CRÔNICA DE COMPOSTELA
Compostela Maio de 2011
Nas pedras flores, sorrisos jovens, crianças de diversas idades que correm entre as pessoas na assembleia na Praça do Obradoiro; como nos velhos tempos, as crianças fazendo parte das paisagens do mundo dos adultos, não como no mundo moderno, onde elas nunca estão... Das bocas das cinco ruas que chegam à praça saem pessoas com sacos de comida, três pães, uma caixa de cerejas, um queijo, frutas, caixas de garrafinhas de águas minerais, café solúvel e um micro-ondas para aquecer a água, tá fria a pedra de Compostela, e a noite promete ser longa... Há muito carinho nos olhares... A liberdade passeia pelos rostos e pula de um corpo a outro como se todos fossemos um só, e quem sabe talvez o sejamos, e uma vontade, uma voz, um grito de: Já chega... já basta de tanta politica vazia, de democracia formal, de democracia de nome, de disfarce do velho sistema, é hora de outra transição...!
Me faz lembrar outros tempos e outras assembleias, como quando enfrentamos a catástrofe do afundimento do Prestige, na altura o grito foi: Nunca Mais! e agora é Democracia Real Já! No Obradoiro cresce povo, e o povo quer gente; as pessoas sorriem, estão, estamos indignadas, por como o sistema nos trata, nos maltrata, maltrata os jovens negando-lhes a possibilidade de conseguir um emprego enquanto o dinheiro público se ofereceu aos bancos para que nos sigam 'salvando' Salvando de si mesmos, como numa Sicília de mafias modernas e democráticas... O povo está indignado mas está alegre, como flores que nascessem num gris outono mas criam uma verdadeira primavera...
Sol-por na tarde
descobre em Compostela
Pedras douradas
Hoje as pedras do Obradoiro despedem o entardecer alegres. A simplicidade desta assembleia contrasta tanto com aquela tão custosa, assembleia organizada para receber o Papa no mês de novembro passado. O comunicado que hoje foi lido pelos encarregados da organização foi claro e sem demagogias: defesa da democracia e seus valores, defesa do emprego, defesa dos direitos das pessoas, defesa da língua da Galiza, defesa do povo... O micro permaneceu aberto, as pessoas fomos passando, eu levei dois abraços e dois poemas, um abraço do passado: das assembleias da cultura tradicional na que me criei, e que foi desmantelada para alimentar este sistema feroz e insustentável que aqui nos conduziu. O outro abraço que levei foi do futuro, foi do Brasil, em quem eu tenho tantas esperanças... e depois dos abraços libertei meus dois poemas: 'Ser' e 'Galiza'... Acho que nunca tinha lido poemas para uma assembleia como a de hoje, imensa, jovem e bonita, e nunca tinha falado poemas na praça do Obradoiro. Esta noite a praça vai continuar povoada, de jovens e menos jovens, todos sem idade, a se encher de vida, alegria, de esperança, de fé no coletivo...
Com um abraço
Concha Rousia
Fotos direto da praça do Obradoiro, Santiago de Compostela, Galiza, Espanha, no dia 21/05/2011. Fotografia de Concha Rousia...
Concha Rousia é membro do Clube dos Poetas Vivos e articulista do blog: republicaderousia.blogspot.com
4 comentários:
...de tudo que aqui colocaste, e eu agradeço o cainho e o trabalho, eu amo essa foto dos peixes... o coletivo tem um poder que só descobre quando ele esta juntinho, maravilha de emoção essa da pertença... Abraço coletivo para ti, amigo Jorge, Concha e Compostela...
Concha, ela é linda... quis guardá-la para a postagem sobre o idioma que irei fazer esta semana, mas não consegui; como não consegui segurar seu poema sobre a língua: fiquei empolgado como se estivesse ai no coletivo, cheio de vida e alegria, numa caminhada de luta que nos abre sempre o protagonismo da vida... Assim sinto pensando minhas lutas: vitórias / derrotas... efeitos nos ubterrâneo algo mais vital, eu nunca seria o mesmo depois de cada uma delas... Abraços com muitíssimo carinho, Jorge
Jorge, tu estás aí nesse coletivo, somos parte dos outros, lembras da conversa de ontem por aí nalgum lado? Se somos parte dos demais, e tu és parte de mim, e eu sou coletivo, tu és coletivo... é emocionante, superar as barreiras do ser físico que nunca devem limitar o Ser psíquico, abraços com carinho, sempre, Concha
Concha, isso é maravilhos e doloroso: minha alegria por estar ai e minha tristeza por que afetivamente emeu coração não aceita o que polícia fez ontem em São Paulo: repressão violentíssima... Celebremos a alegria da potência da vida e da arte elutemos contra todo fascismo... O outro é nós... Grito mudo - com arte, cantoria e cores vivas no azul que cruza o braco como se altivo guardasse a poesia da paz.
Abraços com carinho... Jorge
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