"O meu prazer, agora é risco de vida" canta Cazuza... E não há dúvida que assinala os riscos de morte do sexo inseguro.
Contudo, no Antiédipo existe uma afirmação que se refere a algo distinto: " o prazer atrapalha"...
Atrapalha - porque no modo de funcionar da sexualidade falocêntriica, orgástica, ele é o cume, com consequente refluxo, esgotamento, exaustão...
Embora, a assertiva acima seja correta, os autores pensavam em algo mais delicado, pois analisavam o desejo produtivo.
Que pensar? Uma tese possível é que poderia ele - o prazer - capturar o homem e funcionar como um buraco negro, esvaziando os outros investimentos existenciais, e, assim, limitar a fonte inesgotável do inconsciente produtivo na geração do novo, de novas linhas de fuga, da diferença e da rizomatizações criativaas que hão de parir um novo home e uma nova sociedade...
Deste modo, seria um núcleo hegemonizando as diversas linhas e fluxos do rizoma.
Amar, amar e mais amar... sem que o prazer se torne um estriamento que evite os n devires e acontecimentos, a multiplicidade e singularização...
Dai, Nietzsche fala do valor da tristeza, da enfermidade e das dores... Deleuze advoga na enfermidade uma fonte de potência e Negri o mesmo vê no envelhecimento...
Novos prazeres... Uma nova suavidade...
O PRAZER ATRAPALHA?...
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Pôr -do sol... Jasmim adocicando a rua... A vida não é a ditadura do prazer...
Idolatramos a felicidade, a vitória, a beleza e o poder... E a vida o que nos diz?
Escutemos Fernando Pessoa e voltemos a olhar a vida, nossa e dos outros...
Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
[538](Álvaro de Campos)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
2 comentários:
O Nascimento do Prazer
O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.
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"Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é [...] um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver..."
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"Estremeço de prazer por entre a novidade de usar palavras que formam intenso matagal. Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário: sou sozinha, eu e minha liberdade.
É tamanha a liberdade que pode escandalizar um primitivo, mas sei que não te escandalizas com a plenitude que consigo e que é sem fronteiras perceptíveis.
Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo - cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico.
Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens..."
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Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada. Mas antes precisava tocar em si própria, antes precisava tocar o mundo.
Clarice Lispector
Samara. esta Clarisse é uma druxa, fada e deusa, fala das coisas como se estivesse montando um vaso de flor, uma salada ou tecendo entre as nuvens um novo mundo.
A amo.
E te amo. abraços jorge
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