terça-feira, 5 de abril de 2011

BONS ENCONTROS: DEMOCRACIA CORINTIANA, UM PROCESSO INSTITUINTE COM A BOLA NO PÉ....

    A Democracia Corinthiana foi um movimento surgido na década de 1980 no time brasileiro de futebol Corinthians, liderado por um grupo de futebolistas politizados como Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon. Constituiu o maior movimento ideológico da história do futebol brasileiro.
Foi um período da história do clube onde as decisões importantes, tais como contratações, regras da concentração, entre outros, eram decididas pelo voto, sendo assim uma forma de autogestão.
 História
 Em 1981 o Corinthians vinha de uma péssima campanha no campeonato brasileiro, assim como campeonato paulista. Em abril de 1982 porém acaba a presidência de Vicente Matheus e Waldemar Pires é eleito para assumir o Corinthians. Pires escolheu como diretor de futebol do clube um sociólogo, Adílson Monteiro Alves que primava por ouvir os jogadores. Somando isso a jogadores politizados, como Sócrates e Wladimir, começou uma revolução dentro do Corinthians.
 A Democracia
A partir daí foi instituído um sistema de autogestão, onde jogadores, comissão técnica e diretoria decidiam tudo no voto. As pautas eram as mais variadas: contratações, demissões, escalação, local da concentração, entre outras. Um aspecto importante era que todos os votos tinham peso igual, dos jogadores até o presidente.
 Inovação
O Corinthians foi o primeiro clube a utilizar a camisa com dizeres publicitários. Por iniciativa do publicitário Washington Olivetto (criador do termo 'Democracia Corintiana') o time estampava em suas camisas frases de cunho político, como "diretas-já", "eu quero votar para presidente". Isso no período da ditadura militar, quando os movimentos sociais começavam a se rearticular para a instituição de uma democracia. O que causou desconforto entre os militares, que através do brigadeiro Jerônimo Bastos, pediram moderação ao clube.
  Autogestão em Campo
O resultado desse sistema revolucionário foi próspero. O time chegou de cara nas semifinais do campeonato brasileiro daquele ano, e conquistou o campeonato paulista em 1982 e em 1983. Além disso, durante o período de autogestão, o Corinthians quitou todas as suas dívidas, e ainda deixou para o próximo período uma reserva no caixa de US$3.000.000.
  O Fim
A partir de 1984 começa a articulação para criar o Clube dos 13, onde a figura do presidente e sua cadeira no clube eram essenciais para o ingresso. Aliado a isso, o time amargou resultados ruins nas temporadas de 1984 e 85, e principalmente vendo clubes como Flamengo com gestão clássica se destacaram no cenário nacional. Logo depois, se consolidaria ainda o futebol moderno vindo da Europa e trazendo meios privados e gerenciais de gestão de clubes. Houve articulação para voltar ao movimento no final dos anos 80, mas agora sem força, face a "nova ordem do futebol mundial" que despontava com a FIFA, UEFA e a Copa do Mundo de 1990.
Para o sociólogo Emir Sader, a Democracia Corintiana foi o prelúdio de uma experiência democrática que até hoje o Brasil nunca exerceu plenamente: “Essa experiência aconteceu surpreendentemente e prematuramente no Corínthians, o time de futebol mais popular do Brasil. Quando ninguém no país podia votar, os jogadores daquele grupo conquistaram o direito de decidir sobre seus rumos”.
             OS JOGADORES, OS AUTORES...
 “Costumo dizer que a minha vida divide-se em duas fases: antes e depois da Democracia Corintiana” – Wladimir


“Se não fosse a Democracia Corintiana, eu teria tomado muita porrada na vida. Não sei dizer o que teria sido a minha carreira e a minha vida sem a Democracia. Eu poderia ter virado um drogado, um bandido” – Casagrande


“Muitos de nós engajaram-se no exercício da cidadania, filiaram-se a partidos políticos e trabalharam ativamente em causas sociais” – Luís Fernando


“Éramos unidos. Íamos juntos ao cinema, ao teatro e depois sentávamos para tomar um chope e conversar sobre o que tínhamos acabado de assistir” – Sócrates


“A verdade é que, em tudo o que é feito com consciência e dedicação, você obtém realização pessoal. Não era apenas por dinheiro. Jogávamos com enorme prazer, sobretudo porque sabíamos que estávamos contribuindo, de alguma forma, para a redemocratização do país” – Wladimir


“Todos nós viramos ídolos de políticos, artistas e intelectuais; recebíamos cartas de apoio vindas do mundo inteiro e isso fez com que começássemos a nos cobrar mais leitura sobre a realidade social e política do país; líamos muito, líamos até nos intervalos dos treinos” – Casagrande


“A Democracia me fez aprender a respeitar a diferença, mas jamais aceitar a desigualdade” – Biro-Biro


“Depois de ter passado pela Democracia Corintiana, nunca mais tive medo de falar a verdade, de defender o que acredito, sem me preocupar em agradar a quem quer que seja” – Juninho
Sócrates conclui: “Conseguimos provar ao público que qualquer sociedade pode e deve ser igualitária. Que podemos abrir mão dos  nossos  poderes e privilégios em prol do bem comum. Que devemos estimular a que todos se reconheçam e que possam participar ativamente dos desígnios de suas vidas. Que a opressão não é imbatível. Que a união é fundamental para ultrapassar obstáculos indigestos. Que uma comunidade só frutifica se respeitar a vontade da maioria de seus integrantes. Que é possível se dar as mãos”.

