A madrugada fria e solitária acorda minhas dores; mas, eu não as sinto... Sinto o orvalho e o cheiro de mato na fumaça do cigarro e no sabor materno do café matinal... Os sinos tocam: balada de cândida que me enche de ternura... Os pássaros sussurram sonhos e voam alegres... Com eles, nunca sei se toco o céu num salto ou o se o próprio céu desce, sorrateiro, e me abraça com a amabilidade da vida no singelo que mora na poeira que baila quando meus pés, caminhando, acariciam o chão... Assim, sigo...
Chego a pensar que viver é azular o caminho...
Se meu suor, meu pranto e meu sangue azulam o caminho, não azulam por possuírem nobreza... sou um pobre plebeu que os trago azuis por haver lhes dado o direito de sonhar... Eles sonham com meu corpo quixotesco... Eles sonham com a minha vida de fé e esperança...
Viver é resistir: há cinzas no ar, nascidas da morte que reina nos domínios da opressão; e há o infinito azul que baila com o infinito nas pulsações rebeldes que anseiam pela vida nova que será parida no tempo da delicadeza...
Miro o horizonte e antevejo os prodígios do amanhã...
Escuto a voz do vento que trava os relógios, dizendo: o amanhã é a poesia do agora na ousadia da luta...
Assim, sigo...
Meus sonhos são sonhos de menino... Não conhecem a matemática do impossível, tecem na liberdade da arte que desnuda novos modos de ser e amar...
Num eco, volto a ouvir: é proibido proibir... a imaginação no poder...
Aquele outro maio, o maio de 68, não morreu... Anda perambulando pelos caminhos da vida, oculto nas rugas dos sábios e saliente, se faz trapezista na pipa que rodopia no céu, e se faz travessura na arte dos que nos semeiam na vida agreste dos dias de hoje as flores e frutos que virão...
É preciso sonhar... Ousar é abrir clareiras onde o mundo hostil apagou estrelas e velas...
É preciso sonhar... Lutar é rebelar-se indignados onde o mundo de ganância fincou os porões da vida negada, suprimida e mortificada pelo império do desamor...
Sonhar é e poetizar a esperança na luta... é estetizar a luta na esperança...
Dar cor, sabor e perfume ao caminho... Travessia. Vida que emerge no verdejar da solidariedade... força e fúria que anula as lágrimas da exclusão...
Sonhar é engravidar-se nas manhãs... quebrando o tempo; para que a justiça e a liberdade possa florir na primavera que pulsam permanentemente no cio da vida.
2 comentários:
Ler seus textos é como ganhar um abraço...Clara
Saudades com abraços, carinho e votos de sonhos azuis.jorge
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