteiro.
 Nós, infelizmente, por um longo tempo lhe aturtimos com o mesmo: queixas, lamúrias e lamentações;
.:- Gregorio, e os crônicos?.... Que fazer?...
 - Ah! eles participam poco...
 - Não damos alta.
 Paciente tudo ouvia. Orientava....
 Não negava nossa angústia. Nem dizia que era angústia retrógrada, pois desde Rotelilli todos já havíamos abandonado o conceito de cura adotávamos o de emancipação.
 Um dia já exausto, olhou-nos com carinho e firmeza ( sabedoria `a flor da pele ), sabedoria impar, e assinalou:
 - Alta . nesta clínica, é militância....
 Deixar o lugar de doente, usuário e conquistar o espaço da luta. Alguma luta...
 Núcleos da luta antimanicomial por local de moradia, outras lutas ... Lutas...
 Até hoje, repercute sua fala... e eloqüente a sentimos verdadeira.
  Só deixamos o lugar de vítimas se ocupamos o espaco de guerreiros, lutadores....

na pessoa do pessoa

                                  Fernando Pesssoa: o homem do tamanho do seu sonho



¨Viver não é necessário. Necessário é criar¨

¨Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...¨

" Eu sei que não sou nada e que talvez nunca tenha tudo. Aparte isso, eu tenho em mim todos os sonhos do mundo"

"Segue o teu destino...


Rega as tuas plantas;

Ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

de árvores alheias¨

auto-retrato

AUTO-RETRATO

            jorge bichuetti


           




Procuro no espelho

e não me vejo...

Vejo

um velho sisudo e safado,

um monstro de traços angelicais,

um galã de circo,

uma pintura de palhaço,

um espantalho...

Só não vejo,

não encontro

o meu verdadeiro rosto:

uma criança escondida

numa cabana de índio.

a linguagem da loucura



A LINGUAGEM DA LOUCURA                                                          


                     Jorge Bichuetti

Vivemos. Sobrevivemos num mundo de luta. Luta-se pela manutenção da vida e até pela sobrevivência do planeta. Nós, os humanos, já enfrentamos a natureza hostil e hoje a natureza domesticada se vê vítima da ação dos homens, dos homens que sobrevivendo poluem a vida. Nós, os humanos estragamos o mundo e contudo nos denominamos normais. Somos normais: gramaticalmente corretos, vestidos de ternos cinzentos engomados, e agimos matematicamente calculados pelo scripit dos nossos interesses pessoais.

A terra chora: queimadas, rios poluídos, terras improdutivas, os gemidos da baleia e a saudade da pau-brasil... O homem sorri. Veste-se: é moda; fala: é comunicação; vende e se vende: é mercado...

E através da palavra, do raciocínio lógico, nós, o humano, relacionamos. Relações de amor e ódio, de guerra e paz são na aparência gestadas pela linguagem do cotidiano. Todavia, o cotidiano, visto e admitido é o cotidiano da normalidade esperada, instituída.

... Mas a vida não é apenas a linguagem da normalidade. Existem seres diferentes... Existem existências que produzem e se produzem como novidade. A loucura é uma novidade. Com linguagem própria... Não é matemática, nem gramática. É lógica? É fantasia? Pura ilusão?... Estranhamos a linguagem da loucura. A priori, estranhamos e a negamos... Negamos na loucura o poder criativo do que foge da lógica da sociedade de controle.

Diante do novo: tendemos a coerção e ao ideal de ver no outro, nós.

A loucura, porém, estranha. Ela provoca. Desafia... Uma outra linguagem... E se é nova, ela não se permite decifrável. Ela é em si o devir, o amanhã. Não é passado, equação matemática, símbolo codificado, ou correção linguística.

Erasmo, um dia, criticando o cotidiano, a vida que produz homens em série fez da sua palavra um veículo onde a loucura nos criticou. E ela disse. Disse muito. Falou do mesquinho da vida normal.

Quando vemos alguém em crise, alguém enlouquecido, alguém diferente, pretendemos escutar e interpretar usando a linguagem da normalidade e não percebemos que o novo é a utopia ativa, o inédito viável do inesquecível Mestre Paulo Freire.

