quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

cuidando de crise

Cuidando de crise. Notas sobre o cuidado de crise nos dispositivos terapêuticos da Reforma Psiquiátrica

                                                           Jorge Bichuetti.  





                                                               



1 - Introdução



A clínica antimanicomial não existe sem desenvolver uma prática de cuidado de crise. Senão, acaba por reforçar a lógica asilar que até admite hoje para a reabilitação um lugar; mas, contudo, não vê para o portador de sofrimento mental em crise outro destino além do manicômio.

De fato, cabe à Reforma Psiquiátrica a construção de um novo espaço terapêutico para as crises, pois somente assim tornará obsoleto o hospital psiquiátrico, destituindo-o de sua função de lugar único, guardião de crises.

Este novo espaço já se encontra presente no cenário dos serviços de saúde:é o Caps, o Caps-dispositivo, a um só tempo, de reabilitação psicossocial e de cuidado de crise.

E eclode, inegavelmente, no dia-a-dia dos serviços substitutivos uma série de questões vinculadas à clínica de crise, da crise-irrupção intempestiva e caótica da diferença que realizando-se como desconexões entre a pessoa e a sua história e entre ela e o social, dá-se como desestruturação e solidão, como sofrimento profundo.

Exorcizando a crise da sua condição de destrutividade inabordável, o cuidado de crise no Caps é, em si, instituinte. Institue na clínica novos e libertários agenciamentos da diferença; e no socius, a capacidade de conter e conviver, criativamente, com a diferença.

Constata-se no Caps, clínica em construção, o quão incipiente são ainda as tentativas de sistematização da praxis ali efetuada, embora de riqueza inquestionável.

Este texto transpira nesta lacuna. E desenvolve, a título de provocação, algumas idéias e técnicas pertinentes ao cuidado de crise.



2 - Crise: aspectos teóricos



A crise é um tema nuclear da teoria e da prática da Reforma Psiquiátrica. Anteriormente (Bichuetti, 2000 e 2004; e Bichuetti e Oliveira, 2004), percebida para além da medicalização vigente no modo de pensar da psiquiatria e do seu instrumento, o manicômio; e então, despatologizada e desnegativizada, ela pode ser vista como potência de mudança, irrupção intempestiva e caótica da diferença, desordem criadora e situação caosmótica.

Na crise, desterritoraliza-se um modus vivendi e a própria identidade e instala o caos.

A caotização da crise, com sua perda de referências e sentido, dissolução de limites corporais e descontinuidade histórica, embora, às vezes, terrorífica, não possui em si mesma um caráter improdutivo; a improdutividade aparente é apenas um traço da paralisia que tão somente impera nas relações da crise com o mundo, nos impasses e atropelos do seu enovelar-se e desenrolar-se enquanto ''corpo de passagem''.

Porisso, pode-se nela identificar um processo instituinte(Baremblitt, 1994): um terremoto no território do status quo e uma geléia amorfa, porém, fecunda, do genuinamente novo.

Guattari (,2000) vê na loucura, na paixão, na infância e na arte situações de caosmose.

A crise é caosmótica. Nela, portanto, atua junto a forças desagregadoras focos de geração de alta complexidade, onde o novo e a mudança são virtualidades ''à flor da pele'' que se atualizadas recriam um novo modo de estar na vida e, igualmente, um outro mundo possível.

De fato, se a crise é caos, urge destacar sua potência caosmótica, pois ''o caos não é simplesmente ''caótico''. Ele se mostra generativo e autocriativo. Abre espaço para a organização e para a constituição de ordens cada vez mais elegantes ( cosméticas) e portadoras de sentido'' (Boff, 1997, p 76-77).



3 - Sobre o cuidar e o cuidado psicossocial



O cuidado em saúde, segundo Foucault (,2000) restringia-se, na Idade Média, a deixar viver e fazer morrer e no capitalismo; a fazer viver e deixar morrer.

O hospital psiquiátrico, mais do que um local de cuidado, conformou-se espaço de exclusão.

