segunda-feira, 6 de junho de 2011

DIÁRIO DE BORDO: OS SINOS DESPERTAM O DIA...

                                                                   Jorge Bichuetti

Madrugada escura e silenciosa... Longa. No quintal, um amontoado de rabiscos do dia anterior. Restos da alegria que tenta permanecer, como se desejasse eternizar o domingo. Viola, cantoria... Um samba no fim-da-tarde.
A Luínha enroscou nas minhas pernas, tentando que eu não despertasse; porém, os sinos tocam e acordam a vida para um novo dia... 
A vida é a arte de recomeçar.  O recomeço é a poesia do tempo...
Aspiro o perfume da madrugada e misturo as acordes da viola do meio-dia com os tambores, cuícas e cavaquinhos do entardecer...
A natureza, também, possui suas canções... Na natureza, a música é tecida pelos sons e cores... sons e cores que sempre estão no entre...Bailam no entre... No entre, os ruídos da fauna e da flora e a o ritmo e a harmonia do olhar.  A vida é arte... Para senti-la, precisamos despertar o nosso olhar. Limpá-lo, expurgando a poeira e as cinzas do melancólico e nostálgico passado. É preciso recomeçar...
Recomeçar não é simplesmente retomar o dia anterior e seguir... Recomeçar não é continuar...
Recomeçar é parir-se no novo dia uma novidade...
Exaustiva é a existência que se dá como se viver fosse carregar o fardo da existência, percorrendo os dias como se subíssemos uma escada, degrau por degrau...
Recomeçar é saltar, pular, voar... reinventar-se.
Dissipar o nevoeiro das culpas e ressentimentos...
Apagar os rabiscos dos próprios erros, equívocos e quedas...
Relativizar as verdades do dia anterior e se abrir para novas e transitórias verdades...
Escrever não uma paródia do já vivido; mas um novo conto, uma nova poesia, um novo romance.
Muitos perpetuam as dores, angústias e adoecimentos porque se negam à magia da vida que é um caminhar de recomeços; e não a representação do roteiro firmado pelas expectativas que nos moldam, expectativas internas e externas.
Recomeçar é experimentar o novo, buscar ativamente o inédito viável; sacudir o pó dois séculos e instaurar em si mesmo uma novo era.
Um novo encontro, um novo livro, uma nova canção... Se permitir sentir e experenciar o nunca ousado.
Dar-se com carinho e ternura... Partilhar com alegria e solidariedade... Ser livre...
Recomeçar é ato de liberdade e coragem... É aceitar o novo e mudança... Viver com maior intensidade...
Para isso, o canto de Guimarães Rosa, encanto, das Geraes, ecoa, provocante... instigante... Diz:
- "O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.O que ela quer da gente é coragem."
Mergulhar no recomeço, exige desprendimento do ontem... E um novo olhar... Novos passos, novas experimentações...
Vivemos escravos da felicidade e da infelicidade; feridas e cicatrizes, desejos e planos são reificados e obsessivamente seguimos... tudo muito planejado, codificado...
Recomecemos e para que possamos de fato abrir nosso coração para o novo, voltemos a ouvir o Rosa, entre rosas:
- "Felicidade se acha é em horinhas de descuido"...

2 comentários:

Adilson Shiva - Rio de Janeiro - Brazil disse...

Os seus textos são sempre uma lufada de inspiração e vida ...tal como os textos roseano ...muito bom passar por aqui e partilhar da sua incansável inspiração e criação ...abraços fraternos

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Adilson, que alegria tua presença e teu carinho; nos alenta saber-te amigo, um luar de vida.
Abraços com carinho; jorge