A PROFESSORA ANA ISABEL CRESPO, DE PORTUGAL,
AUTORA DA TESE " HIROSHIMA NÃO ACONTECEU",
E QUE DESENVOLVE UM BRILHANTE TRABALHO COM
A PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ,
TAMBÉM, SE DEDICA À POESIA, CONTA
NESTA CARTA DE SUAS REFLEXÕES NO CONGRESSO DE UBERABA,
O II CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESQUIZOANALISE E ESQUIZODRAMA
Querido Jorge:
Desculpa-me a demora, em tentar responder às tuas perguntas,
mas logo que chego a Lisboa a correria recomeça...
A tua primeira questão relaciona-se sobre o que pode a
Esquizoanálise relativamente às resistências a todos os tipos
de violência exercidas sobre as mulheres.
Começaria por considerar que as lutas das
mulheres/etnias/classes/religiões/sexualidades/idade
(pressupõem a hifenização)caso contrário arriscamo-nos a cair
no binarismo excludente e com isso no falocratismo.
A esquizoanálise permite-nos possíveis linhas de fuga ao
poder dicotómico próprio das relações fálicas, a promoção
de novas semióticas que passam necessariamente através
das "mulheres", do "devir-mulher" de homens e mulheres.
Deleuze e Guattari afirmavam que qualquer ruptura com o
modo de funcionamento da nossa sociedade passa, no mínimo,
por um devir-mulher.
O devir-mulher é uma direcção para a invenção de aconteceres
onde não se chegue " mais facilmente a Marte do que ao nosso
semelhante", parafraseando Saramago.
A esquizoanálise exige-nos que forcemos a construção do
nosso desejo emcada instante, porque o desejo não é
espontâneo ou proveniente de qualquer entidade mítica e
não basta uma qualquer consciencialização. Permite cruzar
os limites de género, etnia, classe, religião, orientação
sexual, idade e mover-se para além do pensamento dominante.
Permite a emergência de brechas imprevisíveis surgindo de
experiências vividas, de corpos percorridos por fluxos e
refluxos que têm a memória da indignação e da revolta.
A Esquizoanálise tem a ver com minorias, com lutas,
estratégias minoritárias e com resistências a qualquer
tipo de violência.
Como poderia não ter tudo a ver com a violentação desmedida
das mulheres tanto no quotidiano familiar, profissional,
social, quanto em guerras,genocídios, terrorismos de estado
e outros?
A segunda questão passa pela hipótese de Fernando Pessoa
poder ter sido um esquizoanalista precursor de Deleuze e
Guattari.
Quem sabe?
Parece-me que a "fabulação" referida por Deleuze e Guattari
poderá ser considerada como equivalente à heteronímia de
Fernando Pessoa.
Ou seja o recurso ao "fingimento", à criação dos heterónimos vai
permitir uma continua despersonalização, "uma multidão de seres,
conscientes e inconscientes,analysados e analyticos, que
se reúnem em leque aberto" (livro do desassossego).
Alguns heterónimos, nomeadamente Alberto Caeiro (quase na
totalidade),algum Álvaro de Campos e alguns aforismos de
Bernardo Soares conseguem criar planos de consistência
duradouros, sem caírem no identitário obviamente melancólico.
Que a poesia de F. Pessoa tem força, que lhe advém da
heteronímia, da intensidade produzida pelas sensações,
construídas para emitirem o máximo de potência e de
singularidade, é claro.
F. Pessoa um esquizoanalista?
Talvez enquanto poeta.
A terceira questão prende-se com o "meu"(o que quer que
isso queira dizer)"sentir" o esquizodrama.
O primeiro Esquizodrama em que participei remonta a 1991,
em Lisboa, com o Prof. Gregório Baremblitt e...mudou tudo.
Buracos negros vieram à superfície e transmutaram-se em
superfícies brancas onde se podiam abrir brechas e seguir
linhas de fuga.
A Esquizoanálise e o Esquizodrama são uma escolha sem retorno
ou em eterno retorno selectivo, um modo de existência e uma
ética.
"À minha vontade abjecta de ser amado, substituirei uma
potência de amar:não uma vontade absurda de amar não importa
o quê, não um identificar-me com o universo, mas eleger
o puro acontecimento que me une aos que amo, e que não
me esperam mais do que eu os espero, visto que só
o acontecimento nos espera.
Eventum tantum."(Deleuze)
Abraço grande.ana
Um comentário:
Ana Isabel Crespo, Flor-bela onde a vida ressoa e canta: "liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!"
Teu caminho é afirmação de resitência e luta; assim,vemos os pés soa... suando soando, voando...
A esquizoanálçise é uma m´[aquina de fazer pular vida-amor-desejo-criatividade-suavidade... entres libertários e suaves e es, multiplicitários de uma vida-devir que se dá na ousadia do novo...
Nosso carinho e nosa gratidão, esquizovida...
Ternamente, jorge
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