Assim, a crise esteve secularmente evitada, não na sua existência, mas no que refere à convivência. Fora do cotidiano e do espaço urbano, ali no interior dos muros do hospício, ela perdeu seu estatuto de questionamento da vida, e, silenciada, tornou-se patologia, periculosidade, estranheza e estranhamento.

Agora, hora de transformação e de construção de um novo modelo assistencial, necessita-se pensar uma nova lógica para o cuidado.

Propositivamente, atribue-se aqui ao cuidado de crise as características de encargo, co-responsabilização e vínculo.

É que o cuidado psicossocial desenha-se, superando a assepsia abstinente da medicina dominante, como encontro, e como encontro onde ''a relação não é de domínio sobre, mas de con-vivência. Não é pura intervenção, mas inter-ação e comunhão.'' (Boff, 1999, p.95). Inclui, necessariamente, as duas significações do cuidado: ''A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro.'' (idem, p.91-92).

Provocativamente, o cuidado pode ser sintetizado na solidariedade e cooperação dos agentes de saúde que ao cuidar hão de dar a um Devir-Simeão (mito cristão) e a um Devir-Betinho (mito da política tupiniquim), ambos ícones da capacidade humana de se devir, horizontalmente, doação e partilha.

Ainda, nota-se no agente do cuidado um devir ternura, devir tão próprio das mães e dos enamorados.

Boff (,1999). destaca, ainda, as atitudes de ressônancia do cuidado: o amor, a justa medida, a ternura vital, a carícia essencial, a cordialidade a convivialidade e a compaixão radical.

E estas ressonâncias retratam a aura e a textura do cuidado psicossocial que move-se no espectro do ''cuidar sim, excluir não'', buscando na lida com crises superar a violência excludente do manicômio e abrir no socius espaços de realização para a loucura.







4 - Intervenções Psicossociais de Crise





O trabalho terapêutico do Caps sustenta-se num coletivo continente e estruturante que inclui no seu cotidiano a pessoa em crise, possibilitando-lhe acolhimento, terno e livre, isto é, sem os constrangimentos físicos ou mentais, típicos da prática manicomial que impregna de medo e desvalia as relações crise-mundo.

O terapeuta, agente de acolhimento, funciona, assim, como mediação entre a pessoa em crise e o coletivo; e, neste sentido, suas intervenções apresentam as três dimensões do cuidado (Boff, 1999): é um cuidado-escuta, um cuidado-empatia, simpatia, aliança e um cuidado-inclusão.

O acolhimento de crise pressupõe uma disponibilidade de tempo e espaço, e, também, afetiva. De fato, não se pode ser continente às crises, se se vivencia um funcionamento marcado pela burocratização, rigidez de agenda e papéis, e pela segmentarização do território, privatização e compartimentação restritiva do espaço, inibindo o fluxo das relações. A disponibilidade afetiva, por sua vez, depende de se construir na equipe uma nova postura.

Esta postura deve, assim, superar idiossincrasias da prática clínica tradicional, como a idéia de se agir capitaneado pela lógica de que uma crise demanda imediata contenção física e restrição espacial, inibição sedativa de sintomas, tanto quanto significa ausência de contato e incomunicabilidade. Estas são na realidade as respostas prontas, prévias, com as quais o hospício, instituição total, transformou a terapia de crise em mero enclausuramento.

O acolhimento-continente produz e se produz como maternagem.

A crise, descontinuidade e desestruturação, revela-se caos doloroso que somente pode ser, posteriormente, agenciada como ''encontro na velocidade, se continentemente acolhida, e, nesta intervenção, protegida do risco de se diluir na perda absoluta de território ou de se perder nos redemoinhos do buraco negro da cronificação nadificante.

A desterritorialização maximizada da crise nadifica a potência de se reiventar e a própria capacidade de sobre-viver, pois na ausência de processos de reterritorializações imprescindíveis à vida, gera graus elevados de desvitalização onde os fluxos desejantes multiplicados e acelerados infinitamente, não se consumando em nenhum plano de consistência, encarnam em si o espectro da própria morte.

