segunda-feira, 18 de abril de 2011

BONS ENCONTROS: AUGUSTO BOAL E O TEATRO DOS OPRIMIDOS...

                         o teatro do oprimido: uma entrevista com Augusto Boal...
 - Quando se inicia o Teatro do Oprimido?
Começou um ano antes de eu sair do Brasil. Foi em 70. Queríamos fazer uma escola dentro do Teatro de Arena. Convidei minha mulher, Cecília, que era atriz e estava chegando também da Argentina – ela é argentina –, e Heleni Guariba, minha melhor amiga naquela época, para fazer um curso. Era um grupo muito grande, do qual participou gente como Celso Frateschi, Denise del Vecchio, Dulce Muniz, entre outros. Quando o curso acabou, eles disseram que não queriam parar. Aí recuperei uma velha idéia que tinha tido com Vianinha, que nunca puséramos em prática, de fazer algo que chamaríamos de Teatro Jornal – utilizar os jornais do dia para fazer o espetáculo à noite.

- Um trabalho absolutamente em cima da conjuntura...
Totalmente. Desenvolvemos doze técnicas de como transformar notícia de jornal em cena de teatro e batizamos de Teatro Jornal, 1ª edição. Trabalhávamos com os populares, mostrávamos como fazer, mas deixávamos que fizessem. Não tinha mais peça. Isso, mais uma vez, com a ajuda da Igreja.

- Como a Igreja ajudava?
Cedendo o espaço, reunindo os fiéis. Em determinado momento tínhamos mais de cinqüenta grupos desse tipo, por toda São Paulo.

- Você foi preso nessa época?
Fui preso em 1971, justamente quando Teatro Jornal, 1ª edição estava em cartaz e
 – Por que você e o Teatro do Oprimido são excluídos da grande mídia?
Boal – Eu acho que todos aqueles artistas que fazem alguma coisa que é extremamente útil para a população e tudo, mas que não tem um gancho, como por exemplo um ator de televisão conhecido, ou algum outro evento que individualize as pessoas, esses são excluídos. Não é o Teatro do Oprimido, nem eu. É qualquer artista que não fizer assim. É excluído mesmo. Em geral, a mídia se interessa pela individualidade, só. E o que nós estamos tentando é fazer com que o Teatro do Oprimido seja usado em todo o tecido social. Não é ver, por exemplo, onde estão os talentos da favela da Maré. Nós não queremos transformá-los em atores de televisão, não é isso. Agora estamos lançando um projeto novo, que é a Estética do Oprimido. Nosso objetivo não é descobrir qual é o melhor poeta de Jacarepaguá, ou qual é o melhor pintor de tal lugar.
 – Então, o que vocês querem não é o produto final, mas o processo de elaboração.
Boal – Sim, o processo estético é mais importante que o produto artístico. Agora, para quê a gente quer isso, não é um capricho, não é? É que a gente vive na Terceira Guerra Mundial, clara, e estamos perdendo. E essa guerra mundial que estamos perdendo é a guerra da informação. Liga a televisão, hoje, e você vai ver somente filmes estadunidenses, e só de violência. Você nota se o filme é estadunidense ou não, de inspiração em Hollywood ou não, se em cada cinco minutos tem um soco, um tiro, ou uma explosão. Aí isso é estadunidense. O filme europeu raramente tem isso.
 – E o Teatro do Oprimido, também por não fazer isso não sai na mídia?
Boal – Não sai. Porque a gente quer é o contrário, quer que as pessoas em vez de ficar assimilando, produzam, produzam. Então elas vão questionar, inclusive, as informações recebidas. Se você é obrigado a escrever um poema, depois você se anima, porque os poetas se animam. Entre as domésticas, tem uma que não pára de escrever. Atola a gente de poemas.
 – Essa é a Estética do Oprimido?
Boal – É isso, é fazer com que as pessoas se apropriem da arte. Não sejam massacradas pela informação.
-  E como é o seu trabalho com os movimentos sociais?
Boal – Com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o trabalho é muito bom, mas seria melhor se a gente tivesse meios para isso. Há alguns anos, eles começaram a vir ao Rio de Janeiro, do Brasil inteiro. Trabalharam com a gente durante algum tempo, e passamos para eles o que podemos. Depois eles voltaram para seus Estados, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco etc., e lá eles começaram a desenvolver o Teatro o Oprimido.
- São dificuldades logísticas?
Boal – E econômicas. Mas a gente trabalha com eles. E também com os sindicatos dos bancários, dos professores. E estamos trabalhando com dez grupos da periferia. Nas prisões, em seis ou sete Estados brasileiros. Com um projeto de um ano e meio, com o Ministério da Justiça apoiando. E sai caro, porque você imagina ir daqui para Recife e voltar.
 – Trabalho com os prisioneiros?
Boal – Fazemos as duas coisas. Desta vez tentamos fazer com os funcionários, para que se sintam também participantes desse processo. Quer dizer, que eles entendam que são oprimidos também, e que não resolvem a opressão deles oprimindo outros.
 – E o que é para o senhor a democratização da cultura e meios de produção cultural?
Boal – Democratização da cultura é uma expressão que está sendo muito usada, mas num sentido que não me agrada. Porque é como se dissessem assim: existem algumas pessoas excepcionais, que são os produtores de cultura. Então, esses produtores de cultura vão democratizá-la levando a um maior número de pessoas. Mas o maior número é entendido como de consumidores, e não como de produtores de cultura. Acho mais importante ainda que as pessoas que recebem o filme sejam também capazes de poder pensar em fazer filme. Ou as pessoas que recebem um livro para ler sejam também incentivadas a escrever elas mesmas.
 – É o que acontece com a democratização da comunicação, também queremos democratizar os meios de fabricar o jornal.
Boal – É, se você só democratizar a leitura, a exibição e tal, e transformar os outros somente em consumidores, é ruim. Mas tem que ser complementado com dizer: bom, nós viemos mostrar a vocês esses poemas. Agora escrevam vocês mesmos, vocês têm que escrever também. Democratizar a cultura é permitir que as pessoas criem cultura. É democratizar os produtores de cultura e não apenas da produção terminada. Senão se está criando mercados, e criar mercados não é o objetivo da cultura. E na informação é a mesma coisa, a gente tem que criar meios de informar, de contra-informar, de se opor informações para que dessa confrontação, para que dessas dúvidas, inclusive, nasçam certezas. E é isso o que a gente está tentando fazer.