Assim, diante de qualquer novidade, parece-nos mais pertinente reconhecer que a pergunta adequeda é: esta novidade é existencialmente coerente com o sonho de se poder viver, usufruir, desfrutar de uma vida e de um mundo onde a liberdade consiga colorir o dia-a-dia, com a vitória do humano devindo-se fraternidade, ternura e aliança cúmplice, a vitória do homem-ação pela vida, sua e do próximo. O homem-deus que se faz princípio, verbo, criação: direito de viver e amar.

um esquizodrama social

UN ESQUIZODRAMA SOCIAL


LA SUPERACIÓN DEL CAPITALISMO.EXPERIMENTACIONES CORPORALES Y CREACIONES VIRTUALES. ( UN ESQUIZODRAMA).

 Coordinador: Jorge Bichuetti

Duración: 2hs

Material técinco: sonido



Este taller, un Esquizodrama, trabaja basado en la experimentación corporal y en la creatividad inventiva, las contradicciones opresivas del capitalismo, economia de explotación del hombre por el hombre, de la dominación y de la mistificación.

Busca , también, la invención a traves de lo que puede un cuerpo (Spinoza), acá cuerpo social, creando nuevos modos de existir, nueva sociedad, el socialismo.

La técnica esquizodramática será desarrolllada teniendo como caja-de herramientas la bioenergética, hiperventilación,, la multiplicidade dramática e el teatro del oprimido.

Tras un calentamiento desterritorializante, serán compuestos como tareas grupales la representación de 1) La plusvalia, 2) La alienación, y 3) El fetichismo de La mercancia.. Primero, como estatua; despues como escena.

La escena se echará en uno foco de problematización y luchas....Tiene en este rato el objectivo de intensificarse las contradicciones y de percibirse las luchas inmanentes al funcionamiento del capitalismo.

Ahora, entonces, los grupos han de tejer nuevas posibilidades de producción y de relación entre los hombres: escenas de una vivencia de la producción sin la plusvalia; escenas de hombres viviendo sin lo asujeitamiento de la alienación y escenas de un mundo fuera de la lógica del fetichismo de la mercancia.

Esto puesto, se charlará confrontando los dos mundos.

El grupo concluirá diseñando las potencias del nuevo mundo necesario.

Por cierre, se hará una danza tribal de socialización, relajamiiento y intensificación de las salidas caviladas de nuestra realidad.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Coisas do Rosa

                                                                Travessia




Viver é etecetera

 Felicidade se acha é em horinhas de descuido

O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo...

                                         Todo abismo é navegável a barquinhos de papel ...
                              
                                                        JOÃO GUIMARÃES ROSA
                                                         LOUCOS E NORMAIS

                                                                                     Jorge Bichuetti



                                                             
O discurso médico ordena a vida. Dita os parâmetros da normalidade e codifica sintomas e modos de ser, diagnosticando o anormal. E age, ainda hoje, fenomenologicamente, isto é, tendo por base a compreensão matemática das vivências humanas.

O normal, assim, é o homem-médio.

Segundo Lineu Miziara, em “A Salamandra”, “a mediocridade institucionalizada”.

O louco, todavia, desafia as instituições. Enfrenta o hegemônico, o real instituído.

A roda da história não se mostra submissa diante da nosologia psiquiátrica. E redime loucos, neles reconhecendo vidas que anteciparam o futuro, desbravaram caminhos, reinventaram o destino.

... Todavia, a loucura é o humano crucificado e é sofrimento... Nem sempre devindo-se ressurreição.

Existem loucos perambulando pelas ruas, solitários e famintos. Outros ainda, trancafiados em porões públicos ou privados, longe da vida.

A antipsiquiatria questionou. Denunciou, porém, não conseguiu desnudar os mistérios da loucura.

