MICHEL LÖWY - SOBRE FÉ E MARXISMO E UMA ANÁLISE A ATUALIDADE DE MARX
( Um intelectual marxista: entrevista com Michael Löwy Michael Löwy é pesquisador do Centre National des Recherches Scientifiques (CNRS) em Paris. Concedeu esta entrevista aos professores Ângela de Castro Gomes e Daniel Aarão Reis em 11 de setembro de 1996, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói.
Edição de Dora Rocha )
Como você se posiciona em relação à crítica que vê o marxismo como uma religião laica?
Colocada nesses termos, de crítica, acho que é uma tese furada, superficial. Não dá conta do que é o marxismo como teoria materialista. Mas, em outro nível mais profundo, já não como crítica, mas como reivindicação positiva, acho a tese legítima. Eu me refiro ao nível que é estudado pelo Lucien Goldmann naquele livro dele sobre o Deus oculto, quando ele compara a aposta de Pascal com a aposta de Marx. Ele diz que tanto no caso da religião em Pascal como no caso do socialismo em Marx há um elemento de fé, isto é, um elemento que não pode ser demonstrado empiricamente. Ambos se apoiam numa aposta. Pascal aposta na existência de Deus; Marx aposta na possibilidade da realização do comunismo. E essa aposta implica necessariamente o risco de não dar certo. Mas o indivíduo tem que apostar, ele já está embarcado, não dá para escapar. Como diz Pascal, “já estamos embarcados”, não dá para ficar olhando de fora.. Você é obrigado a apostar em uma coisa ou outra. Quem não aposta na existência de Deus orienta a sua vida em função dessa hipótese. Já o cristão orienta a vida dele pela outra aposta. O mesmo vale para o socialismo, todos temos que apostar. Então, nesse sentido há uma afinidade, ou uma homologia estrutural, entre a religião, pelo menos um certo tipo de religião, que é a do Pascal, e o socialismo de Marx. Há um elemento de fé, um princípio último não demonstrável cientificamente e fundado numa aposta. Nesse sentido acho legítima a comparação entre religião e marxismo, mas não no sentido superficial, jornalístico.
Para encerrar, pediria que você fizesse um balanço da atualidade do pensamento de Marx. Você, que sempre teve a referência do marxismo, como enfrenta esse movimento atual que afirma que Marx foi um grande autor, mas do século XIX, e que é um anacronismo mantê-lo como referência?
Começaria lembrando uma velha citação: “Marx morreu para a humanidade”. Benedetto Croce, 1960. Essa tese de que Marx acabou não é muito nova. Na verdade, o que se está assistindo hoje em dia na França e em outros lugares é um fenômeno que a própria imprensa chama de “a volta de Marx”. E eu acho que é bastante previsível, porque para tentar entender o capitalismo e, ainda mais, para tentar transformar esse mundo, é necessário Marx. Inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, ele voltará à ordem do dia, até o momento em que já não for mais necessário, quando o capitalismo não existir mais. Como já diziam Rosa Luxemburgo e Gramsci, numa sociedade pós-capitalista, socialista, sem classes, as categorias do marxismo estarão superadas. Dito isto, acho que cabe uma crítica a Marx, obviamente. As duas vertentes de crítica que me parecem mais ricas a explorar são a vertente libertária e a vertente ecológica. Toda a crítica libertária à concepção de Estado de Marx e às ilusões de Marx sobre o Estado merece ser explorada, é uma problemática fértil. E a outra crítica que me parece interessante é a ecológica. Ela põe em questão toda a doutrina de progresso, toda a concepção da história a partir do desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, elementos centrais em termos de marxismo, sobretudo de um certo marxismo que, para resumir numa frase, eu chamaria de “marxismo do Prefácio de 1857”. Aí está um elemento que precisa ser recolocado, e não é um mero detalhe, é um elemento bastante central da teoria de Marx. Acho que passa por aí uma revisão crítica do marxismo, mas no sentido de aprofundar a radicalidade e a negatividade da teoria em relação à modernidade capitalista. A maior parte das críticas ou das proposições de revisão que hoje se fazem a Marx vão na direção contrária, tentam diluir a radicalidade e reconciliar Marx com a modernidade capitalista. Na minha opinião, o interessante é exatamente aprofundar a dimensão crítica, colocando em questão aqueles elementos da obra de Marx que são insuficientemente críticos em relação ao modelo de civilização ocidental, industrial e patriarcal.
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2 comentários:
Jorge Bichuetti
Simplista, digo:
Ter fé é acreditar.
Acreditar, no quê e em quê, é uma opção individual e de carácter geral ou particular.
Abraços
SOL da Esteva
http://acordarsonhando.blogspot.com/
Sol: parece precioso, pois, é a primeira vez que vi - o Löwy - assumir que ambos, fé e marxismo, são crenças que se dá na intimidade das vidas.
Abraços com ternura; jorge
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