segunda-feira, 18 de abril de 2011

DIÁRIO DE BORDO: UM DEVIR IMPERCEPTÍVEL NA TRAMA DO CALVÁRIO

                                                        Jorge Bichuetti

Dia claro, as estrelas e o luar já partiram... O sino badalou suas preces. Eu e a Lua fomos ouvir; lá no quintal a vida anda mais perto. Os pássaros cantaram quando comecei a trabalhar... Agora, estávamos, nós e os álamos... As samambaias, o limoeiro, o pé de romã; os beijos... A roseira não quer florir... Retiro espiritual... Semana Santa. Muita oração, espiritualidade... Poucos, porém, auscultam as palavras vivas das ações que ali retratam a vida e suas encruzilhadas, seus pontos de alegria e dor, companhia e solidão...
Lembro-me de mim, eu-menino... Minha mãe, o peixe assado, o jejum... A via crucis...
... Contudo, não é de religião que desejo conversar; gostaria muito de nesses dias, ver o drama do calvário numa leitura humana... numa compreensão do que a vida fala ali no apogeu do amor e nos devires que se dão no redemoinho das crises...
O império o havia condenado.Torturado, corpo sangrando... Ele carrega a cruz...  a sua cruz; seu martírio, suas lágrimas... Só... O povo que o louvara, lhe abandonara... Só... ele e sua dor...
Havia vivido com intensidade: amado, partilhado, festejado... caminhado... Peregrino, estradeou... Era uma viva e terna generosidade...
Agora, cheio de feridas... Sob as chibatas da opressão lhe pesava a cruz...
Havia sido audacioso: abraçava leprosos e prostitutas; aliara-se aos mais pobres; se fizera amigo dos humildes..
A cruz e as feridas... A angústia e o medo... Frágil, humano... Caiu...
Por três vezes, a cruz com seu peso que traduzia a violência e a ignomia dos homens do poder, lhe machucava, e ele caiu...
Caído, viu um homem anónimo; um camponês desconhecido... Simeão, o Cirineu...
Caído no chão, chorava...
E o anónimo era pródigo de solidariedade, generoso e homem de compaixão, por ele, carregou a cruz, três vezes...
Nada exigiu; nada prescreveu... Ajudou,sustentou, cuidou...
Carregou alguns metros e a devolveu..
Não lhe roubar o lugar...
Novas quedas: ele ali... Pronto, disponível, solidário...
Carregou pelo Cristo a cruz, por três vezes...
Carregou e passou, anónimo... todavia, sem sua ajuda Jesus teria sido esquecido, pois, não chegaria ao fim da via crucis para depois, encantar-nos com a canto da esperança que anima os explorados, os oprimidos, os excluídos, os injustiçados... Ele fez sua aparição com vida no sublime da resistência que enfrenta a morte para continuar sua rebelde mania de amar...
Não haveria ressurreição... sem o camponês anónimo que na suas quedas lhe ajudou, solidariamente...
Nasce , assim, o paradigma do cuidado... um devir Simeão... um devir solidariedade...
                                                            ***
Agora, neste minuto... aqui, ali e acolá, quantos cristos carregam dolorosas cruzes e caídos... agonizam entre a morte e a vida, esperando as anônimas mãos do cuidado...
                                                            ***
Imperceptível Simeão... Inesquecível amor: lições da solidariedade...

8 comentários:

Adilson Shiva - Rio de Janeiro - Brazil disse...

Pois bem meu amigo a minha alma também chora ao ver essas imagens ...a sua letra é um grito ... abraços

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Adilson, as dores nos afetam... e isso é um analisador, não permitimos que o mundo nos desumanizassem...
Abraços com carinho, Jorge

Anne M. Moor disse...

Jorge

Tanta gente que sofre dores inacreditáveis, cada vez mais...

bjos
Anne

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

anne, um chamado a um devir solidariedade, nosso e do mundo... Que lindo sua poesia sobre incoerência.
Abraços com carinho; Jorge

Anne M. Moor disse...

Obrigada Jorge!

Por que será que ser solidário é tão difícil para as pessoas? Me parece que tem tudo a ver com o fracasso da educação, tanto na família quanto na escola...

Pensando...
bjos
Anne

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

A pelo narcisismo dominante; que só vemos quando na hora h ele se mostra na ausência da coerência solidária...
Abraços com carinho; jorge,

Tânia Marques disse...

Netse blog há espaço para tudo, menos para o autoritarismo e para o machismo. A dor de uma mulher quando violentada não pode ser medida externamente. O rasgo interno, o sangramento moral é mais profundo do que posso se imaginar. Sua luta é minha também! Beijos

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Sim, precisamos ousar; quando escolhi esta foto queria vitalizar a luta; há Maria da penha, mas ainda muito o que fazer; rebelar é viver... abraços com carinho, Jorge