Deleuze e Guattari nos legaram sugestivas pistas que permite a qualquer um que se dispa de seus preconceitos, aventurar-se na elaboração de um modo de ver e viver as crises e a própria vida, no fecundo terreno da produção do ser que se produz e se relaciona, produzindo da diferença uma nova vida, alternativa a ordem vigente e comprometida com uma ética de humanizar-se, humanizando o mundo ainda que seja com o preço de uma árdua luta.

A crise é a situação existencial de profundo questionamento do vivido, do instituído, do status quo.

Nela, existe um caos e uma utopia.

O caos é um espaço de produção. Da vida gestando-se nova e da vida-mais vida que já livre da sociedade de controle pode se ver germinando inovação, e não mera reprodução do preexistente.

Nem sempre do caos emerge a vida pela vida; dele também se devém morte, paralisia, acomodação.

Numa crise, se agenciamos o sofrimento na luta de uma utopia ativa por se afirmar como ser da diferença, dela saimos renovados e inovadores.

Quando, todavia, o controle e a repressão do real instituído consegue capturar o novo emergente e amordaçá-lo, o homem se torna o que conhecemos como esquizofrênico de asilo, o humano girando em falso, a dor da vitória da servidão.

Deve ser neste sentido que uma usuária definiu a loucura chamando-a de “o vazio da solidão de quem ama” e Dr. Gregorio F. Baremblitt de “a surra que o simulacro (ser diferente) tomou do sistema”.

amar

                                                                                 Amar
                                                                                     jorge bichuetti


Por uma nova suavidade,
reinventamos o amor;
solidão compartilhada
entre o espinho e a flor...

O amor é artigo de fé,
persistência e compreensão;
carinho multiplicado
entre o espanto e o perdão...

identidade e devir

Identidade e devir: análise da desinstitucionalização da identidade egóica e dos processos instituintes da crise num esquizodrama de psicóticos, NAPS – Uberaba, 2003.


Jorge Bichuetti

Maria de Fátima Oliveira


                  Introdução:


O homem tem sido um escravo de si mesmo. De um si mesmo produzido socialmente.

Somos (estamos) seres de identidade. Identidade rígida, permanente. Inflexível.

Somos (estamos) cópias ... Somos (estamos) seres de repetição; que tendemos a reprimir, amordaçar, marginalizar a emergência do simulacro, do diferente: do singular, da multiplicidade e da impessoalidade.

Temos identidade: com nome, identidade e CPF...

Temos identidade: um jeito de ser, sentir e agir previsível. Corretamente, levamos a vida com uma pauta-de-conduta, um repertório, já previamente definido. A priori, somos (estamos) no mundo cerceados pela nossa identidade restritiva e repetitiva, nela carregamos pré-delimitado o prescrito, o proscrito e o indiferente.

E temos uma identidade marcada pelo socius, pela rede de instituições, instituições que geram, o eu, como um instituto, uma entidade molar.

O eu - indivíduo, pessoa ou sujeito- é ser de repetições. (Baremblitt, 1998). Que se reproduz delimitado pela construção edípica , baseada na triangulação, no desejo de posse e exclusão e na função da identificação como mecanismo de perpetuação de eu-mesmisse.

Somos (estamos) repetindo o mesmo. A nossa identidade que se institue evitando o pulsar instituinte do devir.

O homem egóico evita-se novo...Desconhe-se a potência produtiva, inventiva e rizomática do inconsciente. Evita-se devir criança, animal, mineral... Evita-se devir imperceptível.

Somos (estamos) visíveis, com rosto, adereços, gestos e reações, e, também, vínculos e experiências próprias.

Paralisados, carregamos nosso ego, e ainda infelizes dizemos: mas, afinal eu sou assim...

Desconhecemos os outros mumificados, esquecidos ou ainda não inventados que dormitam em nós.

Ah! Como nos falta a coragem de Maria de Andrade (2000,pg 99):

“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,

As sensações renascem de si mesmas sem repouso,

Ôh espelhos, ôh Pirineus! ôh caiçaras!

Si um Deus morrer, irei no Piauí buscar outro.



Abraço no meu leito as melhores palavras,

E os suspiros que dou são violinos alheios;

Eu piso a terra como quem descobre a furto;

Nas esquinas, nos taxis, nas camarinhas seus próprios beijos.



Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,

Mas um dia afinal eu toparei comigo...

Tenhamos paciência, andorinhas curtas.

Só o esquecimento é que condensa,

E então minha alma servirá de abrigo”.



                          2. A crise e o ego:


O mundo do instituído, do organizado se mantém no espectro da estabilidade e da regularidade, embora abrigue em si forças instituintes que são cerceadas e negadas, às vezes, destruídas, doutras apenas amortizadas, controladas, ou ainda capturadas, isto é, postas à serviço da reprodução do status quo.

Contudo, a crise representa momento de desterritorialização do ordenado e a emergência disruptiva do instituinte, potencialmente criadora do novo.

A crise é uma potência instituinte (Baremblitt, 1994 e Bichuetti, 2000).

Negamos a crise. Idolatramos o normal.

“A normalidade é a mediocridade institucionalizada“ (Miziara)

A crise questiona a nossa situação de espíritos acorrentados e dela podemos nos devir espíritos

livres, nas expressões de Nietszche (Bichuetti,2000)

A desordem o caos de uma crise-pode ser agenciado na sua potência instituinte, isto é caosmótica das situações de loucura, paixão, arte e infância onde do desordenado, caótico se maquinam focos produtivos de alta complexidade, originárias do inédito, do inesperado e da inusitado

(Guatarri).

A crise – teria assim um pé na realteridade ( conceito de Gregorio F. Baremblitt), e na sua trajetória esquizoonte (conceito, também de Baremblitt) gerando acontecimentos, o diferente, o novo radical.

Porém, nem sempre, uma crise fecunda a existência com a produção de vida, vida nova. Ela pode ser vitimizada pelos mecanismos de exploração, dominação e mistificação do sistema, da ordem instituída e retrair-se via captura adaptativa ou perder-se, sem conseguir, reterritorializar-se, passando a existir no buraco negro (girando em falso), farrapo humano produzido pela antiprodução cronificante.



                 3. O Naps – Maria Boneca e Crise


O Naps é uma clínica intensiva de cuidado aos portadores de sofrimento mental grave.

Atende 125 usuários – em regime intensivo, de segunda a sextas, das 8às 15hrs (25); em regime semi-intensivo, três vezes na semana (50); e o restante, não-intensivo (50), três vezes ao mês.

Nega-se a centralidade da doença e tem por objeto “ a existência – sofrimento na sua conexão com o social “ ( Rotelli, 2001).

Norteia-se pela esquizoanálise de Deleuze – Guatarri e Baremblitt

O projeto terapêutico positiva a crise.Tal qual é definido, no texto Krisis:

Para pensar esta questão julgamos indispensável refletir filosoficamente sobre dois modos de conceituar o ser, ou seja, duas ontologias. Uma é, a tradição filosófica da positividade. Recorrendo a Nietzche:

“O verdadeiro afirmador, diz ele, não é aquele que pronuncia um sim a qualquer que seja a realidade, dispondo-se carregá-la sem ao menos selecioná-la ou avaliar seu peso. Não, este só pode ser o sim do asno, um sim indiferente e resignado. O sim dionisíaco, ao contrário traz consigo um não destruidor, um não capaz de anular o poder de uma realidade que é simples produto do negativo e obstáculo à criação, e abrir caminho para que a realidade positiva se produza, dando lugar aos devires ativos”. (1)

Outra tradição filosófica é a da negatividade, preponderante, que remonta à tradição Socrático-Platônica, Cartesiana, marcada pelo ser de falta. É a tradição que opera uma divisão do mundo em dois planos: O Plano das idéias puras, dos modelos superiores e o plano dos corpos sensíveis, das aparências e das cópias imperfeitas, que aspira assemelhar-se a nada. E, portanto, resto, a pura diferencial.

KRISIS é uma tentativa de se inspirar na ótica da positividade e se inscreve numa rede significativamente mais ampla, que afeta o pensamento atual. Isto implica num novo reenquadramento de valores éticos, em que os segundos vem dar um novo tom aos primeiros, gerando uma profunda mudança no olhar e no fazer.

