Opinião
Amauri Ferreira
Quando um grupo de jovens ocupa uma rua, uma praça ou até a reitoria de uma universidade, costumam ser considerados, por muitos comentadores dos meios de comunicação, como “vagabundos”, “selvagens”, “violentos” e “criminosos”. É fácil associar a imagem de uma parede pichada ou de uma mesa quebrada com uma ação violenta e criminosa – logo, boa parte da sociedade espera que os que agiram assim sofram algum tipo de punição, pois, afinal, a ordem deve ser preservada. Mas quando se comprova que um político é corrupto, que se apropriou do dinheiro público, por exemplo, não é considerado “selvagem” ou “violento” pelos comentadores da mídia. Quando um político é considerado criminoso, trata-se de um contexto muito diferente de quem picha parede ou quebra mesa. Como a mesa destruída ou a parede pichada são associados à “selvageria”, isto é, à incivilidade, é incomum considerar incivil um político corrupto, já que ele não quebra objetos e não suja o espaço público – então, nesse sentido, não pode ser considerado uma ameaça à ordem social... Em um caso, a ordem social é explicitamente ameaçada; no outro caso, ela nem é considerada como ameaçada. Desse modo, é mais fácil que o ódio e a indignação para com um grupo de jovens considerados “delinquentes” sejam muito maiores do que para com um político corrupto, mesmo quando a sociedade tem uma vaga noção de que o dano causado por um grupo de jovens é muitíssimo menor do que o dano causado pelo político corrupto... Certamente, se quisermos, apenas por convenção das palavras, chamar de “violenta” e “criminosa” as ocupações de ruas, praças, reitorias ou edifícios abandonados, isso não se compara, de modo algum, com a violência cotidiana exercida por aqueles que se servem do Estado para garantir os seus interesses parasitários e perversos (interesses que são, de fato, de acumulação de dinheiro e de manutenção de poder). É para estes indivíduos que alguns comentadores da mídia trabalham, utilizando-se de clichês como “a culpa é de tal partido político”, “a polícia está a serviço do povo”, “é um bando de desocupados”, entre tantos outros clichês, servindo para alimentar discussões improdutivas na sociedade, movendo desejos vaidosos onde cada um quer impor a “sua” verdade ou, para dizer mais claramente, de impor uma opinião que foi, antes, construída pela mídia. Discussões, confusões, opiniões, tudo isso serve para manter escondida uma outra violência, que é muito, muito mais grave: aquela que é exercida por juízes, políticos, empresários e tantos outros que participam desse grande circo de horrores, servindo-se, inclusive, da mídia para não se tornarem alvos do ódio das massas. O ódio das massas é perfeitamente dirigido não somente aos jovens considerados “delinquentes”, mas muito mais frequentemente aos mendigos, aos pobres drogados, aos assassinos, já que estes são considerados – conforme já dissemos – como uma ameaça explícita à ordem social. Por isso é importante questionarmos o que chamam de “ordem”... “Ordem” como manutenção de interesses mesquinhos?... E se pensarmos que a manutenção dos interesses mesquinhos, que são mantidos através de uma violência constante, são determinantes para a reprodução de assassinos, pobres drogados, mendigos, invasões de edifícios abandonados, ruas, praças?... O poder exerce o seu domínio pela linguagem, e a mídia oficial, nesse sentido, não cessa de reproduzir significados que mantém as massas reduzidas à opinião, inibindo, desse modo, o exercício da crítica como força do livre pensamento. A comunicação de massa, cada vez mais crescente, forma indivíduos que agem, escrevem e falam o que é legitimado e ditado pela linguagem do poder. E na época onde a mídia continua a aumentar o seu domínio, é inevitável que os indivíduos massificados recorram aos mais antigos clichês para tentar compreender manifestações de desejo que são absolutamente inéditas e singulares. A vulgarização crescente é sintoma de uma penetração cada vez maior dos mass media no cotidiano dos indivíduos.
DO BLOG: amauriferreira.blogspot.com
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