sábado, 9 de outubro de 2010

BONS ENCONTROS: UMA VIDA QUE SE AFIRMA POTÊNCIA...

TEMOS , HOJE, UM TEXTO EMOCIONADO E BRILHANTE, POTENTE, ONDE O AUTOR PROPÕE QUE MATEMOS NOSSO EGO BURGUÊS E ,ASSIM, NOS LIBEREMOS PARA A FIRMAÇÃO DA VIDA COMO VIDA QUE SE DESDOBRA EM DEVIRES E LINHAS DE FUGA ... NEM A MORTE DO CRACK, NEM O CRAQUE DA MORTE, UM CONVITE PARA SEJAMOS OS GUERREIROS DA VIDA...

                                              VIDA-DEVIRES APÓS A MORTE DO EGO
                                                                     FERNANDO YONEZAWA

Durante a mesa em que atuei junto com Alfonso Lans e Fátima Araújo ficou marcado para mim uma questão colocada que não tive agilidade e nem tempo de responder. E digo responder não enquanto um aluno que responde a uma questão pronta, nem enquanto um palestrante que responde do seu lugar de poder-saber, todo recoberto pelo capital simbólico que estar numa mesa de congresso lhe oferece.
Digo responder como um atirador de flechas (Kyudô - arte do arqueiro Zen), como um esquizoanalista combatente, ou simplesmente como alguém que conversa com quem lhe ouve respeitosamente. 
Bem, questionaram na mesa a respeito dos usuários de crack. Diziam que muitos garotos estavam morrendo, muitos se perdendo, muitos adoecendo ou enlouquecendo por causa do crack nas ruas. Bom, não tenho como detalhar muito a discussão porque era um momento de debate e não tenho memória tanta para isso. Pois bem, diante desta colocação de uma das pessoas da platéia, questionei: então coloque no lugar da palavra crack, a palavra trabalho: em vez de "existe muita gente se perdendo no crack, morrendo por causa do crack, enlouquecendo..." sugeri: "existe muita gente morrendo por causa do trabalho, se perdendo por causa do trabalho, adoecendo por causa do trabalho, viciando no trabalho..." 
Daí que alguém se manifestou dizendo: "sim, mas no limite ainda prefiro que meu marido morra trabalhando, do que morra por causa de crack".
Depois dessa colocação, a Fátima, que coordenava a mesa, sugeriu que deixássemos o debate para um momento em que estivéssemos mais preparados para falar de drogas, inclusive com a presença de usuários. (Já que não estamos para falar sobre, mas falar junto, falar com). 
Pois bem, o tema da mesa era: "Tarefas negativas e positivas da Esquizoanálise". E minha proposição durante a fala era que a tarefa negativa fosse limparmos a burguesia em nós, qualquer que seja a forma que ela toma, incluindo-se aí, a forma de pedir lamuriosamente ao Estado, que ele nos supra direitos (os quais, quem formulou foi ele). Limpar todo tipo de edipianização, principalmente aquela que envenena os movimentos sociais, aquela que faz esses movimentos dialogarem, fazerem concessões com o Estado, quando deveriam era assaltar-lhe, desmontar, expulsar, aniquilar o Estado. Direitos como a uma escola como a nossa, uma escola tirânica, estúpida, moralista, produtora de assujeitamento e conformismo... ora, se é direito, eu abro mão, não sou obrigado. 
Enfim, onde quero chegar é que, quando proponho que limpemos o burguês edipianizado, conformado, fraquinho e docilizado que nos habita, falo justamente de não aceitarmos, enquanto esquizoanalistas, respostas como essa de alguém da platéia (que poderia ser qualquer um) que diz "ah! mas prefiro morrer trabalhando do que morrer de crack". Pois é, enquanto esquizoanalista, enquanto alguém que quer outro mundo (completamente outro, uma transvaloração de TODOS os valores, tal como Nietzsche), eu digo: não me conformo!!!! A questão é que não quero ninguém morrendo de crack e muito menos ninguém morrendo de trabalhar!!!! (e é inadimissível, para mim, que um estudioso qualquer de Guattari e Deleuze diga que prefere o marido morrer trabalhando). 
