domingo, 31 de janeiro de 2010

Angústia e cultura

ANGÚSTIA E CULTURA

                            
Jorge Bichuetti








Vivemos angustiados... A civilização que centrou-se na idolatria de um mundo, o mundo de vendedores e vencedores como ideal de felicidade, não parece capaz de livrar-nos da angústia inerente a vida de relações, relações do homem com o seu destino, com outros homens e com a própria natureza.

Freud no texto “Mal-estar de uma civilização” diagnostica a angústia do homem e a percebe nos meandros da produção cultural. Vê o homem impotente diante da infelicidade. Angustiado... E assim, tendendo a um retorno narcísico como meio de se obter a serenidade da fusão oceânica experienciada antes da sua construção enquanto um ser de identidade.

Ele deu valor heurístico, generalizando, o que é apenas um modo de ser, estar e sentir peculiar a uma civilização: a nossa sociedade de registro e controle.

O outro, deste modo, assusta-nos pois no registro e controle das identificações o homem vive a angústia de ser alguém que se manifesta na necessidade de se manter o mesmo, o ser da identidade construído a partir da evitação do novo, do inusitado, do devir e da afirmação do modo de funcionar édipico.

Modo este, segundo Freud, produtor de simbioses. Vide a sua definição do enamorar-se: no amor, ele percebe uma simbiose fisiológica. E no cotidiano, uma perene angústia pelo desejo-perigo da simbiose na relação com outro, simbiose esta que por sua vez também se origina, por derivação, da angustiante impotência humana diante dos limites da vida.

Lendo a vida, Freud percebe assim a produção da cultura germinando-se da angústia. Observa: o homem amortizando suas dores, ao reproduzir destrutivamente (p. ex., na drogadição) e positivamente (p. ex., numa obra de arte) os seus complexos, a sua angústia...

Deleuze - Guattari acrescentam à obra de Freud contribuições relevantes. Demonstram o inconsciente produzindo, bifurcando-se criativamente quando se permite não-capturado pelo registro da identidade rígida e nuclear, quando este emerge, então, na sua natureza desejante de propulsor dos devires, dos agenciamentos das potências de vida.

Uma obra de arte, assim, é mais, muito mais, do que uma mera reprodução dos registros inconscientes. É criação... Que guarda o estatuto de ser, para além da sublimação. Um produto que desgarra-se da angústia exatamente por reinventar a vida, abandonando os complexos, maquinando linhas de fuga e ilhotas de alteridade que não se remetem ao passado, mas ao devir... À busca de uma estética e de uma ética que descortinem o amanhã no coração dos acontecimentos, da vida plenificada no humano. No humano onde a indagação filosófica sobre a vida é clareada pela travessia, e não pela repetição, pelo redemoinho segundo Monsenhor Juvenal Arduini: “O homem é capaz de partir e chegar. Mas o que o define mesmo é a estrada. Mais do que ser de chegada e de partida, o homem é um ser de estrada. É o eterno caminhante. É um peregrino obstinado. É um estradeiro infatigável”.

2 comentários:

Rosmari disse...

Gostei muito de seu blog, estou te seguindo. Quando puder me visite.
um abraço

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Será uma alegria, Cirlei.
Com carinho lhe abraço e desjo-lhe paz e serenidade. jorge