       DECLARAÇÃO DE SÓCRATES SOBRE AS DIRETAS E A DEMOCRACIA CORINTIANA:

Depois de ter nascido (1954) em um país prestes a se aproximar do futuro, de ver e acompanhar a tristeza de meu pai ao se desfazer -por causa do golpe militar (1964) e de sua previsível repressão- de muitos dos livros que o educaram e o ensinaram a conquistar o seu espaço em uma sociedade já bastante competitiva, de iniciar a minha vida profissional dentro do esporte (1974) ainda sem muita noção do que iria encontrar e dos obstáculos que teria que transpor, cheguei ao auge de minha carreira (1984) vestindo orgulhosamente as cores do Corinthians e participando de dois movimentos sociais fundamentais para a minha realização e satisfação pessoal e para o encaminhamento político da nossa nação. A democracia corintiana foi um desses momentos mágicos que não vivemos duas vezes. A maioria de nós sequer passa perto de algo tão profundo, pleno, saboroso e participativo como aquele movimento.
Em pleno período de exceção, mesmo que muitos dos pontos fundamentais para a redemocratização do país -como a anistia política, ainda que parcial- já tivessem sido conquistados, criar condições para discutir por meio de um canal tão popular como o futebol as questões que interessavam diretamente a sociedade civil, ampliar o leque dos que passaram a ter voz e a entender o que realmente se buscava e pelo que se lutava, oferecer um exemplo concreto de como uma sociedade poderia se estabelecer respeitando a opinião de todos os seus integrantes e potencializando a opção da maioria, e utilizar toda a exposição inerente à prática desse esporte no país para popularizar os meios e os símbolos que representavam nossas posições -como a cor amarela que unificou o discurso das Diretas-Já- é muita coisa em um país que oferece educação a tão poucos.
O movimento das diretas encorpou-se e cresceu nos dois anos em que fomos, no Corinthians, questionados e desvalorizados sob o ponto de vista de todo tipo de posições conservadoras, que àquela época possuíam um excepcional caldo de cultura. E, como nos tornamos foco de referência sobre o discurso da democratização, já que vestíamos o roupão democrático dentro dos muros do Parque São Jorge, atraímos para nosso lado os que acreditavam em uma nova ordem, um novo caminho baseado nos direitos individuais e na plena liberdade de pensamento e expressão. Tendo também o futebol como cenário (algo impensável até então), montamos com todas as correntes, organizações e associações as bases para a nova sociedade que viria a seguir.
Quando me recordo daquela imensa concentração na praça da Sé, no último comício em 1984, para posterior caminhada até o Anhangabaú, tendo que me espremer naquela multidão para poder chegar ao caminhão onde Osmar Santos comandava o show de cidadania, ainda fico emocionado. Foi ali que me defrontei definitivamente com a minha verdade, a minha história; pude externar os sentimentos que me abraçavam e sonhar com um mundo novo. Ao afirmar que não sairia do meu país por nada se a emenda das diretas passasse no Congresso, estava apenas respeitando tudo o que sentia. Pena que os reclamos de milhões de cidadãos brasileiros fizeram pouco eco entre os parlamentares naquele instante -e por esse motivo escolhi um tipo de exílio que, ainda que triste, muito me ensinou. Acompanhei à distância a vitória de Tancredo Neves, a doença, a cirurgia, a lenta agonia e a sua morte. Não podia acreditar que em apenas um ano tivéssemos passado por tudo aquilo.
E eu longe. Voltando ao Brasil, deparo-me com os preparativos para a Constituinte que viria a seguir. Com um grupo de amigos -poetas, cineastas, atores, músicos, todos entusiastas e apaixonados pelo próprio país- resolvemos municiar os debates com algumas reflexões e propostas. Acompanhamos atentamente o resultado final do texto da nova Constituição, que representou, mesmo com algumas imperfeições, um verdadeiro avanço. Vivemos a primeira (para mim e para muitos) eleição direta para presidente com um gosto de manipulação por parte de alguns meios de comunicação, sofremos com a abertura dos nossos mercados de forma drástica e descuidada e depois caímos nas armadilhas do neoliberalismo, de onde ainda não conseguimos escapar. Tantas transformações, que culminaram com a eleição de Lula, só poderiam ter ocorrido em um país tão dinâmico e jovem. E é essa juventude (2004) que nos faz acreditar em um futuro melhor e mais justo. Livres, felizmente, nós já somos.
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, 49, médico, é ex-jogador de futebol e comentarista esportivo. Foi um dos líderes da "democracia corintiana", movimento que buscava flexibilizar as normas rígidas de disciplina e hierarquia a que os jogadores estavam submetidos.


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