DIÁRIO DE BORDO: ANTE A SOLIDÃO, JANGADA E MAR...

                                                                 Jorge Bichuetti

Madrugada. Friorenta. Porém, de céu estrelado e lua cheia que ilumina meu quintal, dando vida e beleza maior as singelas vidas que ali passam os dias, fazendo-me companhia... Queria um cacho de rosas; a roseira me generosamente me ofertou, contudo, desisti... não saberia como enviar minhas rosas para terras distantes... Além-mar, Sampa, Montevideo e Poa... Creio na força das rosas: rosas que perfumam, rosas que escrevinham prosas onde vida é travessia e os redemoinhos passam , levando no meio deles nossas fantasmas e nossa tristes adversidades... E Rosa verde que sambando é a estação primeira da alegria: um morro com cuíca e pandorin, viola e cavaquinho orquestrando a resistência e o sonho da vida sobrevivente dos que ousam florir entre pedras e ir no céu nos rodopios do vento...

Minha Luinha dorme... Não quis levantar-se; preferiu seus sonhos, outros sonhos... A água que cai no verde vai se espalhando e entranhando no coração da vida como se seu destino fosse tornar-se a seiva das novas flores e dos novos frutos...

A natureza se agrupa, associa-se e se ajuda... vivem numa permanente festa, vida de comunidade; tribos que celebram a comunhão, afugentando o fantasma da solidão...

O ser humano caminha com "descompassos " e caminha muito só...

De onde vem tanta solidão?... Não escutamos o último canto de Michel Foucault, um encantando para fazer viver: a ética da amizade...

Somos individualistas, egocêntricos, competitivos e onipotentes... Queremos, asfixiando; doutras vezes, queremos, imersos no medo de amar, e assim, queremos maltratando o outro e a vida...

Precisamos aprender a amar...

"Navegar é preciso"... " Viver é perigoso"... Não navegar e não viver é muito pior: já um quase morrer...

A solidão nasce da nosso retraimento... Retração; freio; vida contida e acuada... O mundo nos assusta; porem, o mundo não nos aterroriza se coletivamente afirmamos as forças mágicas e poéticas do existir...

Minha jangada é trabalho perseverante e luta aguerrida...

Meu barco é aventura e experimentação, num a bricolagem entre os fios da ternura com as folhagens da suavidade...

Meus remos são compostos de sonhos e poesias, untados de generosidade...

Meu leme é a linha do horizonte onde brilham a a utopia, o devir solidariedade...

Navega , caminho, voo ... nas ondas da liberdade...

Meus peixes são de todos , pois o medo do escuro me ensinou a acendeu as velas da amizade e nela encontrei uma nova ética par o meu existir...

E no banquete do peixe vindo da bondade do mar, eu vou tecendo uma multidão que sou eu, e uma multidão onde me descubro um novo eu... Fim da solidão, reino do amor e da cidadania que é vida de partilha e solidariedade...

Inimigos? se são inimigos da vida os enfrento com a ousadia do guerreiro; se são inimigos pessoais, para mim, que quero navegar são simplesmente mais um temporal ... passam e o sol volta a brilhar...

Amigos ?... são as poesias vivas que o tempo escreveu no corpo da nossa gente, gente-diversidade, multiplicidades, redes de singularidades... que me conectam com a infinitude do meu sonhar...

É, assim, que eu celebro a sua companhia... e digo madruga para ver, sentir e abraçar-te... meu amigo, meus amigos... os inimigos das sombras que angústia narra ,nomeando-as, de solidão...

Nada sou, nada tenho... sou um escrita que canta e poetiza o que pode uma amizade...