Jorge Bichuetti
A pequena Lua dorme... Ressentida, a chuva espantou as cores da alvorada. Trouxe cheiro de mato, terra molhada... Pios e cantos , espaçados... Lentos, vagarosos... As árvores festejam no verde que brilha contente. E os pequenos animais... aparecem. Vida da natureza e vida da roça. Da roça e das pequenas cidades, do ontem... Na alegria e na contrariedade, a chuva acusa com uma ressonante trovoado os mistérios do tempo e os males da vida no tempo do relógio...
O calendário e o relógio nascem de observações amáveis dos movimentos da natureza, se exteriorizam, ganham vida própria e passam a posição de regentes da vida, alheios aos clamores da natureza.
Vivemos escravos do relógio.
Antes, se chovia, na varanda, observa-se a chuva, enrolando um cigarro de palha e ouvindo as cantigas do rádio... Tempo vagaroso, espera consentida. Era a hora da chuva... Ela tinha seu lugar...
Hoje, o relógio não escuta nem dá valor aos clamores do corpo afetado pela magia da chuva: hora de trabalhar, de ir e não chegar atrasado. Somos corpos cronometrados; corpos submissos ao funcionamento automático do mundo que não para, não se lentifica, nem acelera pela vida que pulsa na natureza. Nossa vida corre com os ponteiros do relógio.
Somos servos do deus Cronos... Somos servis ao Capital...
Depois, adoecemos... e adoecemos de tanta coisa, inclusive, adoecemos de relógio.
O tempo cronológico, que rege as paixões, as sensações e a nossa vida de memória e de atividades práticas é um tempo não-reconciliável. Tempo perdido. Para ele, o passado e o futuro, inexistem... São tempos do imaginário.
Embora, a vida se realize presentificando-se... Ela, a vida, não suporta a exclusão dos tempos suprimidos do dia-a-dia...
A vida precisa de conexões com o passado e com o futuro. O ser humano sente no corpo, sua vida atrofiada pela reclusão da vida na matemática dos minutos que vem e partem para nunca mais voltarem... e sofre a impossibilidade de acessar o futuro e se alimentar com as novidades e alegrias que estão por vir...
O tempo dos povos indígenas é circular-elíptico... Há Kairós: o tempo mágico do acontecimento; do instante de êxtase onde todos os tempos se encontram...
A arte e percepções sutis se dão à revelia do Cronos, são tempos recuperáveis... Nela não há o eterno adeus nem a imaterialidade do que chegara no futuro...
Entre o tic-tac do Cronos e a eteridade do Aion, há Kairós... Tempo de mediação, tempo de atualização das virtualidades.
Escravos do tempo, ouvimos o que reza a filosofia... E seguimos sob as chibados do relógio.
Seguimos, morrendo de nostalgia e vulneráveis pela esquartejamento da esperança.
Somos o aqui e o agora, nada mais...
O inconsciente, as utopias, a magia e a arte são atemporais... Não que se alienem do aqui e do agora, mas, sim, porque compõem e se compõem no aqui e agora reconciliando todos os tempos.
Ah! que saudade... do tempo da roça... que saudade dos tempos da roça...
Somos corpos aprisionados, longe da história e acanhados por não sabermos mais manusear a geografia do tempo.
Estas anotações não são divagações estéreis.
São... as vozes da vida nos dizendo da miséria e da pobreza da vida que endeusada com o nome excludente da suprema e incontestável realidade.
terça-feira, 26 de abril de 2011
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2 comentários:
Eu agradeço a Deus por ter conhecido você, amigo Jorge, e poder agora estar aqui, lendo os seus escritos maravilhosos, conscientes, maduros, intelectuais mas sem pedantismos; precisos e universais. Beijo grande e saiba que eu adoro você e sua visão de mundo. Você é gente de verdade e em todos os sentidos, e não simulacro de gente que pensa que é gente mas planta e nutre fascismos, monstros e discórdias neste planeta.
Tânia, alguns dias atrás uma pessoa desejou brigar, foi ofensiva, caluniosa; eu disse aos amigos, que daqui pra frente brigo pela vida e com os amigos. Com os amigos, para possamos fluir com sinceridade e pela vida porque muitos se erguem e representam as forças do aniquilamento.
Adoro sua amizade esua dignidade, de pessoa e intectual.Vamos longe na caminhada.
Aqui, as coisas ferveme asserenam; voamose pousamos, entre flores, luares e passarinhos.
Sinto que temos mais a ganhar quando tecemos redes de amigos.
A vida flui...
Abraços com carinho, ternura remoçaa; Jorge
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