Consequentemente, a clínica de crise exige do terapeuta a assunção do carater de doação do cuidado: Efetua no cuidado um empréstimo de território e de vida.

E, também, para inclusão da pessoa em crise no coletivo - Caps, na família e na própria sociedade, o corpo-terapeuta fomenta no usuário um incremento no seu poder de trocas, doando-lhe um empréstimo de prestígio.

Pode-se traduzir o conceito de maternagem de Winicott (,1988) com as seguintes imagens figurativas do cuidado terapêutico de crise: poste iluminado ou lampião; corrimão; escora. Pois no fundo é aconchego, claridade e sustentação de base.

Necessário é contudo, identificar no mal desempenho da intervenção psicossocial - maternagem alguns problemas altamente nocivos à clínica de crise. São eles: 1) a perda da função estruturante pela confusão entre maternagem e ausência de limites; 2) a produção de dependência e assujeitamento pelo excesso de proteção e carência de estímulos de autonomia; 3) o bloqueamento da capacidade de intervenção terapêutica pela homogeneização identificatória, e 4) a incapacidade de desmonte de mecanismos de transferência massiva devido a rostidade do terapeuta, o baixo grau de transversalidade do coletivo e desconexão entre terapeuta e equipe, pessoa em crise e coletivo nas relações de maternagem.

Nesta direção cabe salientar o papel terapêutico da convivência no Caps.

O Caps, clínica intensiva, de fato, tem sua potência terapêutica dada pela condição de ''se organizar e se vitalizar, enquanto um espaço de convivência'' (Bichuetti, 2000, p.72), território livre capaz de possibilitar adesão à vida. E este espaço onde se fomenta ''um con-viver com solidariedade, liberdade, respeito mútuo, ternura, alegria, gentileza'' (idem, p.73) tem sua construção no próprio agir e interagir dos terapeutas que animam, criam e formatam eticamente este coletivo, lugar de pessoas singulares e, por isso, lugar de diversidades, lugar de diálogo e cooperação, silêncio e recolhimento.

A convivência define o Caps. Evita sua ambulatorialização e o intervencionismo. Assim, o permite cuidado intensivo, e no cuidado de crise a atenção estruturante.

O coletivo acolhe, dá continência e é organizante. Mas o coletivo não cria a si mesmo, nem se protege expontaneamente dos movimentos desagregadores.

O terapeuta desempenha na máquina coletivo-Caps a função de agente catalizador de agregação e fonte de agenciamentos que disparam processos de inclusão da diferença e trocas sociais de cumplicidade e cuidado mútuo, propiciando no com-partilhar espaço, experiência, vida, a própria quebra da solidão da pessoa em crise que então, desenvolve vínculos e sentimento de pertença.

O cuidado de crise na convivência é inerente a própria natureza deste espaço, e nele desenvolve-se intervenções que acabam por definir o Caps enquanto clínica intensiva e clínica ampliada. E de fato, o cuidado de crise envolve intervenções psicossociais que se dão no espaço de convivência, sendo a própria convivência em si já um cuidado essencial.

Nela, se dão a realização de companhia, a organização de rodas e cantos on- de a conversa, a leitura, os jogos, a música, as brincadeiras, o fazer e o não-fazer nada em grupo fabricam uma dinâmica de trocas que faz viver um social, devir-cuidado continente e estruturante, que imprime no cuidado de crise a um só tempo uma dupla reterritorialização, é reinserção social e é ''linha de fuga'', bifurcação de novos sentidos.

A convivência, também, preserva, restaura e incrementa hábitos de vida, passiva ou ativamente.

Deve-se, porém, tanto quanto a maternagem, problematizá-la.

Primeiro, é produção de produção não - expontaneista. A equipe ativa e norteia terapeuticamente sua ''realização'', com trasnversalidade suficiente para englobar as produções criativas expontâneas do coletivo e de qualquer um dos seus componentes.

Segundo, a capacidade de continência deste coletivo perante as crises, depende da presença viva in loco dos terapeutas que realizam animação, mas também gerenciamento de conflitos e contenção de aspectos destrutivos ou corrosivos da crise.

