sexta-feira, 4 de novembro de 2011

DIÁRIO DE BORDO: O TESOURO PERDIDO...

                                  Jorge Bichuetti

Na escuridão silenciosa da noite, vi... meus álamos, o infinito... os brotos da roseira podada... o cheiro dos limões... a erva e as samambaias... Diante de tanta beleza, perdi minha lucidez, a minha racionalidade prática-instrumental... Tudo era tão belo; uma apoteose esplendorosa da vida que no silêncio versava sobre o mundo e os homens... A escutei, com ternura... Porém, quando quis algo perguntar... a sinfonia da manhã já havia iniciado o seu rito rotineiro... Ouvi o cantar dos pássaros, os sinos... Mas, não pude nada perguntar...
- Queria saber, por que somos tão infelizes; se a vida é acolhimento e boniteza...
Passei, então, a pensar...
Da maça à caixa de Pandora, nenhuma explicação me pacificou a alma inquieta...
Detetive amador, comecei minhas conjecturas...
Aventurei: não amamos o bastante... Vasculhei recordações e páginas amareladas... Amamos... Olhei para o nosso amor, de todos, e o senti opaco... Amamos, mas não queremos o outro na sua singularidade... amamos um outro tecido com nossas projeções e identificações... O queremos um complemento das nossas claras e obscuras necessidades...
Caminhei na minha investigação: amamos, mas não abrimos mão no encontro amorosa da nossa cristalizada individualidade...
Refleti, pensei um pouco mais... queremos ser amados, e não amamos com solidariedade...
Revi o mundo e o ser humano... e o notei, muitas vezes, cheio de ações solidárias... Matutando no cerrado, ruminei: deve haver algo mais...
O outro ganha a nossa solidariedade num momento de lágrima e desespero... Assim, ali, no meio da solidariedade há bondade; mas, há igualmente um triunfo do eu... uma exclusão do outro...
Como é triste a sina dos investigadores!!!... São tantas curvas, tantas encruzilhadas...
Os pássaros voaram... Um novo silêncio... Contemplei o céu azul, como se buscasse um depoimento que me tirasse do labirinto...
O céu gritou: a chave é o outro...
Resmunguei, reticente: isso já uma pista registrada...
No silêncio onde fala a vida para além das palavras, entendi: o outro não entra no nosso universo sem que o nosso coração se transforme numa estrela...
Que bendita estrela é esta?!...
Mirando na relva singela, o vento tocando-a, disse: a estrela da compaixão...
Com ares de sapiência roubado: escrevi -  o outro é a nossa ponte para o infinito... uma ponte armada na solidariedade que nascendo da compaixão é ternura... e a ternura é sangue vivo da vida que alimenta o amor, facocitando o lixo do narcisismo, do eu hipertrofiado... do amor mutilado...
Amor;com-paixão... via estelar que floresce os caminhos e abre as comportas da vida generosa e bela que amando, se dá...

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