Se se deseja um argumento conceitual, além do apaixonado, do enfurecido, digo: ora, o adoecimento no trabalho, tal como a perdição em torno da droga faz parte de um mesmo tipo de adoecimento social, de um mesmo processo social doentio, que remete toda força, de toda gente, à sua modulação mais baixa, mais enfraquecida, mais escrava.
Mas não é o argumento racional que convence, senão toda um novo posicionamento do desejo que circula em nossas máquinas desejantes, sociais ou pessoais (que nunca são tão pessoais apenas). 
A questão para nós esquizoanalistas, que somos mais do que estudiosos de Deleuze, é justamente "pensar o impensado", "forçar o pensamento a pensar", como diz Deleuze. Temos um impasse, um ponto terrível: não morrer conformado de jeito nenhum, não morrer escravo enfraquecido de jeito nenhum; nem com drogas e MUITO MENOS  trabalhando, que é a opção mais burguesa, mais boazinha, mais comportadinha que temos. 
Esses dias lia o velho Marx (com Engels), falando em seu Manifesto do Partido Comunista que existem muitos tipos reacionários de socialismo e um deles é este que quer a supressão de classes desde que não haja revolução. Pois não é esse sentido que parece estar contido num discurso como o de "preferir morrer trabalhando"? Atenção! Não estou acusando, nem julgando a moça que falou isso!! Isso é um discurso, um sentido incorporal que circula livremente pelo nosso campo social, ora colando em alguns, ora em outros, podendo colar em qualquer um! 
Atenção parceiros e amigos estudiosos de Guattari e Deleuze! O burguês é um homenzinho pequeninho, branquinho, que entra em nós por trás da orelha e, quando vemos, tá aí, a gente falando que prefere morrer trabalhando e que prefere escola moral e tirânica do que escola nenhuma e que prefere família do que comuna, ONG (oranização não-governamental??) controlada pelo Estado do que empresa... 
Cuidemos da ternura em nós, para que ela não seja capturada em forma de doçura, docilidade. Cuidemos a flexibilidade, para que ela não vire o discurso budista do meio-termo, da diplomacia de Estado, do neo-liberalismo pe-esse-debista. Não prefiro trabalho se for este trabalho que temos hoje no capitalismo. Assim como não quero crack e nem a cervejinha do happy hour se for para ficar feliz na hora do happy hour e no dia seguinte acordar como todos os dias se acorda e se obedece bonitinho. 
Sim, pareço radical... e sou! Quero OUTRO mundo!! Um mundo TODO outro! Porque afinal o verdadeiro realismo está em desejar e construir o impensado, o impossível o inimaginado, o insuspeito absoluto. Nós esquizoanalistas precisamos forçar mais o pensamento a encontrar saídas inventivas, não conformadas. Sou radical, assim como não deixa de ser radical o discurso radicalmente dócil, radicalmente diplomático, radicalmente "bom moço que não faz mal a ninguém". Não existe meio-termo, porque até o meio-termo é uma posição absoluta, completamente determinada, diferenciada. O que existe é sempre posicionamento político-desejante, que nunca é indeterminado, indiferenciado! 
Cuidemos, tenhamos carinho para com nossa indignação!! Ela vale a nossa força de parar em pé. Sejamos ternos, mas com a fúria de nosso coração, que deseja mais do que aí já está, mais do que o ser-aí (heideggeriano). Não é que a gente não precisa ser burguês, é que a gente NÃO QUER ser burguês. Eu só sei um pedacinho minúsculo de como sair do impasse entre trabalho e drogas (que é um impasse de um lado só): estarmos juntos, compartilharmos TUDO, trabalho, conhecimento, afeto, dor, tarefas, música; inclusive e PRINCIPALMENTE DINHEIRO (porque quando pega no bolso, quero ver a revolução parar em pé!). Eu não conheço quase nada de como sair desse impasse, mas sei que junto a gente consegue pensar coisas muitíssimo potentes!
Não quero ser feliz, quero ser livre! Quero estar forte, junto dos amados. Tenhamos amor com a nossa indignação!!
Como diz a música de um amigo muito amado meu: "tudo aqui é de todos, nada é de alguém, quem esquece que é junto, compra porque não tem!"