Terceiro, deve-se substituir normas proibitivas e padronizações rígidas por combinados democraticamente negociados.

Evita, assim, apatia reprodutora ou contágio desestruturante e se experimenta um cuidado inclusivo de crise que no processo e no resultado faz caber no cotidiano a loucura.

A clínica de crise envolve, igualmente, o desenvolvimento de abordagens do delírio e da psicose, que possibilite pontes de ''realização'' do carater singularizante, de multiplicação e de impessoalidade da crise.

O manuseio terapêutico de crise conta com um arsenal técnico volumoso, ainda que em construção.

Qualquer técnica mostra-se pertinente, se ética, e ética no sentido spinosiano de afirmação da vida.

No limite deste texto, situa-se destacadas abaixo apenas as que vem se revelando extremamente valiosas na raspagem de registros e controles, no desmonte do instituído, e no agenciamento de acontecimentos, na invenção de novos sentidos, e da própria inovação da vida.



4.1 Crise: técnicas exploratórias e reconstrução da realidade



O delírio e a própria crise delimitam um campo de contradições. Um campo tenso permeado de frustrações e sonhos, medos e desejos. Nota-se conflitos e linhas de fuga. Os conflitos dizem de nós e atravessamentos, de linhas bloqueadas e emparedadas, da falência do instituído; e as linhas de fuga, por sua vez, representam tentativas inventivas de mudança, de se reinventar a vida e o mundo; e, são neste sentido, pertinentes a um processo instituinte.

Freud (,1911) compreendeu no delírio um processo de tentativa de reconstrução do vínculo com o mundo.

A crise, e o delírio, precisam ser exploradas no seu conteúdo que nem sempre se revela explícito, segundo Moffat (,1981) pode-se extrair três técnicas que se mostram de excelente propriedade por percutir e fazer ressoar as dificuldades internos da existência que estão problematizadas na crise: São: a cena temida, a criança-fantasma e o personagem complementar.

Busca-se dissecar o conteúdo de uma crise e do próprio delírio identificando-lhe uma cena temida que nos jogos dramáticos da multiplicação em grupo, germinam novos sentidos e novas saídas; desdramatizando o próprio sofrimento e derivando daí uma cena de desejo, inédito viável, ponte para um projeto de vida.

A criança - fantasma conta de sonhos de infância abandonados e de medos/traumas não-superados e se tematizada libera vitalidade, principalmente quando existe uma descontração da sisudez da maturidade e (agenciamentos de um devir-criança e dele todos devires.

Trabalha-se a criança-fantasma, entre outros modos com recursos operacionais extraidos do teatro de Boal (,2002 ).

O personagem- complementar percebido na crise lança luz sobre vínculos estereotipados e pauta-de-conduta restrita. Seu desmonte se dá ampliando e flexibilizando o próprio jeito de existir, permitindo um funcionamento criativo sem cristalizações de expectativas e reações altamente paralizantes.

Usa-se, ainda, oficinas de livre expressão, poesia e pintura, história em roda etc. Todas com a riqueza inerente à arte,onde os conflitos, através da inventiva do ''fantasiar'', desloca-se do lugar de dor incompreensível para o de uma eloquente criação artística. Freud (,1908 ).

Uma outra alternativa de trabalho na crise aborda o delírio como romance ( Bichuetti, 1999). Nele, não localiza o esforço numa interpretação que ''o torne racional na lógica funcional de determinado indivíduo'' (idem, p.117). A tarefa visa ''editar'' o romance como obra de arte e, multiplicar as possibilidades de estilo, da tragédia ao humor, passando pelo conto infantil e pelo suspense.

Na clínica de crise também, o esquizodrama vem se mostrando ferramenta. Dá continência, organiza; bifurca novos insights e novos investimentos de vida. Ele intensifica a montagem de modos de atualização para o novo, virtual- opaco nas crises. E basicamente facilita singularizações e a multiplicidades, impulsionando acontecimentos e n devires.

