sábado, 9 de abril de 2011

BONS ENCONTROS: PAULO FREIRE, EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE...

Paulo Freire, um educador... Uma vida pela libertação. Autor de Educação como prática da liberdade", "Pedagogia da Oprimido", Pedagogia da Autonomia, Pedagogia da Esperança"...
                  aqui, sua lucidez revolucionária em três distindos momentos...

                           SOBRE POLÍTICA E EDUCAÇÃO:
  — "O político que não busque a eficiência está fadado a não fazer nada. Como qualquer um de nós. O problema é saber que eficiência é essa. Eficiência em torno de quê? Em favor de quem? E como, como ser eficiente?
Para mim, a eficiência política de um homem ou uma mulher de esquerda passa pela sua compreensão e pela sua comunhão com as massas populares. Eu diria mesmo que negar a comunhão com as massas populares, em nome da eficiência, é defender a eficiência de quem pretende fazer a transformação para as massas populares, de cima para baixo. Assim como eu não aceito esse tipo de transformação revolucionária, eu não aceito esse tipode eficiência.
Entretanto, eu não quero deixar aqui a impressão de que eu acho que uma liderança tem de consultar as massas todo dia para saber o que fazer no processo de andamento revolucionário. Isso seria mesmo impossível. A liderança revolucionária tem de obrigar a criar em si mesma algumas qualidades especiais. Por exemplo: a intuição, a sensibilidade histórica, a capacidade de prever, de sonhar a fantasia. Até do ponto de vista do conhecimento, a fantasia é uma espécie de antecipação do que pode ser um conhecimento de amanhã.
Como disse um dia Amílcar Cabral, o grande líder da libertação da Guiné-Bissau: "Ai do revolucionário que não sonha!" E acrescentou: "O problema apenas é saber se sonha um sonho possível. Além disso, ele precisa saber se é capaz do lutar para realizar o sonho. Fora disso: ai do revolucionário que não sonha!"
Essa sensibilidade à flor da pele essa capacidade de sonhai, de fantasiar, de conhecer quase adivinhando os anseios das massas populares são virtudes que o revolucionário tem de criar. É preciso viver essas coerências. É o político que é educador o educador que é político.

        SOBRE DOMINAÇÃO, OPRESSÃO E EXPLORAÇÃO: 

 Torres – Você acha que as categorias de dominação e opressão são mais gerais do que a categoria da exploração? Serão elas mais universais?
Freire – Eu acredito que uma implica a outra; quando você domina você explora. O que pode-se dizer é que não pode haver exploração sem dominação e não pode haver dominação que não implique um certo grau de exploração. Isso pode, por exemplo, ser puramente mental, psicológico. Você domina seu filho ou sua filha, por exemplo. Não tem nada a ver com a realidade econômica dele (a). É possível até que você o (a) proíba de crescer economicamente. Durante a adolescência de seu (sua) filho (a), seu domínio sobre a mente e corpo dele (a) é autoritário. Você interdita – para usar uma expressão que minha esposa Nita gosta. Você interdita no corpo consciente dele (a), você é um dominador e você o (a) explora. Mas é a exploração de seu (sua) filho (a) e ela não é econômica. Trata-se de uma exploração afetiva, por exemplo, é uma exploração de sentimentos. Fundamentalmente você quer alguma coisa dele ou dela. Por exemplo, é possível dizer que você deseja uma espécie e subserviência afetiva. Acredito que quanto mais esclarecermos essas direfentes possibilidades de dominação e exploração – os "o quê" e os "porquês" – melhor compreenderemos os fenômenos.
Agora, no domínio de classe, temos a exploração econômica, ou a discriminação social ou cultural. Uma vez que você domine enquanto classe, do ponto de vista econômico, você necessariamente aceita uma identidade cultural que também envolve o afetivo, os sentimentos e as emoções dos dominados.
Por exemplo, tudo isso tem a ver, embora em termos distintos, com a dominação doméstica – o domínio por vezes do marido sobre a esposa. Em outras palavras, trata-se de uma dominação na qual o marido faz questão de não permitir que a esposa se liberte economicamente, por exemplo. É semelhante ao caso do (a) filho (a). Mas o marido domina a esposa, às vezes por ciúmes, por causa da passividade. No final vemos que o relacionamento de dominação sempre tem uma conotação de posse do dominador sobre o dominado. Isso é o que tornou Marx incontestável em sua referência aos dominados como numa "condição próxima a objetos".
Uma coisa que eu gostava muito e que também era agradável, além do prazer intelectual, era ler as cartas de Marx. Eu sempre dizia a meus alunos "olha, pessoal, vocês deveriam ler os textos mais densos de Marx, mas depois leiam as cartas, porque dessa forma vocês pegam o Marx de pijama". Lá você muitas vezes o vê com tanta vida, irreverente, polêmico, não muito dialógico, mais árduo, e cheio de amor pelo que defendia. Eu não tenho dúvidas de que a ciência é uma ciência que não pode ser detida e que é precisamente porque ela é conhecimento que é exagerada dentro da história. Mas especificamente porque o conhecimento tem historicidade, o que equivale a dizer que o conhecimento está sempre "se transformando e nunca é". Mas eu diria mesmo quando a ciência um dia disser – para alguns especialistas já é o caso, mas, para mim, não – que as contribuições de Marx não fazem mais sentido. Mesmo que isso viesse a acontecer, eu revisitaria suas obras de um modo inteligente, de uma maneira respeitosa, porém não submissa. E eu não tenho dito isso apenas em relação a Marx, mas também em relação a outros filósofos e pensadores com os quais não concordo. Você entende o que quero dizer? A busca não pode ser negada...
Torres – Quando você se refere à busca, você quer dizer a busca pelo conhecimento. Essa busca por conhecimento é baseada na curiosidade, as sementes epistemológicas da ciência?
Freire – Sim, curiosidade. É isso que eu respondi numa de nossas entrevistas quando você perguntou "E quando Paulo Freire morrer, o que ficará como seu legado?", e eu disse: "O legado para mim é fundamental. Não se trata do que eu fiz de um ponto de vista intelectual, e sim o testemunho de minha existência. Deveria-se dizer que Paulo Freire amava intensamente, e queria saber e compreender. Isso significa dizer, sua sede de conhecimento é resultado do fato de que ele sempre foi uma pessoa muito curiosa". Eu acho que é isso que deve ficar. Marx era assim – e há alguns de nós no mundo dos quais poderia dizer-se o mesmo, certo? – porque ele era uma pessoa que , com todos os seus problemas – e acredito que as pessoas são pessoas – exercitava bem sua inteligência. Ele queria saber sobre tudo e é uma pessoa que merece reconhecimento. Assim, ler suas cartas é maravilhoso. Contudo, nunca me esquecerei da raiva que ele tinha de alguns marxistas franceses, ou fascistas, como eu diria hoje. Uma vez ele disse algo assim: "Olha, a única coisa que eu sei é que eu não sou marxista". Isso é um senso extraordinário de radicalismo, de bom senso, da pessoa que se recusa a petrificar-se.


               SOBRE A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE LIBERTAÇÃO:

Torres – Você acha que é possível desenvolver a pedagogia do oprimido com uma pedagogia racional e ao mesmo tempo radical no contexto político de uma potência hegemônica como os Estados Unidos?
Freire – Essa é uma pergunta muito importante. A prática educacional é parte da superestrutura de qualquer sociedade. Exatamente por isso a prática educacional, a despeito de sua importância fundamental nos processos sócio-históricos de transformação das sociedades, não é por si mesma a chave para a transformação, mesmo que seja fundamental. Dialeticamente, a educação não é a chave para a transformação, mas a transformação é por si mesma educacional.
A questão que você levantou também me parece ser fundada em outro problema, que é o problema das opções e decisões políticas. Em primeiro lugar, com respeito a uma pedagogia democrática, não há motivos para que ela não possa ser aplicada simplesmente porque estamos lidando com o primeiro mundo. Em segundo lugar, o que é necessário é aprofundar o aspecto democrático dessa pedagogia que eu estou defendendo. Esse aprofundamento e alargamento do horizonte da prática democrática irá necessariamente envolver as opções políticas e ideológicas dos grupos sociais que realizam essa pedagogia. Assim, evidentemente, uma elite de poder não irá gostar de situar e praticar uma forma de expressão pedagógica que aumente as contradições sociais que revelam o poder das classes elitistas. Seria ingênuo achar que uma elite de poder revelaria a si própria através de uma processo pedagógico que, no final, operaria contra ela mesma.
Torres – Correto. E esse é o motivo pelo qual o professor aparece também como profeta em seu trabalho e não apenas como intelectual engajado. Com o passar dos anos, eu tenho apreciado e estou muito impressionado com sua análise de profeta como pedagogo, como aquele que anuncia e denuncia ao mesmo tempo. Você se lembra do que você disse num pequeno trabalho publicado por Carlos Rodrigues Brandão há mais de uma década? Você jogou estas palavras ao vento como um desafio aos pedagogos críticos e acho que elas se prestam muito bem para finalizar esta entrevista:
"Os profetas não são homens ou mulheres desgrenhados e dilapidados; quer sejam homens barbudos, quer sejam mulheres com longos cabelos, imundos, vestidos com farrapos, com a bengala do pastor na mão, os profetas são aqueles homens e mulheres que mergulham de tal forma nas águas de sua cultura e de sua história, da cultura e da história de seu povo, dos dominados entre eles, que conhecem seu aqui e seu agora, e assim podem antever o seu amanhã, o qual eles mais compreendem do que prevêem"

          O LUGAR DO EDUCADOR - VIDA-UTOPIA... A ESCOLA-VIDA...

U - Para levar adiante essa nova postura pedagógica é necessário mudar o professor. A maneira como o professor tem sido formado tem sido fundamental, e eu sei que um dos seus projetos atuais é escrever um livro sobre formação de professores. Daria para falar um pouco sobre isso, de uma forma mais dirigida à nossa preocupação, como educadores matemáticos? Como a formação de professores deve ser revitalizada nesse seu pensamento?

P - Eu estou realmente escrevendo um livro agora, que eu espero não seja nem um caderno nem um compêndio, um livro à minha maneira. O título provisório do livro vai ser formação docente e saberes necessários fundamentais à prática educativa crítica. A minha preocupação ao estar escrevendo esse livro é mostrar, às vezes até mais do que saberes, mostrar certas sabedorias indispensáveis a um professor, ou à formação do educador. Por exemplo, talvez o primeiro saber que deve virar uma sabedoria e que exatamente a gente incorpora é o seguinte: a prática educativa se funda não apenas na inconclusão ontológica do ser humano, mas na consciência da inconclusão. É em cima desses dois pés, de um lado a minha inconclusão, do outro a minha consciência da inconclusão, é aí que se funda a educação. A educabilidade humana não tem outra explicação senão nesta assunção de minha inconclusão consciente. Como também é ai que se fundamenta a minha esperança. Você imagine que incongruência seria que ser inconclusos como somos e conscientes da inconclusão, não nos lançássemos num permanente movimento de procura, de busca. O ser que não procura é aquele que sendo inconcluso não se sabe inconcluso. Exemplo: a jaboticabeira que eu tenho no quintal da casa é inconclusa também, porque o fenômeno da inconclusão é um fenômeno vital, não é exclusivo do ser humano. Mas o nível de inconclusão da jaboticabeira não tem nada a ver com meu nível de inconclusão. Ela é inconclusa, como é inconcluso meu pastor alemão no quintal, mas eles não se sabem inconclusos. No caso da gente, a gente assumiu a inconclusão e ao assumir a inconclusão, a gente é levada à busca. Seria um absurdo buscar sem esperança. Eu posso até ao buscar não encontrar, mas a minha esperança faz parte do processo de buscar. Não há busca desesperançada. É um contra-senso. Esse saber ... nem sempre os educadores foram um dia desafiados para saber-se interminados. Eu estou escrevendo sobre isso. Um outro saber, que eu acho que é uma sabedoria já, sem a qual não dá para ir para uma escola, é o saber de que mudar é difícil mas é possível. Como é, Ubiratan, que tu poderias andarilhar pelo mundo como tu andas, na África, na Europa, nos Estados Unidos, discutindo o que é a matemática e discutindo como propor a matemática, se tu não estivesses convencido que um dia pode mudar. É o impulso. Esse saber precisa ser discutido, não imposto, mas tem que ser posto em cima da mesa, para que o jovem que está se formando para ser professor amanhã, repouse nesta verdade: eu me movo como professor porque apesar de saber quão difícil é mudar, eu sei que é possível mudar. Pode ser até que o agente da mudança mais radical não seja nem sequer minha geração, mas sem a minha geração a outra não vai mudar.
U - Nós trabalhamos para um outro futuro, no qual nós acreditamos.

P - Exato. Um outro saber que eu preciso saber é que ensinar não é transferir conhecimento, transferir conteúdo. É lutar para com os alunos, criar as condições para que o conhecimento seja construído, seja reconstruído. Isso para mim é que é ensinar. Enquanto eu não estiver convencido disso, enquanto eu estiver pelo contrário convencido que ensinar é chegar às nove horas da manhã e despejar um discurso transferidor de objetos, e que são apenas perfis de objetos, que são os conteúdos, então eu não sei o que é ensinar, eu não sei o que é aprender. É preciso que eu, como professor, saiba que do ponto de vista histórico, o homem e a mulher primeiro aprenderam, para depois ensinar. O aprender precedeu sempre o ensinar. O que é que está acontecendo na sistemática da escola? O ensinar virou o mais importante, e o aprender foi burocratizado com a burocratização do ensinar. Na verdade, o que eu não posso é deixar de conhecer os dois em processo contraditório dialético, em que quanto melhor eu aprendo tanto melhor eu posso ensinar e quanto mais eu ensinar tanto melhor se pode aprender. Mas foi aprendendo socialmente que historicamente as mulheres e os homens descobriram no ato de aprender diluída a prática de ensinar. Um dia na história dos homens e das mulheres, um dia mais ou menos recente, é que descobriram que porque aprendiam era possível ensinar, e aí se sistematizou o trabalho de ensino. A gente perdeu essa noção da história e inverteu os papéis. Eu também estou escrevendo sobre isso. Eu acho que às vezes é preciso recuperar historicamente o grande papel de aprender, sem que isso signifique nenhuma diminuição do ensinar.
U - A escola deve ser um ambiente, ser tornado um ambiente mais para compartilhar esse processo de busca, e não um ambiente onde se passa conhecimento.

P - Claro. Poderia se pensar que eu estou defendendo aqui um papel subalterno para o professor. De jeito nenhum. Indiscutivelmente o papel do professor, o papel do ensinante, é um grande papel. Ele/ela tem uma grande responsabilidade de ensinar. E professor que não ensina não se justifica, ele não se explica a si mesmo. Agora, é preciso clarear e esclarecer o que significa mesmo ensinar. E quando a gente busca compreender na própria prática o que é ensinar, a gente tem que concluir que o próprio esforço do processo social da produção do conhecimento põe de lado qualquer possibilidade de transferir conhecimento. Eu produzo, eu crio, eu recrio o conhecimento, eu não engulo conhecimento. Eu me lembro de uma expressão irônica de Sartre, quando ele criticava o que ele chamava de concepção nutricionista do saber. Ele diz: trágica e dolorosa a concepção nutricionista do saber, em que o professor alimenta, e você vê as metáforas todas que a gente vê na linguagem comum para nos referir ao problema do conhecimento. Tem muito a ver com alimento. Você fala de fome de saber, sede de saber. Você não fala na curiosidade de saber. Você fala na sede do saber. Eu não tenho que beber saber, nem tenho que comer saber. Eu como uma feijoada, não conhecimento. Conhecimento eu produzo socialmente.

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