sábado, 23 de abril de 2011

DIÁRIO DE BORDO: OS CAMINHOS DA MÃE TERRA...

                                         Jorge Bichuetti

Lua no céu... Noite de magia: amigos, conversas, sonhos... Ontem, se realizou o evento YVE-PORÁ, O DIA DA MÃE TERRA... O cacique Edson abriu o dia com um ritual ancestral pela mãe, Terra sem males... Dança, oficinas, projetos... Cordas do Cerrado: canções do luar pela vida da Terra...
A Luinha descansa. Exausta, dorme... Estive no quintal e as árvores me olharam pela primeira vez, não como protetor, mas como irmão... Coisas do cerrada, coisas da Mãe Terra... Eu, quieto e meditativo, espero... Espero a dignidade do povo e do Congresso Nacional pela preservação da vida, com a manutenção do Código Florestal , longe do fim das nossas matas ciliares...
As canções do Cordas do Cerrado ressoam ainda agora... Musicalidade da vida nos redemoinhos do tempo que nunca passa , se vivenciamos a intensidade sensível da arte; o tempo da arte é tempo reconciliável...
Não sei se esquecerei fácil, a ternura e bravura dos povos indígenas: alegres, altivos, memória das tradições ancestrais... E, encantados, pedindo pela Terra e pedindo à Terra, o verdejar da esperança e a poesia da paz.
Os caminhos da Mãe Terra - YVE-PORÁ - são diversos...
Somos a diversidade imersa numa vida de diversidade.
O fungo e as bactérias trabalham o solo; o mato anónimo protege a pele da vida...
No bar, escuto a velha guerreira Tânia, historiadora e militante, mulher de sonhos e poesias, recordar o dia da legalização do acampamento , em que Dona Glória, ria das burguesas esposas dos políticos, ali, na humilde Terra, com suas latrinas e água do riacho; uma chega e pergunta:   está sorrindo, sim, agora, você é uma proprietária... A velha sábia, desdentada, mas com de alma transbordante, responde, pegando com a mão um "pucado" de terra, e diz: a terra não tem dono, é pão e alimento. Ela é a liberdade...
Revejo o vivido... Quando tempo gastamos para possuir o que património da vida?...
Quanta fome, porque espoliamos a vida e a deixamos vida despossuída, incapaz de devir-se alimento para todos os seus filhos...
A cana cresce e expande-se e alguns com ela se enriquecem... Os pássaros fogem e se perdem nos labirintos da cidade.. O povo da roça chora... de fome e de saudade...
Na favela, o abandono... Lixo, escuridão, casas de papel e plástico... Num radinho de pilha, as canções já tão globalizadas que já nem recordam como era belo o canto do sabiá...
Grilos, vagalumes, rãs... a passarada... Os verdes campos; as floradas... O banho no rio; as frutas no quintal... A gabiroba no cerrado, doçura suave junto aos ternos Ipês que floriam multiplicando no ar inarticuladas preces...
Ah! que saudade!...
Nostálgico, relembro minha infância: menino na rua correndo com vento, rodopiando nas correntezas do Rio Uberaba...
Onde estão os Caiapós, os índios da minha terra? Foram-se... dissipados...
Lembrando a bravura dos Caiapós, penso e choro: meu Deus, como é indefeso o nosso povo da rua!...
Mendigos, loucos, maltrapilhos, prostitutas, gays, dependentes químicos, velhos e velhas, um povo andarilho, sem-teto, sem carinho, sem direitos.. Penso, re-penso e me lembro de você: que faremos?...
Os veremos dissipados, massacrados, violentados com nossos  olhos baixos e nossos braços cruzados?...
E, depois, hipocritamente, nos ajoelharemos numa futura semana santa com lágrimas nos olhamos, sentindo a dor do martírio do Cristo Crucificado?.. Não, façamos algo...
Rebelemo-nos, solidarizemo-nos.... Amor é compromisso, não passatempo: diz Juvenal Arduini.
O ser humano é vida da vida... Não é descartável...

8 comentários:

Tânia Marques disse...

Jorge, querido, estou mandando por e-mail as perguntas da minha entrevista contigo para publicar nos meus blogs. Se você concordar em respondê-las, ficarei muito contente.Por gentileza, podes acrescentar as perguntas que desejares e que eu não tenha dado a devida atenção ao assunto. Outra coisa, seria importante um brevíssimo currículo teu para a apresentação que farei na abertura. Beijos

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, respondo , ainda mais a gente não se encoontra; estava agora aí... no poema da linha reta que mais vez chegou na hora certo.
Responderei com carinho, Jorge
com abraços mil

Marta Rezende disse...

Ei Jorge, lendo vc me veio o cheiro da gabiroba na panelinha da minha mãe, e também os gostosos banhos no Rio Uberaba, as árvores e o céu do cerrado e tanta coisa da terra que me habita. Inocência perdida? Morte do charme e da simplicidade? Nem sei mais... sei que percorro minha vida desde que saí do Triângulo e fico espantada com a crescente complexidade e violência da vida. Nunca foi fácil a vida para o povo, mas agora a coisa tá pra lá de complicada. Monetarização , tudo virou mercadoria, até a arte e a educação.

