Acendo o cigarro e, como criança, miro a fumaça, vendo nas nuvens caseiros do meu vício imagens do caminho... O luar esplendoroso me despertou com alegrias novas e senti o céu estrelado, poetizando a esperança, como se desejasse nos contar da vida possível nos universos da ternura e da compaixão... Os álamos orvalhados bailam, suavemente... Há uma valsa no ar... Colho um limão e romãs... e pesaroso, renuncio aos belos cachos de rosas, as deixo para os nossos queridos passarinhos que só esperam as badaladas dos sinos para iniciarem sua sinfonia matinal... A vida é bela... Não lamurio, compreendo... embora, reconheça que perdi muito tempo não procurando ter olhos de ver... de ver um pouco além das aparências...
A luta é caminho de vida... porém, a vivenciamos bélicos; e ela é pródiga de alegria e paz, quando a vivemos, afirmativamente: precisamos aprender a lutar na vida pela vida, a lutar afirmando o existir e a beleza da vida de ternura e compaixão.
Há pedras no caminho... Diante delas, choramos, reclamamos, nos desesperamos, enlouquecemos...
Mas, todavia, há caminhos em cada pedra: cada pedra é uma anunciação, uma elucidação de caminhos que precisamos percorrer no nosso crescimento pessoal e coletivo.
A dificuldade fora reflete um limite, uma limitação interna...
A lágrima que cai corrosiva é trabalho, tarefa a ser desenvolvida... ela dói, não nego; mas é só um grito da vida clamando por mudança, transformação, novos caminhos...
Muitas vezes, nos revoltamos com as pedras que obstaculizam a nossa caminhada; não reconhecendo que elas definem as batalhas necessárias para que nos superemos... Nelas, parimos novos eus... Nelas, solidificamos nosso corpo e nosso psiquismo... Nelas, reafirmamos nossa ética de existir...
Muitas vezes, pude comprovar na vida... que com pedras se inventa o novo:
Quebrando-as, dobrando-as... reinventamos o nosso corpo e nosso eu...
Amontoando-as e delas tecendo escadas, atingimos os cumes da vida de intensidade e plenitude.
Contornando-as, descobrimos caminhos antes não vistos...
E aqui... recordo companhias valiosas das minhas singelas reflexões...
Sartre dizia: o outro é o nosso inferno... Frase que perde o valor, se dissecamos sua obra e vida.
Porque não consigo esquecer o efeito que teve em mim, ouvir Hebe de Bonafini, coordenadora das Mães da Praça de Maio da Argentina, gritar: o outro sou eu...
Há pedras e caminho... E pedras e caminhos para o eu que vê no outro um inferno, um inimigo... e pedras e caminhos para quem vê que todo processo do existir consiste na descoberta de que eu e tu somos ilusões do individualismo, pois tudo na vida processa em rede, em conexão, sempre somos nós....
Afirma Juvenal Arduini: o sangue da humanidade é sangue nosso.
Pedras e caminhos, na dinâmico do eu versus o outro nos leva à guerra, à paranóia, à vida de vítimas e algozes...
Pedras e caminhos, no entre do nós cria a ética do bem comum... e nos coloca nos universos da ternura e da compaixão onde tecemos a solidariedade ativa como fonte, nascente, ponte para a indignação e insurgência, diante da lágrima e do sangue do outro que agora é irmão... e, assim, nos vemos contagiados pelos sonhos de libertação.
Assim, ganhamos asas... ocupamos o território do horizonte azul onde pulsa os sonhos da vida que almeja no hoje ser já amanhã...
2 comentários:
Lindas palavras que me refazem, ainda mais hoje que estou me sentindo uma pedreira, embora que numa sexta feira deveria estar é num clima de feira... Ante preciosas palavras, me reconforto e me devolvo a esperança, afugentando o fatalismo e todo seu adorno pessimista. Simplesmente me afeta, me reorganizo, me proponho lidar melhor com esse tal Outro-Eu. Grato.
Beck
Beck: o leio e me escuto... sentimentos e vivências de guerreiro: dias serenos e dias de ventania... vamos aprendendo a voar. Abs com carinho, jorge
Postar um comentário