6 comentários:

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Fernando, teu texto é uma instação insurgente.enfrenta com arte e artimanhas criativas problemas capitais: a morte do crack e os craques da morte. O crck é mortífero, mas , recordando deleuze, é uma experimentação vital capturada pelo buraco negro; já há outra mor - de trabalho, de egolatria, de espetáculo... que é a lógica capitalista comsuas antiproduções, legitimadas pelo instituído.
Insurgentes, rebeldes... Nômades: perambulemos pela vida e a afirmemos na ousadia da luta-produção-desejo-devir...
Não me conformo... eis o pulsar esquizoanálitico que é indgnação andarilha.
Obrigado pela amizade, pela suas produções e por seu pensar-viver que nos ajudam a não sermos seduzidos pela morte-acomodação ou pela acomodação-morte. Abraços com ternura. jorge

Fernando Yonezawa disse...

Não sei se a alegria pode ser maior que a honra!
Difícil é não ter quem receba aquilo que temos de melhor, assim como é solitário quando não podemos receber das pessoas! Seu espaço aqui tem sido uma generosidade para minhas sensações vulcânicas! Obrigado!
Fico tão contente quanto honrado!
E honra nada tem a ver com ego, mas sim com as condições que encontramos para que nos sintamos dignos, potentes ao máximo.
Confesso que uma das instituições que mais tem me incomodado ultimamente é o trabalho. Tenho afirmado o desejo de ser produtivo, mas não de ter a produtividade capturada na forma do trabalho capitalizado, que coloca a nossa vida a depender de um valor em dinheiro que se troca pela nossa força de produzir, inventar, investir energia e paixão... tenho um devir-anarquista, devir-vagabundo muito forte me passando ultimamente.
Abraço carinhoso!
Fernando

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Amigo e companheiro Fernando, honra é bom encontro: a solidão intelectual nos subtrai forças e partilhar é fonte de vitalidade.
O trabalho me preocupa: o quero muito, mas não deixo de temê-lo captura, pois não sei conjugar desejo-produção sempre, nem alegria -vida livre... Estou aprendendo, lhe queria dizer que toda fez que recermos um texto seu, uma reflexão, um pensamento o publicaremos com a alegria de uma celebração-festa-seresta... abraços jorge

Tiago disse...

Fernando Yonezawa,
Salve!
Acabei de ler seu texto e não sou capaz de descrever o que sinto. Venho sentindo-me sozinho há tempos, perdendo 'amigos', sentindo-me escravo no trabalho, querendo partilahar minhas forças para multiplicá-la - em vão, por mim e pelas circunstâncias -, tentando orientar-me na crise, ...
Ouvir algo de alguém que não conhecemos e que nos faz sentir menos solitários é um bálsamo raro!
Receba o abraço de quem também navega na crise sem ancorar em portos de filisteus!
Abraço pra você também, Jorge - descobri seu blog numa busca no google por Espinoza e o que pode um corpo!
Estou abeto à troca de idéias.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tiago , seja bem vindo ao que poderíamos chamar de sociedade de amigos: um rizoma de trocas e sonhos, vecendo a solidão neoliberal e reencantando a vida com paixões alegres e bons encontros. Ficaríamos feliz de receber um escrito seu para o blog. Envie ao utopiaativa@netsite.com.br.
Abraços múltiplos a você e ao gueerreiro Fernando. jorge

Fernando Yonezawa disse...

Oi Tiago!
Acabo de voltar do Congresso das Madres, na Argentina, onde só então fui avisado pelo Jorge de seu comentário aqui no blog.
Fico muitíssimo feliz de ter encontrado um parceiro de afeto, de solidão. Caso queira fazer mais contatos, escreva-nos para devirtrans@yahoo.com.br.
Vamos roubar afectos, toques, idéias, paixões uns dos outros!
Grande abraço!