quinta-feira, 24 de novembro de 2011

BONS ENCONTROS: PARA ALÉM DA LOUCURA

   DA LOUCURA À NORMALIDADE
                                        IGOR TEO

A loucura não foi sempre considerada doença mental. O filósofo, historiador e psicólogo Michel Foucault, no livro “A História da Loucura”, propõe que este conceito é antes uma construção social do que resultado de uma anomalia cerebral. Este pensamento é compreensível ao analisarmos as diferentes sociedade, as maneiras diversas como elas lidam com o ambiente e a forma de se portarem.
Um xamã de uma tribo indígena que conversa com espíritos ancestrais é aceito e também cultuado dentro de sua cultura. Quando deslocado para o ponto de vista da cultura ocidental contemporânea capitalista, este homem será julgado como alvo de surtos psicóticos.
Percebam que ele é o mesmo homem, mas suas atitudes serão interpretadas de maneiras totalmente diferentes de acordo com o meio em que ele está inserido.

Podemos inumerar diversos casos em que uma determinada ação é aceita dentro de um contexto, enquanto que em outro é totalmente repudiada. Comer com pauzinhos pode parecer loucura para um brasileiro quando se existem talheres. Assim como possuir uma festa com a duração de uma semana, com ocorrência de uma vez ao ano, em que todas as práticas sexuais e libidinosas são não somente aceitas, mas como também incentivadas pelos meios de comunicação, poderá parecer loucura para um protestante do norte da Europa.
A loucura é então determinada pelas condições históricas e locais. Trazendo um exemplo que muitos leitores possam conhecer é o fato de muitos médiuns sofrem com preconceito, recebendo diversas classificações patológicas como “esquizofrênicos” ou “histéricos”. Não digo que não exista uma disfunção cerebral que possa causar alucinações. Mas como podemos negar o fato que essas pessoas são felizes em seu meio e encontram uma utilidade para suas vidas? Será justo trancarmos em manicômios, ou criticar por suas condutas, todas as pessoas que se dizem possuidoras de contatos com entidades de outros planos, em nome da Ciência, para definharem infelizes como loucos e renegados da sociedade?
Ou será mais justo que demos a esse ser humano o direito de praticar suas crenças, desde que não invada o campo do outro ou atente contra os direitos humanos?
O conceito de loucura não irá somente variar em questão de espaço, como também dentro da mesma sociedade em diferentes tempos. Na Europa, durante o Renascimento, o louco tinha direito de viver solto nas cidades e era visto como detentor de um saber esotérico que guardava as verdades secretas do Universo. Exemplo desta tradição é o nosso conhecido Arcano 0 do Tarô, que representado pelo Louco, se refere à loucura como uma busca errante da verdade.
Com o advento do Iluminismo e a busca pela Verdade Última das Coisas, a loucura é vista como oposta à razão, ou seja, contra os conceitos de verdade ou moralidade. O próprio Descartes afirma que podemos encontrar a verdade até nos sonhos, mas jamais na loucura.
Na Época Clássica os loucos são expulsos da vida social, junto a demais proscritos, como sodomitas, prostitutas, feiticeiros e alquimistas.
A Psiquiatria surge algum tempo depois com a proposta de classificar, enquadrar e “curar” a loucura, considerando sintomas como sinais de um distúrbio orgânico.
Freud tem um papel importante nesta história ao discutir a questão da normalidade x patologia. Na Psicanálise, o que distingue o normal do anormal é uma questão de grau e não de natureza, isto é, nos indivíduos “normais” e nos “anormais” existem as mesmas estruturas de personalidades, apenas em intensidade diferentes.
Mas afinal, o que é normal?
A idéia de normalidade é muito mais uma questão de matemática estatística do que de saúde.
Viver a vida na busca doentia por dinheiro e status social é normal em nossa sociedade. Mas é extremamente patológico.
O atual paradigma da ciência impõe rótulos, e ao impormos uma classificação, nós restringimos o universo de alguém. Você pode chamar uma criança de hiperativa e enchê-la de remédios ou pode chamar uma criança de ativa e colocá-la para praticar esportes. Você pode dizer que um jovem tem deficiência de aprendizagem e enchê-lo de remédios ou pode descobrir a dificuldade dele e introduzir novos métodos de ensino mais adequados a sua situação especial.
Existe um padrão de comportamento exigido pela sociedade, e todos aqueles que fogem da média são considerados desviantes da normalidade.
O saber científico e suas técnicas surgem comprometidos com o interesse de alguns grupos em manter a ordem social. Anestesia-se ou retira-se a legitimidade do discurso do indivíduo que contesta esta ordem, transformando-o em louco.¹
Ocultistas? Loucos! Médiuns? Esquizofrênicos! Alquimistas? Se autoenganam em mentiras!
Que saibamos viver com as ambivalências dos significados, sem exigirmos a padronização das individualidades.


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