domingo, 6 de novembro de 2011

SOCIEDADE DE AMIGOS: NOS EN-CANTOS DAS MANHÃS; CONCHA ROUSIA

Caminho do dia

            Concha Rousia

 

Hoje não sei por onde começar o dia, e vou deixar que a poesia de um velho amigo me guie até o quintal; apesar de que os galos já anunciam um novo dia eu temo que hoje o sol não vá sair, mesmo assim eu saio... A noite deixou pingadinhas miúdas de orvalho em cada folha, agora regam os meus olhos...

A rosa continua a ser rosa, a sua mente de rosa permite-lhe ser à medida do dia, a minha não, a minha mente humana por vezes faz justamente ao invés, faz-me crescer ou des-crescer ao contrário do que a indica a realidade... O galo continua a cantar e a corda do seu canto vai tirando mais e mais da pontinha do dia... Tudo sempre é questão de fé, o galo tem sempre fé, sempre a mesma fé, e eu tenho menos quando mais a necessito... Nem sou rosa, nem sou galo, sou apenas o intermezzo entre o desconhecimento e a alvorada...

Ainda o sonho de ontem me arrepia a pele da memória, descia eu por uma parede imensa por entre pedras barradas, a gravidade ameaçava meu corpo e os objectos todos que eu levava nos meus bolsos... Milagrosamente conseguia descer, ia atrás de um casal de pessoas mais jovens e alegres do que eu, eu ia sozinha mas ia na procura de algo ou alguém... Consegui fechar os bolsos sem deixar cair nenhum dos objectos que eu nem reconhecia... Me desafio e venço no sonho, foi fechar os bolsos, e a parede, que parecia agora mais difícil de descer, pousou-me no chão, lá fui nascer numa sala com uma grande messa onde umas senhoras estavam a provar abrigos novos, de muitas cores, como se fossem de peles de animais com as cores do arco-da-velha... eu não tinha frio, nem compreendia a atitude dessas senhoras...

Saí do sonho por uma avenida escura e solitária, de aí em diante não lembro mais, foi como se voasse, como se me convertesse no próprio caminho... Com esse final do sonho entro agora em casa, a solidez das pedras contrasta com a fragilidade do sonho mesmo que parecia sólido, e contrasta também com a transparência do vento que foi seu canteiro noutros milénios... Ora aqui, neste abrigadoiro herdado, desejo que a tristeza caia do meu entardecer e vá morrer numa noite inexistente... quero sonhos mornos, de banhos nus e solitários, sem abrigos, sem senhoras, quero apenas pedras... Hoje sinto que de cousa nenhuma tenho certeza, e ainda bem, porque se a tivesse já teria morrido... como morreu ontem ou como morreu a noite, mas eu não, eu não morri, nem sei por onde segue o dia... (sempre em andamento)

2 comentários:

Concha Rousia disse...

Meu amigo, já sabes como eu adoro viver por aqui nesta Utopia, então fico grata e feliz sempre, aqui quero deixar sempre a minha raiz... Beijos meu poeta querido, Concha.

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Concha, tua escrita acorda os luares que temos arquivados no coração; abs ternos, jorge