Jorge Bichuetti
Ontem no quintal, eu e Lua, vimos durante longos minutos a outra, a outra Lua, minguante, amarela , vivia, reluzente... Subia e entre os álamos parecia uma altiva guerreira vigiando Algum desesperado e triste, orando num campo de oliveiras... Regamos as samambaias e a roseira... Um novo cacho: branco-rosado... Singelo.
Pela manha, despertei-me muito cedo... Expliquei a Lua que era pela Terra; haverá todo o dia atividades no TEU( Teatro Experimental de Uberaba ), fez dengos de quem também deseja ir... Li para ela, versos de Cora Coralina... Ela adormeceu, sonhando com a ternura viva da poetiza do amor singelo e da natureza viva.
Quis ouvir Hayden, As sete últimas palavras do Cristo... Não encontrei. Muitos discos, irei organizá-los...
Porém, ficou ruminante as imagens do calvário...
Vi Jesus menino ali... Sofrendo, só...
Depois, vi tantos... Incontáveis... é desesperador: há uma multidão de Cristos na cruz...
Meninos de rua, prostitutas, gays, negros, índios, pobres esfomeados e doentes, mulheres machucadas e assustadas, jovens delirantes e intoxicados, imigrantes, o povo da rua, o povo da floresta, os Sem-Teto, os Sem Terra... Crianças de direitos violados, velhos abandonados... Quantos Cristos para a mesma cruz e o mesmo calvário...
O mesmo drama, a mesma trama...
Os governantes lavam as mãos e se vão... banquetearem nos bacanais da leviandade.
A polícia ridiculariza... vigia, fere, machuca... produz os estigmas das chagas...
Eles choram... O povo omisso, uiva... aplaude, regozija...
Nós pés da cruz, no deserto do abandona, da exclusão e da solidão, a bondade maternal, a ternura de alguns amigos e alguns gestos de solidariedade...
Como somos hipócritas!... Jejuamos, fazemos penitência, oramos... Mas continuamos, crucificando.
Os pobres, os deserdados, os infelizes são herdeiros do calvário...
***
Hoje, é o dia da Terra... Nossa Mãe, Ivy-porá, Pachamama, Mãe Gaia...
Terra, igualmente crucificada, machucada, espoliada...
***
Quando descruzaremos os braços, ergueremos os olhos, agiremos?... Quando?...
Quando retiraremos os Cristos da Cruz...
***
Dia 21 - Porto Alegre parou para ver e pensar... Eldorado, massacre cruel... Calvário reeditado no silêncio da vida que levamos, vida omissa, acomodada, negligente, indolente... Irmão são assassinados num país que discursa a defesa dos direitos humanos e mantém sob o tapete as nossas espúrias histórias e celebram com regozijo o império da impunidade.
Bravo! Valente Levanta Favela - grupo teatral - que quebra o silêncio e diz a oitava palavra da Cruz, ainda por ser pronunciada: Obrigado, meu povo, vocês advogaram a minha vida, a vida, a vida da humanidade!...
***
Exma Presidenta Dilma Rousseff não imite Pilatos... Nesta sexta-feira da Paixão acabe de vez com impunidade, clame, exija, não lave suas mãos: chame o Congresso nacional e peça a votação imediata da PNDH-3 e nos dê, pelos Cristos que se foram a Comissão da Verdade...
***
Amor é liberdade; liberdade é justiça, justiça é cidadania... Na rua, nos becos, nos lares, nos bares... As estatísticas nos desnudam: somos um país onde a cidadania é diariamente crucificada...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário