sábado, 9 de outubro de 2010

ISABEL CRESPO E A VIDA-LIBERTAÇÃO

  A PROFESSORA ANA ISABEL CRESPO, DE PORTUGAL, 
AUTORA DA TESE " HIROSHIMA NÃO ACONTECEU",
E QUE DESENVOLVE UM BRILHANTE TRABALHO COM 
A PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO E , 
TAMBÉM, SE DEDICA À POESIA, CONTA  
NESTA CARTA DE SUAS REFLEXÕES NO CONGRESSO DE UBERABA, 
O II CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESQUIZOANALISE E ESQUIZODRAMA
 

Querido Jorge:
Desculpa-me a demora, em tentar responder às tuas perguntas, 
mas logo que chego a Lisboa a correria recomeça...
 A tua primeira questão relaciona-se sobre o que pode a 
Esquizoanálise relativamente às resistências a todos os tipos 
de violência exercidas sobre as mulheres.
 Começaria por considerar que as lutas das
mulheres/etnias/classes/religiões/sexualidades/idade 
(pressupõem a hifenização)caso contrário arriscamo-nos a cair 
no binarismo excludente e com isso no falocratismo.
A esquizoanálise permite-nos possíveis linhas de fuga ao 
poder dicotómico próprio das relações fálicas, a promoção 
de novas semióticas  que passam necessariamente através 
das "mulheres", do "devir-mulher" de homens e mulheres. 
Deleuze e Guattari afirmavam que qualquer ruptura com o 
modo de funcionamento da nossa sociedade passa, no mínimo, 
por um devir-mulher.
O devir-mulher é uma direcção para a invenção de aconteceres 
onde não se chegue " mais facilmente a Marte do que ao nosso 
semelhante", parafraseando Saramago.
A esquizoanálise exige-nos que  forcemos a construção do 
nosso desejo emcada instante, porque o desejo não é 
espontâneo ou proveniente de qualquer entidade mítica  e 
não basta uma qualquer consciencialização. Permite cruzar 
os limites de género, etnia, classe, religião, orientação 
sexual, idade e mover-se para além do pensamento dominante. 
Permite a emergência de brechas imprevisíveis surgindo de 
experiências vividas, de corpos percorridos por fluxos e 
refluxos que têm a memória da indignação e da revolta.
A Esquizoanálise tem a ver com minorias, com lutas, 
estratégias minoritárias e com resistências a qualquer 
tipo de violência.
Como poderia não ter tudo a ver com a violentação desmedida 
das mulheres tanto no quotidiano familiar, profissional, 
social, quanto em guerras,genocídios, terrorismos de estado 
e outros? 
 A segunda questão passa pela hipótese de Fernando Pessoa 
poder ter sido um esquizoanalista precursor  de Deleuze e 
Guattari.
 Quem sabe?
Parece-me que a "fabulação" referida por Deleuze e Guattari 
poderá ser considerada como equivalente à heteronímia de 
Fernando Pessoa. 
Ou seja o recurso ao "fingimento", à criação dos heterónimos vai 
permitir uma continua despersonalização, "uma multidão de seres, 
conscientes e inconscientes,analysados e analyticos, que 
se reúnem em leque aberto" (livro do desassossego).
Alguns heterónimos, nomeadamente Alberto Caeiro (quase na 
totalidade),algum Álvaro de Campos e alguns aforismos de 
Bernardo Soares conseguem criar planos de consistência 
duradouros, sem caírem no identitário obviamente melancólico.
Que a poesia de F. Pessoa tem força, que lhe advém da 
 heteronímia, da intensidade produzida pelas sensações, 
construídas para emitirem o máximo de potência e de
singularidade, é claro.
F. Pessoa um esquizoanalista?
Talvez enquanto poeta.
 A terceira questão prende-se com o "meu"(o que quer que 
isso queira dizer)"sentir" o esquizodrama.
 O primeiro Esquizodrama em que participei remonta a 1991, 
em Lisboa, com o Prof. Gregório Baremblitt e...mudou tudo.
Buracos negros vieram à superfície e transmutaram-se em 
superfícies brancas onde se podiam abrir brechas e seguir 
linhas de fuga.
A Esquizoanálise e o Esquizodrama são uma escolha sem retorno 
ou em eterno retorno selectivo, um modo de existência e uma 
ética.
"À minha vontade abjecta de ser amado, substituirei uma 
potência de amar:não uma vontade absurda de amar não importa 
o quê, não um identificar-me com o universo, mas eleger 
o puro acontecimento que me une aos que amo, e que não 
me esperam mais do que eu os espero, visto que só 
o acontecimento nos espera. 
Eventum tantum."(Deleuze) 
          
 Abraço grande.ana
 

  







 

Um comentário:

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Ana Isabel Crespo, Flor-bela onde a vida ressoa e canta: "liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!"
Teu caminho é afirmação de resitência e luta; assim,vemos os pés soa... suando soando, voando...
A esquizoanálçise é uma m´[aquina de fazer pular vida-amor-desejo-criatividade-suavidade... entres libertários e suaves e es, multiplicitários de uma vida-devir que se dá na ousadia do novo...
Nosso carinho e nosa gratidão, esquizovida...
Ternamente, jorge