Jorge Bichuetti
O discurso médico ordena a vida. Dita os parâmetros da normalidade e codifica sintomas e modos de ser, diagnosticando o anormal. E age, ainda hoje, fenomenologicamente, isto é, tendo por base a compreensão matemática das vivências humanas.
O normal, assim, é o homem-médio.
Segundo Lineu Miziara, em “A Salamandra”, “a mediocridade institucionalizada”.
O louco, todavia, desafia as instituições. Enfrenta o hegemônico, o real instituído.
A roda da história não se mostra submissa diante da nosología psiquiátrica. E redime loucos, neles reconhecendo vidas que anteciparam o futuro, desbravaram caminhos, reinventaram o destino.
... Todavia, a loucura é o humano crucificado e é sofrimento... Nem sempre devindo-se ressurreição.
Existem loucos perambulando pelas ruas, solitários e famintos. Outros ainda, trancafiados em porões públicos ou privados, longe da vida.
A antipsiquiatria questionou. Denunciou, porém, não conseguiu desnudar os mistérios da loucura.
Deleuze e Guattari nos legaram sugestivas pistas que permite a qualquer um que se dispa de seus preconceitos, aventurar-se na elaboração de um modo de ver e viver as crises e a própria vida, no fecundo terreno da produção do ser que se produz e se relaciona, produzindo da diferença uma nova vida, alternativa a ordem vigente e comprometida com uma ética de humanizar-se, humanizando o mundo ainda que seja com o preço de uma árdua luta.
A crise é a situação existencial de profundo questionamento do vivido, do instituído, do status quo.
Nela, existe um caos e uma utopia.
O caos é um espaço de produção. Da vida gestando-se nova e da vida mais vida que já livre da sociedade de controle pode se ver germinando inovação, e não mera reprodução do preexistente.
Nem sempre do caos emerge a vida pela vida; dele também se devém morte, paralisia, acomodação.
Numa crise, se agenciamos o sofrimento na luta de uma utopia ativa por se afirmar como ser da diferença, dela saímos renovados e inovadores.
Quando, todavia, o controle e a repressão do real instituído consegue capturar o novo emergente e amordaçá-lo, o homem se torna o que conhecemos como esquizofrênico de asilo, o humano girando em falso, a dor da vitória da servidão.
Deve ser neste sentido que uma usuária definiu a loucura chamando-a de “o vazio da solidão de quem ama” e Dr. Gregorio F. Baremblitt de “a surra que o simulacro (ser diferente) tomou do sistema”.
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