O que faremos? Pergunta complicada por um lado pois parece que o beco é sem saída. Por outro lado, é óbvia a resposta: resistir. Resistir dentro e fora de nós. No espaço de dentro e no espaço social. Mudar o modo de pensar... é uma questão também cerebral como diz Deleuze. É a isso que chamo descer da cruz. Não se sujeitar ao dominante, ao pensamento dominante, pensamento platônico que impera nas mentes há 25 séculos. Isso não basta? Não basta, é certo pois há tantas urgências como vc aponta. Falando de Sartre, Deleuze mostra a grandeza do gesto do intelectual da subjetividade frente às urgências sociais.

O que faremos? Ajuntar as pessoas, botar resistência e alegria ali, aqui e acolá. Combater a corrupção , corrupção do dinheiro e das almas. Reivindicar, reclamar. Criar alternativas de vida, trabalho, educação e cultura não capitalistas. Quais as nossas armas nessa guerrilha? A palavra e o trabalho. Ou seja, a obra, pois a obra sempre cria caminhos entre as pedras.

Tudo que escrevi acima é o que vc sabe , é o que vc faz. Continuemos. Apostemos na potência da vida que resiste ao poder, que resiste ao marketing. O marketing é uma coisa muito séria pois ele é o principal instrumento da ordem vigente corruptora. E o marketing está em todos os lugares, inclusive na educação. Em SP é comum ver professores do ensino público "educando" seus alunos dentro de supermercados. Uma professorinha me esclareceu, com a inocência da ignorância: "estamos ensinando as crianças a se alimentarem, eles não conhecem esses produtos que estão nas prateleiras". Fico olhando para essas crianças de olhos espantados diante de tanta sedução de mercadorias inacessíveis. A que ponto chegamos? Na mais baixa, na mais terrível das misérias: a consciência formada pelo marketing.

Precisamos fazer como Platão fez com os sofistas. Disputar a palavra, desmoralizar a palavra marqueteira. Falar com os professores, com as crianças, com os trabalhadores, com os jovens. Conversações, guerrilha de pensamento.

Tenho falado com essas professoras que encontro nos supermercados e com todas as pessoas que encontro pela frente e que têm algum ouvido para ouvir. Uma das coisas que tenho colocado: por que os supermercados vendem de tudo? As grandes redes de supermercado destruiram milhares de postos de trabalho e de geração de renda melhor distribuída ao acabarem com as pequenas mercearias, com os açougues, com as floriculturas, com as padarias... Todos os antigos comerciantes e suas famílias transformaram-se em empregados e desempregados das grandes redes de supermercados. Ficaram mais pobres e mais infelizes enquanto ficaram bilionários os donos de supermercados. Veja só o Abílio Diniz, considerado por muitos , inclusive pelos seus pobres empregados, como um líder, um grande exemplo a seguir.

Não nutro ódio contra as pessoas. Mas precisamos disputar a palavra com esses abílios...

Desculpe-me pelo texto longo. Conversações.

beijo
M

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Querida Marta, tudo que você diz, ressoa: das gabirobas, goiabeiras... o cerradoe seus encantos... Sobre a vida: resistir. Como?... quando trabalhamos o devir guerreiro, eu e alguns amigos, pensamos que a guerra de guerrilhas é também um manual para as lutas do cotidiano, lutar, movendo-se... A opressão inclemente nos fagocita se paramos; movendo-nos, vamos criando novas forças: nunca nos encontrar onde pensam que estamos.
Estradear, guerrando sempre. Esta semana me odenderam, pois, não quis ser conivente com uma injustiça; quanto viram já estava me movendo: sempre com sonhos, alegrias e os luares... Poéticos luares do cerrado.
Abraços guerrilheiros, com carinho do tamanho do sertão... Geraes.
Jorge

Anônimo disse...

A realidade é dura e sempre foi. É fato. Até na Suécia ela tem eventos que nos estarrecem e para isso existe a legislação que coibe os abusos. O fato, é que a maioria dos países do mundo já estão abarrotados de leis e o Brasil não é excessão.
Em termos de realidade, a mais importante é a pessoal. Esta, se possuir harmonia, paz e alegria, livre de convicções, ódios, etc, etc, fará com certeza um mundo melhor.
abraços

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Amigo, coerência e compromisso com a vida me parecem fundamentais, Abraços jorge

Tânia Marques disse...

Simplesmente assino embaixo de tudo o que a Marta disse. Pessoa sábia, maravilhosas conclusões. Marta sabe que a mudança tem que acontecer dentro e fora da gente ao mesmo tempo. Parabéns, Marta! Para o anônimo: sem pão, sem teto, não há como se ficar em equilíbrio, em harmonia, nem livre de ressentimentos, nem se pode talvez ficar em pé de dor no estômago! Não se iluda com a alegria esgoísta de quem fala de barriga cheia. Alegria verdadeira vem do pensar e agir, vem daquele ser humano que unido a nós conseguirá comer, plantar, sobreviver. Resistência sempre!

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, o blog é um espaço de militância: resistência e insurgência e de novas vinculações, alimentando sonhose utopias no caminho da luta pela libertação;
Abraços, jorge