segunda-feira, 23 de maio de 2011

DIÁRIO DE BORDO: AS FORÇAS DA VIDA; FANTASMAS DO PSIQUISMO....

                                                                Jorge Bichuetti

Madrugado fria, céu estrelado... A lua minguante com seu encanto de moça discreta. O sol com temor não vem; e o escuro se prolonga e no meio do escuro as formas se transmutam: deuses e  fantasmas... Só as rosas perfumam e com o seu cheiro me faz familiar o conhecido, de mim alijado pelo escuro...
A Luinha dorme... Peno que gostaria que eu escrevesse o diário da vida ao meio-dia... Vida cheia de luz e vozes infantis com seus cantos singelos e suas brincadeiras pueris...
O escuro nos coloca diante de nós mesmo: um espelho que retrata o avesso; o oculto da mente; nossas demências inconscientes.
O amor, o ódio, a ira e o medo são forças da vida... Cumprem um papel no funcionamento da nossa dinâmica de vida e de relações com o outro e consigo próprio.
No escuro, contudo, nada deixa de ser fantasmagórico.
Fantasmas que nos assustam, fantasmas que nos paralisam...
Quem são?...
O amor é força vinculante, produz relações e promove encontros... Nos tira do nosso narcisismo. Nos apresenta a nossa vida originária - humanidade...
Canta os versos das Geraes que "o medo de amar é o medo de ser livre."
Tememos no amor, o desamor, o desencontro, o não-querido... Ele ativa as dores e sangria da nossa ferida narcísica.
Temerosos da potência inovadora que nos bifurca, ramifica, coletiviza, nos multiplicita... o outro; relacionamos regredidos vendo não um outro, mas procurando um objeto, uma identificação, uma complementação totalizante... Não gostamos de constatar no outro nossa finitude e nossos limites...
Assim, forjamos relações simbióticas de dependência e e idealizações ilusionistas.
fugimos da nossa humanidade: do não-controle, da nossa sexualidade intempestiva e imprevisível, da nossa própria dificuldade de se dar e de receber, de trocar e artilhar, de estar no entre... terra do devir.
O ódio é tão somente o avesso do amor...
A luta não move pelo ódio; mas pelo amor que temos à vida... Combatemos os inimigos da vida. Odiamos na intimidade o amor mal resolvido e amor temido, evitado, e também o amor que nos desnuda...
Já o medo , ele a providencial força que nos preserva do perigo: alarme.
Todavia, nossos medos irracionais são fantasmas do escuro.
Receamos tantas coisas evocadas nas situações onde fala o medo...
O novo, a mudança e o desconhecido geram medo. Medo pela perda do equilíbrio, triste e cheio de carências, mas, equilíbrio, da vida que possuímos; e medo de sermos vorazmente atacados na novidade que será pelos outros invejada... Medo da perda e medo do ataque...  Medo da tristeza de partir e medo de não ser acolhido na chegada...
Mas  o escuro provoca medo porque ressuscita os fantasmas temidos e os desejados na proibição das normativas da nossa egóica identidade...
O medo do fascismo que o escuro anuncia não é fantasmagórico; é medo alarme real... perigo iminente; um virtual ataque bestial...
lidando com tantos fantasmas não conseguimos ser serenos: emerge, então, outro fantasma - a ira...
A ira é impulsiva, voraz, irritadiça... Intolerante e surda...Uma explosão no nada...
Se há inimigos a ira devia ser uma boa companheira...
Entretanto, ele surge sob o signo das nossas vidas onde nossos corpos dulcificados na servidão reprimiu a agressividade... A ira é a necessidade de lutar no corpo que com a agressividade contida e suprimida não consegue combater, explode e implode... Falta-nos o devir guerreiro...
E ela emerge, muitas vezes, na banalidade de circunstâncias que não são lesivas... No vácuo, do amor insatisfeito, do ódio mal deglutido e dos terrores do medo irracional, a ira vira uma peça de expressão do nosso narcisismo e da nossa onipotência desiludidos... periclitantes. Ai, ela é os estertores do ego hipertrofiado mas desarmado de alquimia, magia, coragem e valentia...
Os fantasmas se forjam na escuridão , interna ou externa...
Se acendemos as chamas da vida, vida desejante e de potência afirmativa, os fantasmas são forças que manuseamos para crescer, intensificar, reinventar e colorir nosso destino...
Refletindo, vemos o valor de nos coletivizarmos já que somos insustentáveis na solidão do individualismo...
Como percebemos, igualmente, que uma travessia urge: precisamos superar nossa condição de assujetamento e transitar com alegria na potência de devir-se sujeito, sujeito, da própria vida, sujeito do próprio destino e sujeito da história...
Assim, os fantasmas já não rondarão nas entranhas da nossa alma...

2 comentários:

Tânia Marques disse...

Lindo, tudo muito lindo o que vc escreveu! Beijos

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, são palavras para viver e con-viver... resistência e invenção. Lhe adora; Jorge