segunda-feira, 4 de abril de 2011

SAÚDE MENTAL: O LUGAR DO SOCIAL NO SOFRIMENTO MENTAL

                                                                     Jorge Bichuetti

A loucura é social... De Freud, com sua obra social, à Pichón-Riviere, do institucionalismo à psiquiatria democrática italiana, e da antipsiquiatria à Deleuze-Guattari, não há lugar para dúvidas: o social produz a loucura, produz o sofrimento mental... e o produz na génese e na manutenção da loucura excluída cronificada por um social que recusa seus emergentes, os emergentes que o analisa e na sua dor, denunciam a crueldade da realidade social.
Não pretendemos aqui conseguir elucidar toda a relação entre loucura e sociedade; abordaremos alguns elementos que o dia-a-dia da clínica nos revela o seu valor...
Adoecemos no trabalho, de trabalho... O trabalho cria o homem e a vida; porém, o trabalho alienado- fragmentado, repetitivo, com separação entre concepção e execução e entre o produtor e dono do produto - gera um permanente desgaste e um esvaziamento de sentido que fragiliza, tensiona e implode a vida mental.
A pobreza, fome e miséria, e a desigualdade social mina as forças e torna o humano embotado, hostil, desiludido e fora da vida, a vendo com inveja e raiva... um mundo mental rodopiando entre a morte civil, anémica e desvitalizada, passiva,  e estopim acesso no relógio do coração...
O capitalismo não convive com a diferença... a exclui e a estigmatiza, cronificando-a pois, aciona seus mecanismos de anti-produção e decreta a morte real ou civil de toda diferença que nega a lógica do seu mundo de vendedores e vencedores... todavia, a esquizofrenia que é a expressão máxima do capitalismo que tudo desterritorializa, é seu produto genuíno que se coloca na fronteira; alijado, senão cuidado, não inventa um novo caminho e uma nova vida para além do capitalismo, e assim, se danifica, dano este acentuado e perpetuado pela exclusão manicomial( dentro e fora dos hospícios).
A social no capitalismo nos subjetiva corpos servis, genitalizados de repetição, narcísicos e onipotentes,edípicos... corpos alheios ao que pode um corpo... alheio às potências dos bons encontros e das paixões alegres... corpos que estão inibidos, reprimidos e funcionando na sociedade movidos pela castração e pela falta... Corpos, assim, reativos... Funcionando fragilizados numa vida social de relações de dominação e subordinação, sem conectarem-se com suas posições de desejo e suas vontades de potência...
Somos continuamente no social da vida atual constrangidos a funcionarmos sem pensar; absorvemos e, então, perseguimos os objetivos que nos são sutilmente impostos... Desejos de beleza, consumo, grandeza, poder, status, um jeito de viver dado... Sem pensar o corpo age, reativamente e servil, buscando estes ideais... E sem pensar, ele se mortifica; frustrando-se por não ser ou não conseguir ser o desejo de um outro invisível...
Assim, sofremos... Assim, adoecemos... Longe da nossa singularidade, dos nossos desejos, sonhos e potências... Assim, adoemos desmilitarizados para a luta de reerguer-se e buscar novas potências num processo de reabilitação psicossocial.
Segredos, estigmatizados, isolados, negados, adoemos e sofremos na solidão... ainda que caminhemos na multidão nossa dor - chagas de um novo calvário - nos impede ou nos limita a busca do outro para que via solidariedade e amizade, potencialezemos nossa vida.
Por tudo, a Reforma Psiquiátrica nega o conceito de doença e cura e trabalha com a concepção de sofrimento mentale emancipação, dizendo que é preciso fazer a loucura caber na sociedade e na cultura.
Não os relega às ruas.. Propõe um cuidado amoroso e libertário, com direito à diferença e à singularidade, reinventando juntos numa caminhado um novo modo de viver e novo mundo...
E com eles, grita: de perto, ninguém é normal...
E com eles canta: Liberdade ainda que Tam Tam...
E com eles, escuta a voz da mineiridade de rosa, que diz: "Qualquer amor já é um cadinho de saúde, um descanso na loucura"

'... a loucura é o vazio da solidão de quem ama." Aparecida, usuário do CAPS- Maria Boneca

Nenhum comentário: