Monsenhor Juvenal Arduini é filósofo, antropólogo,            escritor e conferencista. É membro efetivo da "International            Society for Metaphysics", "World Phenomenology Institute",            entre outros. Foi professor de Filosofia Geral e de Antropologia Filosófica            na Faculdade de Filosofia de Santo Tomás de Aquino, em Uberaba.            Publicou várias obras, entre elas "Horizonte de Esperança",            "Destinação Antropológica" e "O            Marxismo". Hoje, realiza missas na Capela do Hospital São            Domingos, dá assistência religiosa aos enfermos e acaba            de lançar o livro Antropologia, Ousar para Reiventar a Humanidade
A entrevista com o antropólogo Juvenal Arduini foi concedida            no dia 22 de março em uma sala do Hospital São Domingos.( ano de 2002  )
Revelação: No livro você cita um autor que disse            "o mal muito propagado hoje é a apatia". Você            diria que a apatia é justamente o grande mal da humanidade?
Juvenal Arduini: Dizer que a apatia é o grande mal pode ser um            pouco exagerado. Pode não ser o maior, porque há outros            mais graves. Mas é um grande mal. Porque a apatia imobiliza,            ela é estéril, torna a vida fixada, sem movimento. A apatia            dificulta demais a movimentação da sociedade. Devemos            eliminar a apatia porque é um ponto de partida totalmente negativo;            aliás, nem é ponto de partida.
Revelação: Você alerta também para o ousar            maduro. Como é isso?
Arduini:É claro que não é todo ativismo que é            a solução. A apatia é uma falha. O apático            cruza os braços e deixa que as pessoas, mais atrevidas até,            possam ir mais longe. Por outro lado, quando a gente condena a apatia,            não se está justificando todo tipo de ativismo. Por isso            devemos refletir em vários ângulos, porque há ativistas            que são salteadores, estupradores, ou outras coisas também.            
Revelação: Você considera contra-senso de ecologistas            medíocres, quando falam de preservação da natureza            mas negligenciam o ser humano. Você vê esse tipo de comportamento            nos atuais movimentos ecológicos, como o Greenpeace, por exemplo?
Arduini:Eu não queria indicar casos concretos, mas nós            podemos perceber que às vezes há uma desproporção            nessa questão de causas ecológicas. A ecologia é            um grande valor. Eu mesmo a defendo. Só que a ecologia é            vista muitas vezes como ambiente, o cosmos... – que também            beneficia o ser humano, não há dúvidas nessa parte.            Mas se nós formos fazer uma verdadeira hierarquia de valores            – e quando falamos nisso, não estamos dizendo que um ideal            é valor e outro não tem valor; a hierarquia diz que há            vários valores, mas às vezes não vão ter            o mesmo peso – então eu posso ter um valor importante, mas            há um mais importante ainda. Ou posso ter um valor muito importante            e outro menor. Bem, nós precisamos da água, precisamos            do ar, da natureza e uma série de coisas. São valores.            Pessoas dizem: mas sem eles a humanidade não vive. É mesmo.            Só que eles são os instrumentos. A humanidade como tal            é o valor máximo.
Revelação: Mas não dependemos totalmente da natureza?
Arduini:É aí que nós temos que refletir inteligentemente.            Muita gente fala: mas sem a água, sem o ar, o ser humano não            vive. Mas todos nós entendemos que o ser "ar" –            que é importante – jamais tem uma complexidade ou um valor            que tem o ser "humano", com toda a inteligência, a criatividade,            a liberdade – que é capaz, até mesmo, de trazer outras            soluções que não as do ar.
Então é isso que nós queremos mostrar. Quer dizer,            a ecologia é importante, é meritório o trabalho,            é necessário, só que coloco uma prioridade. Essa            ecologia tem um valor muito grande e ela é necessária            para o ser humano. Agora, o ser humano – se formos colocar uma            hierarquia – é a primazia. Mas por ter primazia, não            pode abusar da natureza.
Revelação: Vivemos há pouco tempo sob censura feroz            do regime militar. Atualmente, gozamos de certa democracia. Entretanto,            você afirma que sofremos hoje sob uma tirania difusa, sigilosa.            Que tirania é essa?
Arduini:Existem muitas formas de tirania. Tirania é um domínio            forte sobre a humanidade. Então, nem só a tirania das            armas, da ditadura política, que é verdade. Há            outras, e hoje há tiranias muito disfarçadas. Há            tiranias até simpáticas.
Quando políticos saem por aí à fora proclamando            democracia, proclamando certa grandeza, às vezes ele está            apenas defendendo interesses dele e de um grupo. Isso é muito            comum. Porque aí nós entramos muito na área do            poder.
O poder é uma força muito grande, uma força tremenda.            Muitas vezes aparece de modo cruel, brutal, selvagem, que vai arrasando,            que vai estragando a vida. A tirania disfarçada é aquela            que vai atraindo as pessoas, envolvendo a mentalidade. É uma            tirania porque as pessoas ficam "acreditando" numa proposta            que, na verdade, é do poder – a proposta não é            da sociedade, dos direitos humanos, da dignidade e mesmo da democracia.            
Por isso hoje critico muito – não é bem criticar,            mas nós precisamos de espírito crítico perante            a democracia. A democracia, que nós entendemos em geral como            um ideal, é importante. Mas nós temos que perguntar de            que democracia nós falamos. Vemos que há "atitudes            democráticas", ou chamadas de democráticas, que são            totalitárias.
Revelação: Por exemplo?
Arduini:Por exemplo: um ministro quis negar por aí à fora,            aos poderosos, que a globalização é anti-democrática.            Eles falam até que a globalização é eminentemente            democrática. Eles nos dizem isso. Mas não é! O            mundo poderoso -– países ricos, grandes corporações            – aparecem como democracia, mas que democracia é esta? Os            Estados Unidos, por exemplo, foram aliados de Pinochet. Foram aliados            também de Somoza. E então eles dizem: precisamos defendê-los            porque são nossos aliados. Ora, ser aliado é uma coisa            muito relativa e uma coisa ambígua. Porque nós podemos            ter aliados autênticos, humanos, com desejo de justiça,            e podemos ter aliados tiranos, que enganam, que derramam sangue.
Revelação: Nosso atual governo é constituído            por intelectuais de esquerda dos anos 60 aliados a tradicionais representan-tes            da oligarquia. O poder no Brasil finalmente colocou a razão à            sua mercê?
Arduini:Percebemos que se faz muito disso. Submete-se a razão            ao poder. E isso às vezes é feito não por forma            violenta, mas por forma capciosa, envolvente, e aí a razão            começa a ficar dominada, controlada pelo poder. Mas não            aparece como uma ditadura, como um poder violento. Vivemos muito isso            hoje.
Revelação: Como enxergamos isso?
Arduini:Por exemplo, temos um governo que aumentou a verba para a publicidade.            O que ele vai fazer com isso? Vai ser uma publicidade que vai ajudar            a consciência crítica, que vai ajudar a educação,            que vai favorecer efetivamente a saúde? Ou é uma publicidade            que vai projetar a figura daqueles que têm o poder para que sejam            aceitos pela sociedade? E sejam eleitos pela própria sociedade?            Então nós temos que pensar muito nisso. Aliás eu            tenho sempre muita reserva com relação ao poder. Nós            devemos lutar para passar de uma era de muito menos poder e com muito            mais a razão.
Revelação: Então você é anarquista?
Arduini:Não sou anar-quista não. Mas acho que a verdade            é uma grande força, e muitas vezes tem que discordar do            poder.
Revelação: Parece que saltamos de um regime militar meio            "1984", (de George Orwell), para uma tirania sedutora de estilo            "Admirável Mundo Novo", (de Aldous Huxley), que transformou            a metáfora cruel do Big Brother em entretenimento. É mais            ou menos isso?
Arduini:Acho que você pode fazer essa comparação            sim.
Revelação: O homem é capaz de criar a verdade através            da arte. Mas o poder também tende a "produzir" sua            própria verdade na intenção de preservar interesses            pessoais". A arte tem condições de confrontar sua            verdade com a verdade do poder?
