quinta-feira, 12 de abril de 2012

DIÁRIO DE BORDO: POR UMA VIDA MADRUGADEIRA...

                                 Jorge Bichuetti

Me pego, escrevendo entre tentativas frustradas de acordar a pequena Luinha... Não me dói, porém, é inegável que minha pequena anda demarcando sua autonomia... Aprendeu o valor da liberdade e do auto-governância... Alegre e carinhosa, anima meus dias... Ela é... uma poesia viva: mescla a suavidade de Cecília Meireles, com a simplicidade de Cora Coralina, e sempre acrescenta a insurgência plural de Fernando Pessoa... Miro seus olhinhos e leio: para ela, a vida é tecer caminho na alegria das amizades formosas... Brinca, travessa... Acaricia, amorosa... Não sei como, mas ela descobriu no amor entre amigos um tônus dionísico para sua existência...
No quintal, assereno meus pensamentos e me sinto convocado a afirmar a vida... O vento e o bailado dos álamos... o cheiro maternal da terra... o canto cativante dos passarinhos vadios... tudo fala da vida como uma permanente procriação de brilho, encantamento, magia, ternura e poesia...
Assim, imerso neste universo mágico, reconheço que carregamos a vida sob a dominância da tragédia...
A vida é lirismo terno e aconchegante... A vida, não o mundo...
A vida grita num canto sedutor, rogando que possamos reescrever o mundo, reinventando-o... Ele é cinza e vazio, caminho sinuoso e fechado... cheio de armadilhas e de escuridão...
A vida que é ânsia do novo, é madrugadeira... bailarina... um malabarista mambembe...
O mundo anda sisudo, banal e cruel...
Nele, choramos e rimos... choro e riso rasos... Asfixiados, não permitimos a voz da vida clamar por mudança...
Fatalisticamente, naturalizamos deformações sociais intoleráveis...
Medrosos, inibimos nossos desejos e sonhos... Inclusive, vivendo uma vida cinzenta, aborrecida e solitária...
O canto da vida anuncia caminhos de liberdade e amor... Enquanto, o mundo incrementa a violência e a exclusão...
Aprendemos a trabalhar, a moldar nossas atitudes segundo o puritanismo da moral dominante e das etiquetas reinantes... Contudo, não aprendemos a viver...
Viver é ativar a alegria, afirmando a vida como fonte e ponte da aurora existencial que instalará a justiça e a inclusão, a cidadania e o amor, a paz e a partilha... Novo caminho, vida nova... parida nas entranhas das nossas lutas...
Viver não é difícil... Difícil é sobreviver evitando a própria vida...
Ouço o canto dos brejeiros passarinhos... Voam, brilham, bailam...
Encontro na beleza de u'a rosa a poesia da ternura vital...
O céu azul é um agenciamento: canto de liberdade; clamor por libertação...
A vida pede passagem... porém, a sustentamos vida barrada, negada, envergonhada e tímida...
Acomodados, não nos angustiamos com nossa conivência... Somos coniventes com a opressão, com a dominação tirânica, com as mistificações banalizantes... Coniventes com a destrutividade... Não nos indignamos diante das injustiças... Não nos rebelamos perante os processos de destruição do planeta...
Vegetativos, sonolentos... seguimos cabisbaixos...
E cabisbaixos, somos infelizes e impotentes... desconectamos com as forças vitalizantes da paixão e da compaixão...
Um dia, acordaremos...
Despertos, então, enxergaremos que alijados da solidariedade, perdemos o fio da vida... a vida de potência... a vida que é a magia de no hoje ser um além... o próprio despertar do amanhã...

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