9 comentários:

Mari Alice disse...

Dr. Jorge, que delícia.

Este texto deu uma boa reviravolta na minha memória. O Augusto Boal que conheci, já era o "BOAL".
Grande criador do teatro do oprimido, que apresentava uma perspectiva revolucionária da arte. Não desistiu, mesmo após a volta do exílio. Viajava pelo mundo desenvolvendo atividades, ligadas ao oprimido.

Emociona-me saber que atualmente, o Teatro do Oprimido tornou-se um Ponto de Cultura, formando multiplicadores nas áreas da saúde mental, sistema prisional e educação.

Vivi com muita emoção e alegria, Boal, Plínio Marcos, dentre outros, na Universidade de Viçosa.... cantei muito, Mulheres de Atenas, que por sinal é linda demais, e pra não faltar, o belo “Meu caro amigo”

OLHA, UM PEDACINHO DELA AÍ: MULHERES DE ATENAS

....Quando eles ....embarcam soldados
Elas tecem longos bordados;
Mil quarentenas.
E quando eles voltam, sedentos,
Querem arrancar, violentos,
Carícias plenas, obscenas.

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas:
Despem-se pros maridos,
Bravos guerreiros de Atenas....

E QUANTAS SAUDADES....... DO MEU CARO AMIGO.

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus

Muitos abraços e um montão de beeeeeeijos na Lua.

Maria alice

Maria Alice disse...

Dr Jorge,
o desânimo, a quietude,o silêncio da alma, a vontade de subir uma infinidade de degraus,tomaram conta de mim.
Vou ficar um tempinho distante do Utopia Ativa. Este espaço é belo, mas... o que mais necessito é dormir e procurar os sonhos. Acordada, eles não chegam, mais!
E se eu não voltar a sonhar, nunca encontrarei o que existe além dos meus sonhos.
Terapia, toda quinta!
Blog, até um dia!
Carinho no meu abraço.
maria alice

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Carta a uma amiga; epistola a Maria Alice...
Lembrar Boal, Paulo Freire, Minton Santos... e tantos nos emocionam e nos enchem de desejo de viver e construir caminhos de vida-nova, caminhadas de libertação nos territ´´orios de lágrimas do povo sofrido.
Não sumas demais... uma olhadinh, uma pala... só uma presenã mesmo que não leia e que fiscalize como anda a luua, faça-o... Os amigos são minha única riqueza...
Agora, sobre descansar , dormir: o corpo pede... atendo-a.
Abraços com carinho, ternura e verdadeira admiração, Jorge

Maria Alice disse...

Dr. Jorge, meu terapeuta e amigo, quanto carinho. Recebo nas suas palavras um montão de ternura, e minha torneira abre!
Obrigada.Paz em Cristo.
maria alice

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Maria Alice, minhas torneira são ecologicamente incorretas; abre. Onde chorei por que perdi dentro do computador ( este bicho burro ( meu text " Cristo: uma loucura santa", que mandar para o FE Fábio, junto com um poemeto sobre Monsenhor, vi que perdi o email pessoas que ele usou para me responder, uma hora você podia me passar; um abraço com ternura que é o infinito num gesto de carinho, renovado minuto a minuto, Jorge

Camila Bahia Leite disse...

É um prazer revisitar seus escritos e registros... Isso me enternece e motiva-me a escrever... e ainda encontramos pérolas, que parecem surgir do nada... do simples... de pequenas idéias que tornam-se grandes...

"Democratizar a cultura é permitir que as pessoas criem cultura. É democratizar os produtores de cultura e não apenas da produção terminada. Senão se está criando mercados, e criar mercados não é o objetivo da cultura. E na informação é a mesma coisa, a gente tem que criar meios de informar, de contra-informar, de se opor informações para que dessa confrontação, para que dessas dúvidas, inclusive, nasçam certezas."
Veja só as palavras de Boal, tão simples e tão verdadeiras... Amigo, me senti muito provocada, o que tiver sobre o TO pode enviar-me??? Besos...

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

cAMILA: PODIAMOS TRAZER O fÁBIO PARA ELE NOS DESSE UM TREINAMENTO DE ALGUMAS HORAS... EÉ VIÁVEL E ME A QUE PODEMOS APROPRIARMOS MAIS DESSAS FERRAMENTAS TÃO GLORIOSAS E LIBERTÁRIAS... ABS TERNOS, JORGE

Camila Bahia Leite disse...

Boa idéia, Jorge... através da pós mesmo??? Interessante pensar em ferramentas tão potentes, e acho que abre um leque legal para intervenções in loco, como o teatro de rua, e afins... Tomara que dê certo... abçs

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Camila, vamos , sim; multiplicar nossas potências... abraços ternos, jorge