Não seria possível esgotar as diferentes intervenções possíveis de crise. Admitindo as profundas limitações deste texto, contudo uma nova técnica será vista em destaque.

Isto porque nela tem-se uma ferramenta e uma visão clínica que é também uma visão dos próprios processos de subjetivação. É ela o trabalho na dobra.



4.2 O Trabalho na Dobra



O Trabalho na Dobra consiste numa lida terapêutica onde se navega pelas reentrâncias do delírio, produzindo no entre bifurcações e reterritorializações, produção de sentido, a novidade radical, consubstanciando multiplicidades, para além da estrutura fixa e estável da identidade.

Diante do delírio, podemos encapsulá-lo interpretativamente; ou, pelo ato de dobrar, desdobrar e redobrar, tornando coextensivo o dentro e o fora , ''conseguir dobrar a linha, para constituir uma zona visível onde seja possível alojar-se, apoiar-se, respirar- em suma, pensar''. (Deleuze, 1992, p.138)

A dobra permite destacar-se de um mundo cru e negro e apropriar-se de potencialidades e virtualidades, o possível no limite do que somos, limite em diluição no contato com o desconhecido ( Deleuze, 1998).

De fato, nas dobras o sujeito ''transborda e vai além da própria pele'' (Domenech et alli, 2001, p.129).

Institui-se, assim a substituição da lógica do ser pela conjução e o sujeito - multiplicidade é, então, espaço de conexão e montagem, fabricando e se fabricando sob o impacto das dobras que em si é criação de possibilidades de existência.

Dobrar-desdobrar ''não significa simplesmente tender - distender; contrair-dilatar; mas envolver-desenvolver; involuir-evoluir, (Deleuze, 2000, p.22); e, porisso, dispositivo de subjetivação como dobra incorpora sem totalizar e internaliza sem unificar, gerando superfícies, espaços, fluxos e relações (Rose, 2001), criação de possibilidades de existência, pois o mundo é virtualidade que precisa se atualizar e uma possibilidade que deve se realizar (Deleuze, 2000).

Eis uma clínica complexa, de afectos e perceptos, dionísica que no fundo é uma proposta spinosiana de encontro na velocidade.

Dizia-se entrar no delírio, para sair juntos; porém, após estas breves observações, vê-se que o trabalho na dobra é mais: perambula-se nas dobras e nas interconexões fabrica-se engenhocas metamorfoseantes de instituição do genuinamente novo, de derivações singularizantes que tem a ver com o novo paradigma, o paradigma ético-estético.



5 Conclusão: crise, subjetivação e o paradigma ético - estético e político



A crise - passagem, mudança - descondiciona a vida da sua pretensa evolução estável e regular, e dilata as comportas da diferença que estão frequentemente cerceadas pelos diques da ordem instituída.

Cuidar de crise na lógica do paradigma científico restringe-se a instituição de enclausuramentos.

As observações sobre a prática de cuidado de crise no Caps o revela sobre outra base, o paradigma ético-estético.

O cuidado de crise no campo do paradigma ético-estético é dado reconhecendo que ''no trato dos loucos ou dos sãos, da subjetividade em geral e da cultura como um todo passa necessariamente pelo encontro com a desrazão''. (Pelbart, 1990,p.136).

Um cuidado-direito à desrazão...

É a estética ''na aptidão desses processos de criação para se auto-afirmar como fonte existencial, como máquina autopoética'', de levar ''ao ponto extremo uma capacidade de invenção de coordenadas mutantes, de engendramento de qualidades de ser inéditas, jamais vistas, jamais pensadas'' (Guattari, 2000, p.135).

A estética na crise, assim, não é apenas expressão de conflito, sublimação; é criação singularizante.

Na crise, a moral instituída encontra-se em cheque, inclusive nos seus arrazoados normativos e excludentes.

Crise da moral apolínea de poder e supremacia, lógica racional e força-saber.

No cuidado de crise, todo processo depende da produção de uma ética.

De uma ética que produz cuidado; e um cuidado que produz ética.

