terça-feira, 2 de março de 2010

A MÚSICA NO ESQUIZODRAMA: SOBRE O AMOR

DOR AMOROSA: CANTAR, CANTA...
                              jorge bichuetti



''Mora na filosofia, pra que juntar amor e dor...''
...O amor é fonte de felicidade e prazer agrega e quebra a solidão; com ele, voamos... Transcendemos o cinzento do dia- a- dia e nos misturamos e nos colorimos de azul, céu e mar; de verde, esmeraldae campinas; de vermelho, amarelo, rosa, flores, sol, alvorecer...
''Toda carta de amor é ridícula...''
Todo texto, também...
O amor cantado em verso e prosa, é igualmente sussurrado, lamentado nos diálogos da clínica. Porém, emerge quase sempre num emaranhado de soluços e lágrimas.

Dor amorosa - tema clínico...
Para Freud, o amor envolve sempre uma simbiose, fisiológica ou patológica
Reproduz a trama edípica
É amor dependente.
Guattari sugere existir máquinas edípicas, dependentes. No amor marcado pela fallta.
Máquinas celibatárias no amor livre
E propõe a construção de uma nova suavidade, a solidão compartilhada do amor que se sedimenta na multiplicidade dos encontros.
Contudo, na clínica hegemonicamente apenas sobrecodificamos o discurso da dor amorosa
Perda, ciúme; frustração, desencontros e decepções são reduzidos à trauma familiar, à incapacidade de se lidar com a falta ou ao diagnósticos de identificações e projeções que fazem do ser amado ar e pão, suprimento indispensável à vida.
Ninguém é uma ilha; ninguém, também, insubstituivel
O desejo não tem objeto. ''O nosso amor a gente inventa'' ou ''quem ama inventa as coisas a que ama''
Desejar é correr risco.
Contudo, não desejar é putrificar- se, mumificar- se em vida.
Assim, precisamos lidar melhor com a dor amorosa: na clínica, rua...
Na clínica, na rua... A música tem sido uma boa companhia da dor amorosa.
Certa vez, um jovem chega à terapia carregado de amargura. Havia perdido seu grande amor.
Bancário, vida metódica. Dependente compulsivo.
Após a raspagem do emaranhado edípico cristalizado, onde perda/culpa, identificações e projeções percebidas, foram desanuviando a dor, persistia, porém, ainda muito sofrimento, saudade, coração ferido.
Dialogando, descobri: andamos esquecidos do modo popular de curtir e superar a dor de amor frustrado.
Conversamos, então, cantarolando músicas de amor: Noel Rosa, Lupiscínio, Bethânia, Chico Buarque, Djavan...
Em vez de negar a dor, a compreendemos real; só superável, se vivida. Ele passou a se permitir a ouvir canções de amor, sem temer os próprios sentimentos:
''Nosso amor que não esqueço
e que teve o seu começo
numa festa de São João''.
''Você sabe o que é ter um amor meu senhor, ter loucuras por uma mulher.''
''Cantei, Ah cantei... Até ficar com dó de mim. E num instante de ilusão''.
''Começar de novo
só contar comigo
vai valer a pena
ter amanhecido''.
Extraímos do modo boêmio de enfrentar o amor e suas dores, um jeito de se cuidar.
Ou seja, um jeito de viver sem precisar da negação do sofrimento, nele mergulhando na companhia de uma bela canção para voltar à estrada, desejoso de viver e amar.

Num esquizodrama, trabalhamos as lembranças do primeiro amor e o amor dos nossos sonhos.
No aquecimento, uma valsa. Rodopios, bailados...
O grupo foi estimulada a criar um som gutural que expressasse o flutuar amoroso do valsar.
Sentamos numa roda. De olhos fechados. Ouvimos. Roberto Carlos, Cascatinha e Iana... E ''se esta rua, se esta rua fosse...''
Depois, sentamos em roda. Relembramos cenas do primeiro amor, de amores inesquecíveis...
Dividimos o grupo em três sub- grupos.
Cada grupo deveria dialogar, trocar... e montar uma cena.

Grupo1. Campo. Um riacho. Namorados passeam de mãos dadas.
É pedido que escolham um fundo musical.
''Como é grande o meu amor por você...
Nem mesmo o céu,
nem mesmo o mar
nem o infinito...''
O grupo volta a passear...
E constrói solilóquios, sussurrados, sobre seus sonhos de amor.
Encerram a cena com palavras ao vento que acrescentariam à cena: ternura; menos repressão; coragem de assumir o amor; saudade é forte mas nos faz sentirmos vivos; sonhar amores é exorcizar a morte...

Grupo2. Sala- de- estar. TV... Flores. Crianças brincam e um casal briga e termina em lágrimas o namoro.
Música - Atrás da porta. Voz forte, doída, de Elis.
O grupo todo emociona...
Nasce um diálogo: rupturas, desencontros...
A dor da paixão quando esta agoniza.
Eterno? Finito?
Terno? Vivido, intensamente?
O grupo - vê no espelho de outros em cena dois focos: as crianças brincam, brincam... E o casal briga, briga...
É proposto, então, que se faça uma nova cena: o casal deverá brigar com à lógica ( à modo ) do brincar infantil.
A briga torna-se jogo, e jocosa.
Risos...
Descobre-se atrás do melodrama do adulto novas possibilidades - o brincar adulto novas possibilidades - o brincar com as dores, delas rindo como quem desfaz fantasmas soprando o ar e no ar, nuvens passageiras, bolhas- de- sabão.
As crianças ao brincarem, incorporandoo clima da briga do casal, forja uma cena. Uma cena de guerra. Tiros, espadas...
O grupo silencia...
O silêncio pesa... Angustia...
Trocas: como incitamos o mortífero de uma guerra bélica, como administramos diferenças, desavenças com clima de poder, poder sobre o outro. Invadimos e somos invadidos; acorrentamos e nos deixamos acorrentar.
O grupo, então, ao som de A Rosa de Hiroshima refaz a cena . As emoções intensificadas...
Alguém grita- Paz!...
O grupo é chamado a montar uma estátua que expresse o desejo de paz, paz no mundo, paz em nós...
Estátua move-se, baila...
Congelada, escuta o poema ''Amigo'' de Cora Coralina.
Sentados, conversa-se sobre como é suave o fim amoroso se ele é visto e vivido pelos nossos corpos sem o signo da vitória/ derrota; sucesso/ fracasso. Como é suave o fim se ele é apenas a dor- saudade, relembrança.

Grupo 3. Fogueira. Festa de Santo Antônio. Quadrilha...
Simpatias para se conquistar um grande amor.
Risos, brincadeiras.
Cultura popular: resgate, simpatia.
O grupo contagia e todos brincam. A cena multiplica-se, expontaneamente.
No final, ao som de ''Começar de novo''. Arquiteta-se uma fé, fé coletiva.
Fé nos outros muitos amores que virão.





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