Arduini:A arte é um valor muito grande. E esse é o ponto.            Nem sempre ela é vista com simpatia pelo poder. É interessante,            olhando a história do mundo, perceber que o poder não            tem muita simpatia com a arte. A não ser que o artista seja vendido            ou submetido. Eu acho muito triste quando um artista fica ali... perto            do poder... das autoridades... Não me parece ser uma aliança            muito simpática não. Porque a arte é criativa,            é independente. Por que nas revoluções, e sobretudo            nas ditaduras eles escurraçam com os artistas? Porque os artistas            têm uma intuição da verdade, uma visão mais            límpida, mais clara.
Quando vi o Madureira fazendo o trabalho dele, aquela exaltação            do ser humano, fiquei pensando que certos temas não são            admitidos porque aquilo vai desagradar o poder, vai provocá-lo.            Então me parece que o poder não tem uma fisionomia simpática.            Entre poder e arte, eu opto pela arte.
Revelação: Você critica o idealismo como "concepção            abstrata que deduz o mundo real a partir de idéias". Mas            o ideal utópico também é visto como um rumo para            buscar um mundo melhor. Qual a diferença entre esta noção            de utopia aquela noção de idealismo?
Arduini:O idealismo fica muito no plano do pensamento. O filósofo            alemão Hegel foi mestre da consciência idealista, do pensamento            – que não é totalmente errado. Mas ele projeta muita            força e valor na idéia. Por isso que Karl Marx fez grande            crítica à ideologia idéia.
Marx não admitia o idealismo. Ele considerava a realidade no            aspecto histórico, social. O idealismo é uma visão            filosófica que tem também suas verdades. Mas é            uma visão mais do pensamento amplo que às vezes não            atinge a realidade. Um pensamento muito abstrato. Nem sempre sabe a            diferença entre o que é uma idéia abstrata e um            fato real concreto. O idealismo tem uma natureza própria e tende            a ficar naquele plano, não o da vida, mas no plano do pensamento            que circula por aí.
Agora, quando falamos em utopia, ou espírito utópico,            é diferente. A utopia ainda não está concretizada.            Mas tem uma diferença em relação ao idealismo,            porque ela é uma situação que não está            concreta mas que pode tornar-se concreta. E que até se deve lutar            para fazê-la concreta. Essa é a visão utópica.            É aquilo que não existe ainda mas pode e deve vir a existir.            Então é muito diferente. Nós temos sonhos que podem,            ou devem concretizar-se. E idealismo é uma coisa que nunca se            concretiza, que até pode ter uma beleza que circula mentalmente,            mas que não seja concretizado.
Revelação: Então é fundamental fazer a distinção?
Arduini:Alguns identificam utopia com idealismo. Então as pessoas            falam: é utopia que a humanidade toda possa ser digna, que não            haja pobre. Mas eu diria que o idealismo nunca vai concretizar uma solução            para essa humanidade. Se nós pensamos na sociedade, temos que            lutar para que a utopia se concretize e para que essa realidade utópica,            que ainda não existe, possa e deva concretizar-se. Então            nós temos que lutar muito nesse ponto, e não permitir            que haja uma identificação entre utopia e o idealismo,            porque há uma confusão aí nos significados. Que            é uma forma também de fugir à uma responsabilidade            ao dizer: isso é utopia, isso não vai acontecer, nunca            foi assim... Portanto, a gente tem que insistir: A utopia pode acontecer!
Faço mais uma distinção: a utopia não é            só o possível. Vai mais longe. Porque só o possível            pode ficar eternamente possível e nunca se concretizar. A utopia            pode ser possível mas deve se transformar em realidade, deve            passar do possível para a realidade.
Revelação: Sua afinidade com univer-sitários é            notória. Você vê sabedoria nos jovens?
