DIÁRIO DE BORDO: A VIDA É ETECETERA...

                                                      Jorge Bichuetti

Me acordaram os passarinhos. Uma alegria sinfonia. Um convite à vida... Levantei-me e vim... A magia dos bons encontros nos compõem corpos potentes e de alegria. Contei, imprudentemente, para a Lua que havia falado do direito à preguiça. Agora, ela, também, é militante; encontrou sua bandeira... Está muito amorosa; e me faz pensar no quanto somos potencializado pelo carinho recebido... E vendo-a feliz, noto que maior potência ainda vibra no corpo que dá carinho... Pão da alma; alimento do coração...
As Gerães acostuma subjetivar uma mineiridade cheia de carinho... Um efeito das montanhas... Ver o horizonte das montanhas azuladas nos dá uma sensação de imensidão e de cantinho. Como se estivéssemos mergulhados no infinito; porém, na solidão de um canto... Canto da sala, canto de dormir... Um lugarzinho... Também, um encanto... E um canto de vida que solfeza no ar novos horizontes, novas esperanças... " todo artista tem que ir aonde o povo está"...
Talvez, nossa mineiridade nos permita entender, visceralmente, Guimarães Rosa: viver é etecetera...
A vida se compõe de uma multiplicidade de linhas...
E são tantas linhas que impede um traçado prévio do destino, capaz de ser visto pela magia do olhar de uma cigana, ou pelo número reduzido das cartas de tarô... A vida é aberta, um canto cheio de janelas e portas, estrelas nos furos do teto e caminhos nos devãos do chão... Cavernas, grutas... Esquinas, becos... encruzilhadas... uma multidão de caminhos... uma possibidade aberta de reinventar-se e reinventar o próprio destino.
Vivemos uma vida e nela suprimos, inconscientes, outras vidas possíveis...
Seguimos um caminho, um roteiro... esquecidos das outras vielas e dos outros horizontes que palpitam e pulsam como potências não-vividas na nossa própria existência.
Ousa experimentar... Abrir novas travessias na vida e na nossa própria alma...
Quando a vida me convoca ao trabalho de cuidador, sempre me deparo com uma imposição do nosso mundo, limites que se dão no conhecimento e que emergem no modo de vida... Me olham e pedem que eu reduza uma vida e uma dor a um diagnóstico, um númeo, um qualificativo que ocultae anula a complexidade da vida, da vida na dor e da vida na alegria...
- meu filho é um esquizofrênico - me perguntam...
Éle é João, José, Maria , Sebastina... é estudante, dona de casa, desempregado, operário... é corinthiano, palmeirense, santista, flamenguista... é  poeta, gosta de ler, vê filmes de faroeste... é ciclista, gosta de pescar... ouve canções e chistes... crê nisso ou naquilo... ama, namora, tem amigos... perdas, sonhos... recoradações e profecias... é a dor de amor não correspondido... é o medo de nunca ser amado....
Somos tanos; somos tanto...
A árvore que não plantamos... o conto que não escrevemos... a batalha que não lutamos... a comida que não degustamos... o sexo que não experimentamos...
Somos multiplicidade; nunca um diagnóstico ou um papel representado...
Somos  as linhas percorridas e linhas ainda por serem visitadas....
Somos nossas tribos, nossos desejos e sonhos, nossas frustrações e inibições, somos nossas potências já atualizadas e vividas e aquelas que ainda se atualizarão num novo devir...
Somos...
Quem somos?...
" Somos todos desertos, povoados de tribos, floras e faunas"... ( Deleuze)