Ética inclusiva. Direito à diferença.

Ética dionísica. Dos bons encontros e das paixões alegres.

Uma ética de afirmação da vida. De uma vida para além do razoável; do previsto, do proscrito e do indiferente.

Pode-se perceber que o cuidado de crise é, também, e essencialmente, um dispositivo de subjetivações livres.

Ele libera a vida de suas amarras. Um duplo-devir, novo homem e nova terra. Um acontecimento...

E, neste acontecimento, a certeza: '' O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia'' (Rosa, 1988, p.538).





Referências Bibliográficas



1) Baremblitt, G. Compêndio de Análise Institucional. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1994.



2) Bichuetti, J. Lembranças da Loucura. Belo Horizonte, Instituto Felix Guattari, 1999.



3) Bichuetti, J. Crisevida. Belo Horizonte, Instituto Felix Guattari, 2000.



4) Bichuetti, J. Clínica da Invenção e a Reforma Psiquiátrica. Belo Horizonte, Instituto Felix Guattari, 2004 (mimeo).



5) Bichuetti, J. e Oliveira, M. Identidade e devir. In: Archivos de Saúde Mental, 2004 (no prelo).



6) Boal, A. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.



7) Boff, L. O Despertar da Águia. Petrópolis, Vozes, 2000.



8) Boff, L. Saber Cuidar. Petrópolis, Vozes, 2000.



9) Deleuze, G. Conversações. São Paulo, 34, 1992.



10) Deleuze, G. Lógica do Sentido. São Paulo, Perspectiva, 1998.



11) Deleuze, G. A Dobra. Leibniz e o Barraco. Campinas, Papirus, 2000.



12) Domenech et alli, A Dobra: Psicologia e Subjetivação. In. Silva (org) Nunca Fomos Humanos. Belo Horizonte, Autentica, 2001.



13) Freud, S. (1908/1907). Escritores Criativos e Devaneios IX In. Obras Completas de Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1996.



14) Freud, S. (1911) O caso de Shereber XII. In: Obras Completas de Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1996.



15) Foucault, M. Em defesa da Sociedade. São Paulo, Martins Fontes, 2000.



16) Guattari, F. Caosmose. São Paulo, Ed. 34, 2000.



17) Moffat, A. Psicoterapia do Oprimido. São Paulo, Cortez, 1981.



17) Pelbart, P. Manicômio Mental- a outra face da clausura. In. Saúdeloucura 2 . Huccitec, 1990.



17) Rose, N. Como se deve fazer a história do Eu? Educação & Realidade Abud: Silva (org) Nunca fomos humanos. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.



20) Rosa, JG. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.



21) Winicotti, Textos Selecionados. Porto Alegre, Francisco Alves, 1988.

3 comentários:

Maycon disse...

Jorge, como problematizar a medicação na clínica?

Desenvolvo: Atendo e uma das pessoas que atendo recusa-se a tomar a medicação - no caso, Seroquel. Ela sente-se bem. Diz que não quer mais. eu vejo, percebo e sinto essa melhora, mas a família pressiona pra que ela tome o remédio. Cobram de mim que a faça tomar. Negócio com ela, faço o que posso, mas ás vezes ela não toma mesmo.Minha angústia é muito mais em relação a família do que a moça que atendo.

abraços.

Maycon disse...

Jorge, como problematizar a medicação na clínica?

Desenvolvo: Atendo e uma das pessoas que atendo recusa-se a tomar a medicação - no caso, Seroquel. Ela sente-se bem. Diz que não quer mais. eu vejo, percebo e sinto essa melhora, mas a família pressiona pra que ela tome o remédio. Cobram de mim que a faça tomar. Negócio com ela, faço o que posso, mas ás vezes ela não toma mesmo.Minha angústia é muito mais em relação a família do que a moça que atendo.

abraços.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Maycon, cada caso, negocio, vivendo a caminhada... Ora, retiro e observo... ora, prudentemente, adio e vou criando novas linhas de vida... num diálogo com usuário, família e equipe... abs com carinho. jorge