Essa postura tem seu norte na diversidade; é o fruto de uma complexidade teórico-prática. Nesse sentido, entendemos como uma necessidade abrir-nos a produção cultural contemporânea, não nos limitando aos discursos específicos, o que significa que outros saberes podem e devem concorrer para gestar nossa singularidade. Interessa-nos conviver e oxigenar-nos, por exemplo, com uma corrente de produção filosófica, hoje resgatada - Epicúrio, Heráclito, Nietzche, Deleuze e Guattari; o Movimento Institucionalista, cuja maior contribuição advém de diversas práticas terapêuticas e pedagógicas: contribuições literárias, entre muitas outras.

É dentro dessa ótica que queremos pensar esse acontecimento a que chamamos “crise”. O termo crise, no seu sentido mais amplo, significa ruptura, conflito, luta. Em suas raízes gregas, KRISIS exprime “uma desconformidade estrutural entre um processo e o seu princípio regulador, podendo tratar-se desde um fenômeno físico até implicações das relações éticas” (cf. Prof. Hélio Jaguaribe). Chamaremos também de crise os estados de desrraigamento provenientes da desterritorialização, seja nos meridianos espaciais, seja nos sócio-emocionais.

“Toda crise será a maneira de viver o período de trânsito entre um território já impossível e outro ainda inviável de ser habitado. Como a vida do sujeito continua transcorrendo em algum lugar, chamaremos “Terra de Ninguém” a essa residência fora do tempo e espaço consensual, residência na qual a existência do sujeito já não se enquadra no lugar em que coincida e ainda não, coincide com o lugar em que está”.



A medida em que nos descentramos, em que transitamos por esta “terra de ninguém”, numa tentativa de nada exclui, portanto, de nos deixarmos afetar por tudo o que é problemático e estranho na existência, assim transmutamos nosso fazer. Assim nos pensamos, provisoriamente ...
Manifesto da clínica da Fundação Gregório F. Baremblitt, apresentado em 17/julho – 9(1) Assim falava Zaratustra, Nietzsche, in SaúdeLoucura, Luiz Antônio Fuganti
(2) CRISE – Drª Carmem Lent¨

As atividades envolve oficinas terapêuticas, convivência, assembléia geral auto-gestiva, psicoterapia grupal, grupo de medicação, atividades de arte e lazer, e esquizodrama.

O esquizodrama – realiza-se semanalmente, com 2 horas de duração .

E deles participam terapeutas e usuários.


              4. Esquizodrama: Um Experimento Esquizoanalista


Os experimentos esquizoanalíticos não se restringem a um setting específico, a procedimentos e técnicas pré-fixadas, nem a um campo específico do agir/fazer humano.

Talvez, pudéssemos delimitá-los pelos seus efeitos

Efeitos da análise institucional, (Baremblitt,1994)

Efeito – produto emaranhado no seu contexto produtor.

Verificamos, assim, uma série de efeitos pertinentes à prática esquizoanálitica:

- efeito instituinte;

- efeito desterritorializante;

- efeito disparador;

- efeito caosmótico;

- efeito esquizoonte;

- efeito singularizante;

- efeito acontecimento;

- efeito desmontes molares, e raspagem de repetições;

- efeito devir;

- efeito multiplicidades;

- e efeito linhas de ação da diferença.

O esquizodrama – drama do devir- é um experimento esquizoanálitico.

Perfomático e baseado na vitalidade dos efeitos práticos supera o agir terapêutico interpretativo e verbal das terapias tradicionais.

Ele intensifica e cria na velocidade dos processos esquizos um jeito de funcionar, - na segurança dos experimentos laboratoriais – desterritorializado, maquínico e caosmótico.

Nele, experiencia-se um estar e um se dar virtual do novo.

Bifurca-se novas saídas e novos sentidos... Raspa-se os registros e controles... e abre-se à produção desejante.

É composto por uma caixa – de – ferramentas.