Arduini:Olha só, não é luxo, não é            capricho, mas eu tenho uma afinidade muito grande com eles. Eu olho            a humanidade como um todo, mas tem sempre uma coisa que a juventude            fala diferente. Porque, sem ir longe, tem duas coisas que ela sempre            me impressiona. Porque a juventude – por muito que tenha sido trabalhada            – porque não viveu muito, ainda não foi massificada,            plasmada pelos costumes, pelos hábitos. Pois uma pessoa de seten...            eu já ia falar setenta anos... uma pessoa madura, de quarenta            anos, é uma pessoa já acertada. Os jovens não foram            tão massificados ainda, tão impregnados da tradição,            dos hábitos, dos valores que às vezes não são            valores coisa nenhuma. Então eles estão mais livres.
E por outro lado eles têm um olhar que é novo. Eles olham            as coisas de modo diferente. Claro que aí já trazem um            conteúdo da cultura, mas é muito frequente que eles comecem            a olhar diferente.
E por isso que agora volto – e você não viveu na época,            felizmente – quando ocorreu o golpe militar, por exemplo. O que            aconteceu? O governo foi em cima dos trabalhadores que faziam greve,            e dos estudantes. O escritor Alceu Amoroso Lima, que já esteve            em Uberaba com a gente mais de uma vez, disse que o golpe militar trouxe            duplo silêncio: silenciou os trabalhadores e silenciou os estudantes.
Revelação: A juventude de hoje está mais alienada            do que a geração anterior?
Arduini:Tenho uma confiança muito grande na juventude, a ao mesmo            tempo sabemos que jovens de hoje também sofrem muitas pres-sões.            Agora, por exemplo, nesse de-semprego, o jovem pode ter feito um bom            curso para ter uma profissão, mas chega na hora de trabalhar            é aquele massacre. Isso força muito a personalidade daquele            jovem que precisa trabalhar e tem que se "adaptar" ao sistema.            Então eu acho isso muito triste.
A juventude tem critérios diferentes. Eu vejo nas missas. A gente            ouve e percebe a sabedoria, a sensatez verda-deira que falam. Às            vezes as pessoas dizem: mas não erram? Ora, todos erram. Padre            erra também. Errar, nós todos erramos. Mas não            porque é jovem; erra porque é humano. 
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5 comentários:
Padre e política?
Prefiro que eles cantem.
Nunca me conformei.
Antropologia não, estudem religião vão dar aula de catecismo.
Bahh
Querido amigo inominável; sempre respondo tecendo es... aqui não há lugar para es... Conheço a obra , a vida e sou amigo: de um homem genial, sereno, humilde, nem um pouco preocupado com ser juiz da vida alheia...
Ele conhece filosofia, antropologia, psicologia e sociologia... bem mais do que o seu comentário insinua; quando ao que sabe me mostre seus livros, suas conferências que lhe digo se você goza desta petulante autoridade, de ditar para os outros o que os outros devem fazer..
Leia os livros, analise a vida e viva mais e melhor do que ele viveu e vive; faça mais pelo mundo do que ele fez..
Diga-me qual será o seu legado para a humanidade quando o vendaval inclemente do tempo lhe chamar...
Deveria excluir seu agressivo comentário sobre um homem digno, altivo, corajoso, e defensor dos que dele necessitaram... A voz da lberdade nas noites de escuridão...
O canto de espernça quando a vida se afunilava num abismo de desespero...À ele meu respeito, minha adimiração e minha eterna amizade...
Ousar é um livro hoje citado em inúmeras teses leigas.. Leia e humaniza-se... ou pelo menos apresenta a respeitar o caminho de quem serve e ajuda...
Não sou católico, nunca, o meu nobre amigo, me deu aulas de catecismo: respeitava o outro. Não vomitava entranhas envenenadas...
Faça pelo povo, pela juventude, pelo conhecimento, pelo vida e pelos excluídos e oprimidos mais do que ele; ai, então, podemos conversar...
Minha indignação...
Jorge Bichueti
Brilhante a sua resposta, Jorge. Parabéns! Sábias palavras. Beijos
Tânia, o barco pesa e a gente rema mais forte vendo o horizonte e lembrando que para alguém o que fazemos faz sentido;abraçs com ternura; jorge
Tânia, o barco pesa e a gente rema mais forte vendo o horizonte e lembrando que para alguém o que fazemos faz sentido;abraçs com ternura; jorge
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