quarta-feira, 10 de agosto de 2011

DIÁRIO DE BORDO: A RIQUEZA DO SINGELO

                                              Jorge Bichuetti

A madrugada passou... Bela e cantante; cheia de cores... O céu parecia uma performance viva onde as cores bailavam nos envolvendo numa meiga suavidade. Saltitante e alegre, a Luinha já está de prontidão. A roseira retornou ao seu laborioso trabalho de florir, perfumando minhas manhãs...
No silêncio, escutamos muitas vozes: vozes da natureza... vozes do vivido e do escutado... Vozes da vida.
Nunca fui uma pessoa com complexidades materiais ou espirituais... O singelo sempre me encantou... Adorava visitar amigos e ficar horas proseando, ouvindo um velho disco sobre a sombra acolhedora de uma árvore... Recordo com vivacidade dos bancos... alguns caixotes: móveis únicos da casa. 
Porém, a simplicidade era pra mim, tão-somente, um jeito de viver cômodo, acolhedor... Um dia, e, depois noutras ocasiões, descobri que a simplicidade é o caminho que nos liberta de muitas angústias e ansiedades...
Dr Lineu Miziara, grande mestre e amigo, certa ocasião, numa conversação, diante da levantada dificuldade de ser feliz, eloquente, asseverou: simplifica, simplifica...
E continuou: exigimos muito, e, assim, sempre nos frustramos. Acrescentou: o segredo da felicidade é diminuirmos nossas expectativas sobre os outros e sobre nós mesmos... Esperamos com muito expectativa, demasiada exigência... nunca nos alegramos com o que conseguimos e com o que os outros conseguem nos dar. Desde modo, somos eternos frustrados, vivemos numa perene insatisfação...
Simplificar é na economia uma medida libertadora de tempo livre... no cotidiano, u'a providencial economia de preocupações.
E simplificar no con-viver é fugir das vinculações onde o círculo rodopia na falta...
Não aceitamos nossa humanidade. Sofremos com nossos limites e vulnerabilidades; nessa auto-rejeição, quedamos paralisados... Quando poderíamos produzir, inventar, criar, intervir, agir, servir, doar no que já temos... no que já somos... Presos à frustração, jogamos stress, angústia, insatisfação no corpo e o adoecemos. Somos pouco? sim e não... Sim, porque temos muito o que aprender, muito no que crescer... precisamos nos aperfeiçoar. Todavia, nossa pequena contribuição e nossos equívocos, erros e falhas se dão, muito mais, por não intensificarmos a vivência do que ja somos e já temos...
O outro é pouco. Igualmente, sim e não... Sim, porque, como nós, é alguém em movimento, em construção, carregando sua humanidade... Não porque nos frustramos não pelo que o outro ainda não consquistou, nos frustramos porque não queremos deixar de esperar o que sabemos que ele ainda não possui para dar...
Falamos de perdão e resignação... Valores , se ativos, libertadores; se passivos, alienantes...
e falamos do quanto de vida deixamos para trás na lógica da falta... Seduzidos numa irracional hipnose, sofremos pela falta; desprezando o uso e o desfrute do que nos abunda...
Antecipar angústias e problemas...
Esquecer que é preciso lutar, mas também compreender...
Tudo isso são linhas que nos jogam na crônica infelicidade que nos impede de sorrir e cantar, dançar e brilar... em sintonia com a vida que flui com encantos e encantamentos que nem notamos no casulo de fracassados que nos aprisiona pelo nosso narcisismo e nossa onipotência...
Uma rosa nasceu, perfumando...
O dia raiou com pássaros cantantes...
O céu azul é um canto de paz e clamor da vida para que a busquemos na intensidade  singela do voo libertário das borboletas...
Cultivemos um jardim... e caminhemos; o restante é obra do caminho.


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