E é norteado pela superação do instituído, das identidades e pela instalação de um espaço de realteridade, um lugar aonde novos problemas são tematizados na descoberta do que pode o corpo (conceito spinoziano) e não mais pela sua redução representativa de um complexo do passado.

Afetar e ser afetado... Ressonâncias...

Abertura: multiplicidades...

O esquizodrama é uma ferramenta Klínica, pedagógica e de investigação da produção de saberes que por estatuto a invenção, desde que em consonância com o paradigma ético – estética, de re-afirmação de estar na vida, com a vida e pela vida.


             5. O Experimento – Devir Criança

Esquizodrama – no dia-a-dia – da clínica tem funcionado no sentido de “dramatizar para desdramatizar o cotidiano“ ( Oliveira, 2003).

O Experimento Esquizodramático, aqui relatado, se processou em duas sessões, de 2 horas cada, coordenadas pela terapeuta Oliveira, em co-coordenação com os terapeutas Bichuetti, Nery, Lélis Ferreira, Montandom, Milani, Crosara, de Paula, e quatro estagiárias do curso de fisioterapia.

Participaram 40 usuários

Ambos, tiveram por tema - a infância, o devir criança; sendo este um dentre outros esquizodramas temáticos em que temos trabalhado blocos de infância e o devir criança .

Aquecimento – Exercícios bioenergéticos e alongamentos. Duração de 15 minutos.

E brincadeiras de infância – ciranda em roda – canto, dança e jogos – duração de 25 minutos.

Na primeira sessão, montou-se uma brincadeira com a seguinte insigna-recordar apelidos da infância e criar novos e interpretá-los, dramatizando-os.

No encerramento - trocou-se sobre o sentimento vivido e cirandou-se, novamente, com a música “Se esta rua” ...

Na segunda sessão, após exercícios e brincar, em grupos cada pessoa, escolheu ser um outro nome/pessoa, ou outro ser.

Os apelidos recordados e criados estavam grudados num sentimento de desvalia = Siriema, tanajura, pé grande, cri-cri, ...

Vividos com dor, estima rebaixada.

Criando-se novos apelidos, estes fantasmas foram exorcizados.

De um lado, por exemplo, na suavidade de J.H., autista, paralisado que alegre e diáfano, quis chamar-se passarinho para voar...

Por outro, descontraem-se rindo, criando apelidos possíveis para os terapeutas.

Ao se experimentar, intensificados na dramatização, ser um outro nome/pessoa ou ser, emergiu devires possíveis, para além da própria identidade rústica e restrita.

Emergiram –

- Um devir criança - ser outro, brincar de animal, mineral e vegetal; novas pessoas, outras pessoas: (Gil, 2000).

O devir animal-

Um usuário frágil, retrato descobriu-se se forte e guerreiro no vôo de um falcão; uma de fala tímida e poliqueixosa, expressiva nos sons guturais de uma pombinha.

Liberdade, singeleza, leveza – no pingüim, bem-te-vi, na garça, na cachorrinha peludinha

O devir vegetal-

Uma usuária em crise, devém-se cedro e sente capaz de não se vergar nas ventanias do delírio, das lágrimas e do terror.

O devir outro –

O eu – esquecido (?) permite então emergir os outros que se mantém adormecidos em linhas rizomáticas da nossa produção inconsciente que a identidade instituída reprime.

Doentes estereotipados, gordos e embotas, tornam-se Raquel, Magrelo, Fagundes e desfilam elegantes e sedutores.

A abúlica, do lar vira Estelamar – biólogo, estrela do mar, junto de Luana que ama a lua e não se envergonha de viver no mundo da lua, e de Luna que tem na pele a magia do céu.

Outros outros...

O português negocia, a Italianinha faz massas, Robert joga bola, Yuri gestila um zen Japonês

Apragmáticos: estudam, dançam...

E num acontecimento, uma usuária com funcionamento rabujento, querelante e epleptóide se deviu Xuxa e diz querer alegrar, brincar...

Brinca e gesta uma festa...

Todos cantam... Dançam

No fundo, a imagem de um outro devir, alguém se deviu fogo, uma chama.

Uma vela na escuridão .

