Jorge Bichuetti
A loucura nos dá medo. Temos medo dos ditos loucos: eles comem criancinhas!...
É o mito reatualizado: o louco é perigoso, pueril e improdutivo.
No entanto, a nova psiquiatria já conseguiu ver no sofrimento mental a crise de alguém que questiona o mundo e se revela diferente. O louco agora não é mais desrazão, nem a materialização humana da figueira seca.
Ela - a loucura - é uma lavoura fértil: denuncia a violência e o desamor, a injustiça social e o cotidiano robotizado do mundo e anuncia a possibilidade do novo, de um novo modo de ser e amar, de viver e sonhar. Aliás, a convivência com a loucura nos permite ver neles um duplo analisador: foram os ditos normais que criaram o Vietnã , a Bósnia, o Carandiru, a Candelária... E que a ordem social criada pela lógica da normalidade, esta sim, assassina as nossas crianças: de desnutrição de abandono, de roubo do seu direito de ser criança e crescer na linguagem graciosa e terna do ato de aprender, brincando. Ela ensina mais: o mundo da normalidade instituída é um mundo de homens cinzentos.
A loucura, não, é a poesia do arco-íris, o encanto da noite de luar... O pôr-do-sol...
Vivemos fugindo da loucura. Temendo-a, negando-a... Todavia, se existe uma loucura-doença, ela existe justamente devido à necessidade social de organizar a vida, fazendo do homem um corpo servil, jamais podendo se devir ser singular, diferente.
Assim, criamos o esquizofrênico de asilo, o doente mental propriamente dito, a loucura-dor...
A clínica da psicose depara-se com estas questões. Existe na loucura uma dor que pede aconchego, limite e espaço de reconstrução da vida. Uma terapêutica capaz de secando lágrimas, auxiliar na concretização dos sonhos emergentes. E uma terapêutica capaz de ousar, escutando nos clamores da loucura os convites da vida, da vida que cansada do medíocre, já se permite querer novidade.
Sim, tememos a loucura. Hoje, seria mentira dizer que nós, eu, você e a sociedade, tememos os “loucos”. Tememos neles a voz da vida. Negamos neles a nossa própria loucura.
... Porém, chega de covardia. Afinal, podemos diante da loucura, nossa e alheia, dizer: posso, preciso e devo assumir tudo e todos; que nascendo novidade nos tirem desta melancolia, desta melancolia de um mundo que precisa esperar um ilusório fim do mundo, para não se descobrir na responsabilidade de reconstrui-lo, aqui-e-agora, sempre, na luta e na festa, reconstruir o mundo livre e feliz, fraterno e solidário. Um mundo loucamente cristão... Loucamente socialista... Um mundo-Céu...
Aí, então, enclausuraremos no hospício da história a loucura desalmada dos que alimentam, tripudiam e lucram com o sofrimento inerente a um sistema, este mesmo sistema que a loucura ousa negar ao se propor estar a serviço da vida, vida-lavoura que produz arroz e feijão, soja e café, mas também uva, maça e um ou outro fruto proibido.
2 comentários:
Obrigada Jorge por um texto tão lindo!
Sensível como voce é, nos tornamos mais!
Abraços
Elisa Carvalho
Elisa, esta sensibilidade não é minha... Ela se dá nos encontros, nos entres. E aí devo dizer que a arte tem nos ensinado a desenhar caminhos de liberdade e ternura.
A loucura está entre... a arte e a paixão, entre o vento e o arco-íris... entre a solidão e as tribos de amizade e carinho, cumplidade e vida que se formam gestando um novo mundo. abraço comimenso carinho jorge
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