Que velemos, então, pelo devir

Pelos não devires que jazem inibidos pelo império da identidade, um instituído que afugenta o homem de se devir Super-Homem ... Deuses da imensidão.


               6. Conclusão

Concluir é fechar... Mas “ Nenhuma viagem é definitiva” (Saramago).

Aqui, reabriremos.

O Esquizodrama, aqui analisado, não pode captar as lutas onde o instituído numa polarização paranóica emergiu em defesa de um ego impermeável, imutável, inalterável...

Olhares, fugas... Risos críticos

“ Eu sou eu”... “Não sei fingir”

Fingir ? Não sei, talvez, brincar.

Brincar com a vida à moda da criança.

Que sabe se devir outros.

Pudemos ver, sentir e viver o instituinte na superfície da pele. Pele com poros abertos.

E desfrutar da potência do devir

Eis um efeito do esquizodrama.

E é porisso que adotamos no nosso cotidiano clínico.

Para lidar com crise ... Cuidar, sem fazer da terapia uma oficina de remendos da identidade egóico .

Afirmando-a sempre: clínica do devir





Referências Bibliográficas



1. Andrade, M Os Melhores Poemas. São Paulo, Global, 2000.

2. Baremblitt, G. Compêndio de Análise Institucional. Rio de Janeiro, Rosa dos Ventos, 1994.

3. Baremblitt, G. Introdução à esquizoanálise. Belo Horizonte, Inst. Felix Guatarri, 1998.

4. Bichuetti,J. Crise Vida. Belo Horizonte, Inst. Felix Guatarri, 1998.

5. Gil, J. Diferença e negação em Fernando Pessoa. Rio de Janeiro, Relume – Dumará, 2000

6. Guatarri, F. Caosme. Rio de Janeiro, Ed. 34,2000

7. Miziara, L. A salamandra. São Paulo, João Scortecci Ed, 1990

8. Oliveira, M F. Esquizodrama – notas provisórias. Uberaba, Inst. Felix Guatarri, 2002 (mimeo)

9. Rotelli, F. Desinstitucionalização. São Paulo, Huccitec, 2001.

cursos básicos: grupo, crise, psicose e esquizoanálise/esquizodrama

cursos básicos: grupo, crise, psicose e esquizoanálise/esquizodrama
                                                               jorge bichuetti
                                                               maria de fátima oliveira


   
    Aprender é ampliar,experimentar e intensificar nossa potência de intervir e cuidar.
Oferecemos cursos rápidos para os que se revelam interessados na montagem de sua caixa-de-ferramentas que lhes tornem mais potentes no trabalho e na vida.
    Cursos que instrumentalizam e todos composto de teoria e experimentações.
     Eis alguns com seus respectivos conteúdos:

1. Curso Básico sobre Grupalidade
*Grupo.Coordenação.
*Freud-Bion-Pichón-Riviere e Sartre
*Grupo-sujeito e grupo assujeitado
*Esquizoanálise e análise institucional na grupalidade
           Carga Horária: 20 ou 40 hs

2. Curso Básico sobre Cuidado de Crise.
*Cuidado. Desintitucionalização
*Conceito de Crise
*Crise e cuidado
*Crise, linhas de fuga e devir
*Crise e subjetivação
             Carga Horária: 12, 20 ou 40 hs.

3. Curso Básico de Esquizoanálise/ Esquizodrama
*Esquizoanálise: conceitos básicos
*Inconsciente produtivo
*Rizoma, multiplicidade e desejo. Subjetivação
*Leitura do socius
*Tarefas Clínicas
*Esquizodrama
*Como montar um esquizodrama
*usos do esquizodrama
                Carga Horária: 12, 20 ou 40 hs.

4. Curso Básico sobre a Clínica da Psicose.
*Loucura e reforma psiquiátrica
*Clínica antimanicomial
*Psicose: de Freud a Pichón-Riviere, De Baságlia a Deleuze-Guatarri
*Clínica da psicose
*Caps
*Reabilitação psicossocial
                  Carga Horária: 20 ou 40 hs